Campanha digital tem momentos do cotidiano, objetividade nas propostas e muita interação
Correio do Povo
A campanha eleitoral de 2020, pelo calendário oficial, começa apenas neste domingo, 27, quando faltam 50 dias para o primeiro turno. Mas, nas redes, ela há semanas está a ‘pleno vapor’. Repetindo uma estratégia em curso nas principais cidades, em Porto Alegre os candidatos à prefeito fazem largo uso dos meios virtuais para se comunicar em tempos de pandemia, em uma eleição que já é considerada histórica porque está obrigando a todos – candidatos, marqueteiros, estrategistas políticos e eleitores – a se reinventarem devido às restrições impostas às formas tradicionais de mobilizações e eventos políticos.
A farta utilização das ferramentas virtuais era esperada após o sucesso de 2018, mas ela acabou se tornando parte apontada como fundamental nas estratégias de campanha, mesmo para os candidatos mais dispostos aos eventos de rua. Porque, conforme resumem os estrategistas políticos, não basta o candidato estar convicto a ir para a rua se os eleitores preferem evitar o contato e as aglomerações se transformaram em um risco que poucos estão propensos a correr.
Em Porto Alegre, quem acredita que a campanha nas redes pode se resolver com tuítes esporádicos sobre assuntos que rendem curtidas certas ou lives intermináveis como as que foram usadas como ferramentas de comunicação por nove entre 10 lideranças políticas no início da pandemia, está distante da realidade. No twitter, no facebook e no instagram, a presença de quase todos os candidatos tem muito movimento, vídeos nos quais ganham destaque momentos pessoais e cenas do cotidiano, apresentações objetivas e curtas de propostas, entrevistas e imagens que apontam problemas da cidade, slogans de campanha bem marcados, obras de artistas gráficos, humor e depoimentos de personalidades públicas. E, sim, há postulantes que avançaram pelo tiktok e o youtube. Tudo isso não apenas antes do início oficial da campanha, mas em uma antecipação explícita do que eles vão apresentar na propaganda eleitoral no rádio e na TV, que só começa em 9 de outubro.
“A Manuela está em todas as redes e é grande em todas. Devido à pandemia, a sobreposição aos eventos presenciais já acontece. Não temos, por exemplo, nenhum evento presencial planejado para o grande público. É uma questão de responsabilidade neste momento”, assinala Marina Lopes, responsável pelas redes sociais da candidata Manuela D’Ávila (PCdoB). Entre os 13 postulantes à prefeitura da Capital, a ex-deputada do PCdoB se destaca quando o assunto é a atuação nas redes sociais, seja por marcar presença nas diferentes plataformas, pelo número expressivo de postagens, interações ou seguidores.
Os adversários reconhecem que a candidata ‘largou na frente’ e está com uma campanha digital muito bem estruturada. Mas alertam para o número de seguidores de fora de Porto Alegre e, mesmo, do Estado. E lembram que seu ‘tamanho’, além de trazer muito da época em que ela era deputada federal, ganhou musculatura em função da estrutura e da exposição decorrentes da campanha presidencial de 2018. Marina admite que a atuação é bastante nacionalizada, mas destaca que a relação da candidata com as redes é facilitada por ser antiga, vem desde a época do Orkut, e em vários momentos da sua trajetória Manuela comunicou decisões importantes pelas plataformas digitais. “Para ela, é espontâneo, e os eleitores percebem isso”, diz, ao assinalar, também, a organização de listas de transmissão e de pelo menos 40 grupos orgânicos de whatsapp.
Independente do porte que ostentam nas redes, todos os candidatos vão enfrentar o mesmo desafio, na avaliação de Beto Andrade, que responde pela coordenação das redes sociais do candidato do PTB, José Fortunati. “Não adianta o candidato ficar falando só para quem já vai votar nele. A briga se dá pela conquista dos eleitores indecisos, e eles são muitos”, destaca. À frente de sua 19ª campanha eleitoral, Beto admite que o crescimento do digital é “gigantesco”. São produzidas, em média, 12 peças diárias para as diferentes plataformas, podendo chegar a 18 por dia. E suas estruturas, neste ano de 2020, no mínimo vão se igualar àquelas usadas para o desenvolvimento da campanha no rádio e na TV. “As redes são de relacionamento, não de informação. O objetivo das pessoas ali é conversar. Então, são sim usadas como importantes plataformas de convencimento”, explica. Fortunati, que já usa instagram, facebook e twitter, vai investir no tiktok.
