De hortas a flores decorativas, setor mostra recuperação com mudança de hábito de consumidores
A pandemia provocou mudanças na vida de todos desde do seu início, em meados de março deste ano. Por causa do isolamento social, que é uma das principais formas de prevenção contra o coronavírus, muitas pessoas começaram a ficar mais tempo em casa e, pouco a pouco, a investir mais atenção no ambiente onde moram. O cultivo de plantas e flores começou a ser uma das apostas para quem procurava transformar a casa em um lar, além de buscar um modo para relaxar diante das incertezas dos estresses causados pela pandemia.
Segundo a jornalista Natália Rodrigues, o interesse por plantas começou neste ano, em meio à pandemia, enquanto ela e o marido, o administrador Carlos Tondim, decidiam o que fazer com a decoração da casa, já que iniciaram a trabalhar em home office. Foi um Lírio da Paz que despertou esta nova paixão no casal: “As plantas nos ensinaram muito nessa pandemia: a conhecer nossos ciclos, a aprender sobre espera – quem nunca quis que a mudinha crescesse da noite para o dia? Além de tudo, a jardinagem, mexer na terra, alivia nossas tensões e nos deixa mais calmos”, contou.
O Lírio foi a primeira de muitas. Hoje o casal soma 46 plantas no total, em um apartamento de 40m². Natália e o marido resolveram criar uma conta no Instagram, chamado Casal das Plantas, onde compartilham dicas e a relação com as plantas. “Quando começamos a comprar umas plantas, a gente ia postando nas nossas redes sociais pessoais. Sempre vinha uma pergunta ou outra sobre o cuidado daquela planta e tal. Tomamos tanto amor pelas plantas que estamos fazendo um curso de jardinagem online para conhecer ainda mais sobre esse mundo”, disse.
Natália e Carlos criaram perfil Casal das Plantas. Foto: Divulgação / CP
Já para quem sempre teve contato com a natureza, levar o verde para dentro de casa sempre foi uma prioridade. Como é o caso da bióloga doutoranda em Ciências do solo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Carla Müller, que herdou o amor pelas plantas do pai e quando se mudou de Passo Fundo para Porto Alegre, ter essa memória afetiva da casa dos pais próxima de si era fundamental. “Hoje em dia é uma fuga nessa confusão do dia a dia que vivemos, o ato de cuidar das plantinhas me ajuda na ansiedade e é algo que me acalma só de olhar a beleza da natureza mesmo que seja em uma pequena escala e dentro de casa”, disse a biológa que tem 25 plantas no seu apartamento de 35m².
Mudanças de comportamento
De acordo com o presidente da Associação Rio Grandense de Floricultura e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Floricultura, Walter Winge, as vendas de plantas tiveram uma queda muito grande no início da pandemia, em torno de 80% a 90%. “Todo mundo se assustou. Isso fez com que muitos produtores cancelassem a sua programação de produção nas primeiras semanas”, contou.
Mas, com o passar dos meses, esse mercado voltou para sua normalidade. “As pessoas estão em casa e estão querendo cuidá-la. Elas começaram a pensar 'posso colocar uma plantinha ali'”. Essas pessoas procuraram trazer a natureza para dentro de casa, perto de si.
“A tendência de ter uma horta caseira também cresceu, como alface, rúcula, tempero, chás. É uma coisa impressionante como cresceu a venda destes produtos”, completou Winge. “Em contrapartida, em função dessa demanda caseira, está causando um certo déficit, uma escassez de produtos.”
Já no ramo das flores de corte, Winge explicou que o setor sofreu muito por causa da pandemia. Segundo ele, com o cancelamento de grandes eventos, como casamentos, formaturas e aniversários, as flores deixaram de ser requisitadas: “A situação da flor de corte é um desastre natural. Como estão proibidos os eventos, a flor de corte está em uma crise sem precedentes no Brasil e no mundo. Muitos produtores desativaram a sua produção, passaram a produzir hortaliças e alugar para outros produtores, porque a estufa é uma instalação muito cara”, revelou. “É um setor que sofreu muito e vai demorar para se recuperar porque não há previsão de voltar a ter festas e outros eventos com aglomeração.”, lamentou.
No entanto, a procura por flores para decoração caseira, aumentou em relação ao momento anterior à pandemia. De acordo com Winge, o crescimento foi de 15% a 20%, dependendo de loja a loja e cidade a cidade.
A mudança de comportamento no consumidor chamou a atenção de Winge. Para ele, por causa da restrição de ter contato normal de antes com os parques de Porto Alegre, por exemplo, fez com que as pessoas levassem a natureza para dentro de casa. “Estão transformando as suas casas em lar, estão levando beleza para dentro de casa”, apontou. “Já foi comprovado, em pesquisas da Nasa, que as plantas têm condições de liberar o oxigênio e melhoraram o ar dentro de casa.”
Terapia
Cultivar as plantas pode ser terapêutico para muitas pessoas. Para a bióloga Carla Müller, o hábito de cuidar das plantas e flores é um momento de conexão: “Eu acredito muito no bem estar que as plantas nos proporcionam, que é praticamente uma terapia, um momento de conexão consigo mesmo e com a natureza. Momento que às vezes perdemos ou não valorizamos”, disse.
Carla criou eBook sobre plantas para apartamento. Foto: Arquivo Pessoal / CP
Carla, que é fundadora e presidente da ONG Dia do Amor, percebeu o interesse das pessoas por plantas neste período de isolamento social: “Eu achei isso demais. Pelo fato das pessoas estarem valorizando a natureza e valorizando o bem estar que a natureza nos proporciona, que vai desde filtrar o ar da tua casa até diminuir seus níveis de estresse”.
Ela produziu o e-book Plantas Ornamentais para Apartamento para compartilhar dicas de cuidados com os seguidores e angariar fundos para a ONG. “Consegui unir dois amores que é compartilhar conhecimento e ajudar as pessoas. As dicas que eu posto são para incentivar as pessoas a terem plantinhas e entender os benefícios delas.”
Para Natália, todo mundo pode – e deve – ter uma plantinha em casa: “Mesmo os esquecidos de regar ou viajantes, podem comprar uma planta de fácil cuidado como a Zamioculca ou mesmo a Comigo-ninguém-pode. São duas plantas que aguentam alguns dias sem regar. A Zamioculca inclusive suporta ar condicionado e ambientes de sombra, mas não o breu”, sugeriu.
“Quem tem bastante sol em casa, o dia todo, pode apostar em plantas que gostam de sol pleno, como alecrim, manjericão, lavanda. Mas é bom lembrar que mesmo plantas que preferem sombra, precisam estar na claridade. Sombra não é deixar na escuridão. Flores como Primavera e Azaleia adoram sol e crescem muito bem assim. Já Lírio da Paz, Antúrios e Callas preferem uma claridade, mas sempre é bom colocar pelo menos uma hora no sol fraco da manhã ou do final da tarde, porque o sol ajuda no fortalecimento da planta e na floração”, completou.
Para Walter Winge, para quem quiser começar o cultivo de plantas ou flores, precisa entender que ambos são seres vivos, que precisam de cuidados, tal como um animal de estimação. “Trazer o verde para dentro de casa, isso é um hábito muito importante. Na Europa, por exemplo, depois que passa a neve, tudo fica triste. Eles enchem a casa de flores e folhagens para ter vida”, contou. “O homem é um ser da natureza. As plantas trazem vida para ti.”
Correio do Povo
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