sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Nossa história com o dinheiro



Fabiana M. Machado fala como experiências com o dinheiro na infância repercutem na vida adulta

É comum pensar que não tivemos educação financeira (aquela que deveria nos ensinar a lidar com o dinheiro) e culpamos a nossa relação adulta com o dinheiro ao nosso passado ou buscamos alguma fórmula para resolver essa questão fora de nós. Mas, desde criança, vivemos muitas experiências com o dinheiro que repercutem ainda hoje no nosso comportamento.
Lembro-me da minha avó materna, que me dava dinheiro para comprar laranja do senhor que vendia frutas numa banca na rua. Eu comprava apenas uma laranja e pedia para ele descascar na hora. O legal era que ele tinha um descascador de laranjas com manivela manual. E eu adorava ver o trabalho dele, que não era só vender a laranja, mas me entregá-la pronta para a primeira mordida.
Logo que a laranja terminava, lá ia eu de novo: “vó, quero laranja!”. E ela me dava mais dinheiro. Não que a laranja fosse minha fruta preferida, mas o prazer em ver a fruta sendo descascada facilmente e a casca se transformando numa tira comprida até tocar no chão, parecia mágica e era pura diversão! E ainda saía com um furinho para saborear o suco. Eu voltava pra casa feliz da vida, com a laranja descascada numa mão e a casca em tira na outra.
Até que um dia, minha avó me advertiu: “pare de comprar uma laranja de cada vez, pois assim ela fica mais cara. Compre o saco com 10, que sai mais barato, e traz pra casa que eu descasco.”
Toda a lógica racional que a minha querida avó apresentou naquele momento, com simples cálculo matemático, bateu de frente com o meu emocional irracional que estava pagando por uma experiência enriquecedora. Afinal, era apenas uma nota de dinheiro, e talvez algumas moedas juntas, que eu não sabia se valia muito ou pouco, mas me permitia ir às compras sozinha pela rua, fazer um pedido sozinha, realizar a minha vontade, pagar sozinha e aproveitar tudo o que uma novidade no descascar de uma simples laranja podia oferecer. Era incrível!
Tive a sensação de que o dinheiro acabou com a graça… ah, esse bendito dinheiro! Foi a mesma sensação de um balde de água gelada na cabeça.
O interessante é que eu não pedia dinheiro para comprar, eu pedia “quero laranja”. O dinheiro não era importante, mas era um meio para eu conseguir o que queria. Isso eu sabia.
E sem perceber, o dinheiro já fazia parte da minha vida, desde tenra idade, cheio de experiências e grandes lições.
Isso acontece com todos nós. Guardamos memórias e histórias do nosso passado com situações e acontecimentos envolvendo o dinheiro: de abundância ou escassez, pelo o que ouvimos ou vimos acontecer, pelo diálogo ou discussão, pelas escolhas ou restrição, sendo motivo de alegria ou frustração, coragem ou medo, e por aí vai.
Seja como for, os aspectos envolvendo o dinheiro foram despertando em nós, ao longo do tempo, uma série de sentimentos, que nos acompanham até os dias de hoje. E, quando é difícil lidar com esse passado, saiba que a solução não está na educação financeira que não recebemos.
Por vezes, não queremos enxergar. Pode ser dolorido, mas pode ser que seja difícil aceitar. No meu caso, ter que lidar com a frustração do “não” e do limite que estava me sendo imposto e, hoje, entender que o que a minha avó fez era o que estava ao alcance dela ensinar e de acordo com o valor dela (proporcionar, mas economizar).
Se os ensinamentos estão refletindo contra ou a nosso favor nos dias de hoje, cabe somente a nós avaliar, tornar consciente e mudar o que for preciso. Mas é fato: continuaremos a agir de forma emocional ao lidar com o dinheiro, fazendo as nossas escolhas, de acordo com os nossos valores.
Viajar para a praia ou passar as férias em casa, tomar uma xícara de café na lanchonete ou preparar o café em casa, proporcionar um almoço para a família ou dividir a conta com os filhos, investir em livros e cursos ou poupar para o futuro … o que faz sentido para cada um de nós?
Sobre as laranjas, a minha avó (que mimava muito os netos), comprou um descascador para ter em casa e assim a diversão continuar. Ela fez as contas para não pagar a mais pelas laranjas, mas usou o dinheiro para continuar proporcionando a alegria dos netos… que avó mais querida, não? Dinheiro tem dessas coisas…
E você, qual a sua história com o dinheiro? Escreva-me para contar!
Quer saber mais? Acompanhe a minha coluna semanal aqui no Bella Mais. Vamos juntas nesta jornada!

por Fabiana M. Machado

Fabiana Mendonça Machado é especialista em comportamento financeiro. É casada, mãe de dois filhos, empresária e uma das fundadoras da MoneyMind. Escreva para fabiana@moneymind.com.br para contar se este texto foi útil para você. @fabiana.m.machado



Correio do Povo

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