Conhecido por sua disposição para o corpo a corpo, em função das restrições impostas pela pandemia, o deputado Sebastião Melo também está entre os candidatos que buscam aumentar seu espaço nas plataformas digitais. Mas, de acordo com a coordenadora de conteúdo da campanha, Isara Marques, será trabalhado principalmente um perfil da chapa Melo e Ricardo Gomes. E o foco, além de facebook, instagram e twitter, será nos grupos de whatsapp. “A ideia é conversar, mas não incomodar. Menos propaganda e mais papo de verdade com o eleitor”, resume.
Quem também mantém por enquanto as apostas fortes nos grupos de whatsapp ‘sem bots’ e nas três redes mais conhecidas é o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), candidato à reeleição. “O facebook, o instagram e o twitter são consagradas. Eu diria que elas têm um diferencial, que é o senso de pertencimento, de relação, de que, de alguma forma, as opiniões que você coloca ali podem influenciar a tomada de decisões”, sentencia o coordenador digital da campanha do tucano, Rafa Bandeira. Ele cita como norte as duas campanhas de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, em 2008 e em 2012. “Na primeira eleição ele utilizou 12 ou 13 plataformas digitais. Na segunda, reduziu para as três grandes. Acredito no conceito de que, se você tem muitas frentes, acaba não cuidando direito de nenhuma.”
Desempenho de cada candidato*
Manuela D’Ávila (PCdoB)
Está em todas as redes sociais e ultrapassa a marca do um milhão de seguidores no instagram (1.921.832), em sua página no facebook (1.490.244) e no twitter (1.071. 590). Tem um canal no youtube com 50,5 mil seguidores e, em fevereiro, entrou no tiktok, onde tem 36,1 mil seguidores.
Fernanda Melchionna (PSol)
Deputada federal, a candidata do Psol também está em todas as redes. No facebook sua página tem 179.564 seguidores. No twitter é seguida por 103.429 pessoas e, no instagram, por 79.132. Fernanda também tem um canal no youtube com 6,55 mil inscritos. E criou uma conta no tiktok, ainda pouco utilizada.
Nelson Marchezan Júnior (PSDB)
O prefeito também tem familiaridade com as redes, já as utilizava com frequência para se manifestar e intensificou a prática na pandemia. Na mais popular delas, o facebook, sua página possui 264.873 seguidores. Tem 101.991 deles no twitter e 45.059 no instagram.
Juliana Brizola (PDT)
A página da deputada estadual pedetista está próxima de alcançar os 100 mil seguidores na mais popular das redes sociais, o facebook, onde Juliana é seguida por 98.325 perfis. No microblog twitter são 22.381 os que seguem suas postagens. E, no instagram, eles são 18.456.
Rodrigo Maroni (Pros)
A assessoria do deputado mantém mais de um perfil no facebook. Um deles possui 79.130 seguidores e o outro tem 6.596. No instagram há uma conta privada com 1.329 seguidores e uma pública, do mandato, com 364.
Valter Nagelstein (PSD)
Entre as três redes sociais preferidas pelos políticos no Brasil, o vereador também tem maior visibilidade naquela que é a mais popular, o facebook, plataforma na qual 56.827 pessoas seguem sua página. Nagelstein tem 8.847 seguidores no instagram e 5.255 no twitter.
Sebastião Melo (MDB)
O deputado estadual e ex-vice-prefeito emedebista tem presença maior no facebook, onde sua página conta com 55.384 seguidores. Também está no twitter (25.249 seguidores) e no instagram (10.911 seguidores). Por enquanto, não estão previstos canal no youtube ou conta no tiktok.
João Derly (Republicanos)
O ex-judoca e ex-deputado federal marca presença no facebook, onde sua página é seguida por 54.366 outros usuários. O instagram é a segunda rede na qual Derly tem mais seguidores: 15.942. E, na sequência, vem o twitter do candidato, que possui 11.797 seguidores.
José Fortunati (PTB)
Lança domingo sua conta no tiktok, buscando o eleitor jovem e 'quebrando' a avaliação de que candidatos mais ‘sérios’ e acima dos 50 anos não tem desenvoltura para a rede onde a linguagem fragmentada e o humor são dominantes. Tem 92.037 seguidores no twitter, 27.144 no facebook e e 7.251 no instagram.
Gustavo Paim (PP)
O atual vice-prefeito tem 6.432 seguidores em sua página do facebook, criada em 2017, após sua primeira eleição. No instagram e no twitter o advogado contabiliza números semelhantes: são 3.949 seguidores no primeiro e 3.542 no segundo.
