Ação faz parte da Operação Sindicasta, que investiga desvios milionários, recolheu computadores, celulares e documentos
Correio do Povo
Dirigentes e ex-dirigentes do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul (Siapergs) acordaram ontem com a presença de agentes do Ministério Público na porta de casa. A ação, coordenada pela Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, cumpriu uma série de mandados de busca e apreensão na Operação SindiCasta, que investiga desvios superiores a R$ 8 milhões da entidade.
A investigação começou há alguns meses, quando o MP enviou ofício ao Siapergs solicitando informações. A partir daí, alguns dirigentes da entidade pediram afastamento, inclusive o então presidente, Paulo César Beneduzi Mocellin. O ex-vice-presidente, Jorge Ivo Amaral da Silva, além de deixar a função, registrou em cartório uma declaração assumindo responsabilidade por “diversas transferências” de contas da entidade para outras ligadas a ele próprio. Segundo ata da reunião da direção que definiu o afastamento de Amaral, o sindicato foi vítima de desvios de valores superiores a R$ 10 milhões, desde 2015.
Ivo Amaral foi um dos alvos da operação de ontem, que recolheu celulares, computadores e documentos em residências da Capital. Segundo o MP, “investigados realizavam as retiradas sem que fossem percebidos, o que reforçaria a participação de pessoas ligadas à área financeira e/ou à direção dessas entidades. Após os desvios, os investigados, em manobras características do crime de lavagem de capitais, na tentativa de dificultar a localização dos valores apropriados, realizaram depósitos em nome de terceiros, (...) parentes ou pessoas próximas”.
Os valores desviados, de acordo com a investigação, deveriam ser distribuídos aos jogadores de futebol do RS a título de “direito de arena”. Os recursos têm origem em um percentual de 5% de todos os valores pagos por emissoras de televisão para transmitirem os jogos no Brasil. Segundo estimativas de especialistas, o Siapergs recebeu, somente de direito de arena, aproximadamente R$ 100 milhões nos últimos cinco anos, período que está sendo investigado. Paulo César Beneduzi Mocellin e Ivo Amaral foram procurados pelo CP, mas não foram encontrados.
Promotor do MP: ‘'Tudo era feito em família’'
O promotor Flávio Duarte, que atua na Promotoria Especializada Criminal de Porto Alegre, é responsável pela Operação Sindicasta, que cumpriu operações de mandados de busca e apreensão na manhã de ontem. Ele também investiga desvios ocorridos no Inter durante a gestão de Vitorio Piffero (2015/2016), apuração que já se transformou em uma série de denúncias apresentadas à Justiça. Ele falou com o CP ontem, algumas horas após as buscas.
Por que a operação está sendo chamada de SindiCasta?
A operação tem esse nome porque foi apurado que nas três esferas das entidades sindicais de atletas (municipal, regional e nacional) são basicamente as mesmas pessoas atuando. As mesmas pessoas tinham algum tipo de cargo nas áreas administrativa ou financeira nos sindicatos, além de alguma relação de parentesco entre elas. Era tudo mais ou menos em família, entre as mesmas pessoas, em revezamento.
Quem são os prejudicados pelos desvios no Siapergs?
A princípio, os atletas, porque provavelmente deixaram de receber valores que cabiam a eles, principalmente no que diz respeito ao direito de arena. E, além disso, o próprio sindicato, já que os valores foram desviados das entidades, independentemente da destinação que seria dada a eles. Mas isso ainda vai ser melhor investigado.
O que essa operação tem a ver com a Operação Rebote, que desde 2018 investiga a gestão Vitorio Piffero?
Na Operação Rebote, o MP entendeu a forma como funcionam estes tipos de desvios na área esportiva e, mais especificamente, no futebol. A forma de agir aí é diferente do que ocorre na esfera pública, onde o MP está muito mais acostumado a investigar. Compreendendo como as coisas funcionaram nos desvios do Inter, entendemos que situações semelhantes poderiam estar ocorrendo em outras entidades ligadas ao futebol. Por isso, seguimos investigando.’'
Diretores revezam os cargos
De forma geral, as entidades sindicais que representam os jogadores de futebol no Brasil têm estatutos engessados, que favorecem a manutenção das mesmas pessoas em cargos importantes, principalmente naqueles que decidem o destino dos recursos. Assim é no Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul (Siapergs), onde Ivo Amaral e Paulo César Beneduzi Mocellin revezavam-se na direção, mas também é na Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), entidade que congrega nacionalmente os sindicatos regionais.
O primeiro presidente da Fenapaf foi Ivo Amaral, eleito em janeiro de 2001. Mocellin também ocupou o cargo. Hoje, o presidente é Felipe Augusto Leite, que foi eleito em 2016 e reeleito em 2019 para um novo mandato de quatro anos. Ivo e Mocellin seguiam, até que as investigações tiveram início, em cargos importantes da entidade. Ivo era tesoureiro, e Mocellin, secretário geral – até 2019, eles ocupavam os mesmos cargos, mas de forma invertida.
“Ele (Ivo) sempre foi o responsável pelas finanças. O meu cargo (presidente) é apenas político e representativo”, afirmou ontem Felipe Augusto Leite, que mora em Natal – a sede da Fenapaf é no Rio de Janeiro. Mesmo evitando dar maiores informações sobre a investigação, Leite confirma que Ivo renunciou ao cargo de tesoureiro, mas segue como “conselheiro vitalício” de entidade, cargo que lhe confere um salário de R$ 40 mil mensais. No Siapergs, os dirigentes também tinham direito a uma remuneração.
O percentual de 5% para o direito de arena, que deveria ser distribuído para os jogadores de futebol brasileiros que tivessem suas imagens veiculadas pela TV, foi regulamentado em 2000. Segundo estimativas, só nos últimos cinco anos, a Fenapaf movimentou cerca de R$ 1 bilhão.
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