Júlio Flores (PSTU)
O candidato está no facebook, com 1.628 seguidores, e no twitter, com 425.
Montserrat Martins (PV)
Possui 1.152 seguidores no facebook. Tem conta criada no twitter em agosto.
Luiz Delvair Martins (PCO)
O candidato possui página no facebook, mas não há informações relacionadas a campanha.
*Por ordem de seguidores no Facebook
É a primeira eleição na qual todos os candidatos sabem que precisam estar bem posicionados no digital"
Em entrevista ao Correio do Povo, o coordenador na Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP), Amaro Grassi, fala sobre as características da campanha eleitoral de 2020.
Correio do Povo: A campanha digital vai se sobrepor nestas eleições de 2020?
Amaro Grassi: Cada eleição agora tem este caráter um tanto de ineditismo, porque as coisas mudam muito rápido. Em 2018 ainda muitas candidaturas apostavam nas campanhas tradicionais. Mas ali foi um momento no qual ficou claro, até em função da eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) e de parte dos governadores e parlamentares, o quanto a campanha digital virou um elemento central, até decisivo, nas campanhas. Esta eleição de 2020 é a primeira na qual todos os candidatos estão cientes desta condição. Todos sabem que precisam estar bem posicionados e com uma campanha bem estruturada no digital. É claro que as capacidades e recursos são muito diferentes e que quem tem mais facilidade nas plataformas e estrutura anterior larga na frente. Isto é muito importante. Mas não é tudo.
CP: O que mais pode alterar de forma significativa o cenário para quem leva vantagem na campanha digital?
AG: O fato de ter muitos seguidores não vai necessariamente significar que o engajamento durante a campanha vai ser tão grande quanto. Porque um engajamento muito alto na rede pode não dar muito retorno em termos de votos. Em 2018 o João Amoêdo (Novo) tinha uma presença fortíssima no facebook. Mas isso não se refletiu de forma alguma na votação dele. O Ciro Gomes (PDT), na reta final, houve nas redes houve uma mobilização para que crescesse e eventualmente chegasse ao segundo turno, mas sem sucesso. É uma relação ainda é um pouco nebulosa. A distância que se observa muitas vezes entre candidatos nas redes não é proporcional na hora do voto de fato. A relação entre engajamento na rede, presença digital e voto ela é ainda muito mais complexa do que a gente consegue estabelecer diretamente. E não podemos esquecer do papel do whatsapp, do peso dele sobre cada candidatura, e da dificuldade de monitoramento e de extração de informação que ele carrega. Além disso, há o dilema clássico das campanhas políticas: alimentar a própria base e buscar o engajamento desta base para daí sim partir para a atração de novos eleitores ou, então, buscar direto eleitores de fora do nicho.
CP: Há outros fatores que devem influenciar mais diretamente a campanha?
AG: Sim. Primeiro, se, e em que medida Bolsonaro e sua base vão apoiar candidaturas. Porque eles possuem de fato uma estrutura muito forte hoje nas redes, no digital, no whatsapp. Devemos lembrar, por exemplo, que em 2018, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, Wilson Witzel (PSC) e Romeu Zema (Novo) ficaram a campanha inteira lá atrás nas intenções de voto. E nos últimos 10 dias dispararam porque conseguiram encampar a bandeira de que eram candidatos do Bolsonaro. Para o João Dória (PSDB) em São Paulo de certa maneira também funcionou assim. Então, este é um elemento importante. No momento em que essa base, essa estrutura que hoje apoia o governo, escolher candidatos, dá para se esperar que estes candidatos vão ter força, principalmente em redes de whatsapp, onde aqueles à esquerda não têm ainda tanta eficiência, não conseguem operar tão bem.
CP: A propaganda eleitoral no rádio e na TV vai voltar a ter um papel importante?
AG: Há uma tendência em acreditar que como as redes foram muito importantes em 2018, acabou a influência da televisão, mas não é assim. A TV é fundamental, por exemplo, para tornar candidatos mais conhecidos. Em 2018, o Fernando Haddad (PT) ficou mais conhecido por conta da televisão e, na hora em que aconteceu o movimento de transferência de votos do Lula para ele, a TV, em função do tempo que ele tinha na propaganda, foi importante para a vinculação dos dois. Em 2020 o tempo de TV terá seu papel tanto para candidatos que não são tão conhecidos, como para fazer candidaturas chegarem a um público que as vezes não é tão presente nas redes. E, por conta das restrições decorrentes da pandemia, pode ser que tenha um efeito um pouco maior do que se esperaria se estivéssemos em outras condições.
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