A nutricionista Letícia Roman Guzzo, de Tapejara (RS), aparece como beneficiária do auxílio emergencial, cujo valor, de R$ 600, equivale a cerca de seis consultas na clínica da qual ela é sócia. A concessão do benefício emergencial do governo federal a pessoas que não têm direito foi revelada em matéria deste domingo (28), no programa Fantástico, da TV Globo. Foi um belo trabalho de jornalismo investigativo, liderado pelo jornalista Giovani Grizotti, da RBS Tv Porto Alegre.
Um relatório do Tribunal de Contas da União mostra que, no Brasil, mais de 620 mil pessoas - inclusive mortos - constam em uma lista de beneficiários que não têm direito ao valor, que é destinado a trabalhadores em dificuldades devido à pandemia.
Nas redes sociais, Letícia, casada com um médico, aparece em lugares requintados, em cruzeiros de navio e visitando Paris e Barcelona. Mas ao ser questionada pela reportagem exibida domingo (28) no Fantástico, não quis gravar entrevista.
Depois da tentativa de contato, enviou à emissora de tevê uma mensagem alegando que “pediu auxílio por engano” e que já devolveu o dinheiro.
Em Nova Roma do Sul, na serra gaúcha, a dentista Aline Scapinello também está recebendo o benefício. Ela tem fotos em uma rede social em que aparece em cidades como Angra dos Reis, Arraial do Cabo e Rio de Janeiro. Ela não quis gravar entrevista, mas disse que iria devolver o dinheiro.
Antes disso, Aline ingressou, na comarca de Antonio Prado (RS), com pedido de censura prévia para evitar que seu nome fosse divulgado na reportagem, o que foi negado. Ela interpôs agravo de instrumento no TJRS. O efeito suspensivo foi indeferido.
A comerciante Ana Paula Brocco, de Espumoso (RS), teve melhor sorte inicial. Ela conseguiu suspender a veiculação da reportagem por 16 dias, graças a uma liminar concedida pelo juiz Daniel da Silva Luz, da comarca de Espumoso, e que chegou a ser confirmada pela desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza, da 19ª Câmara Cível do TJRS.
Em sede de agravo de instrumento interposto pela RBS TV, a magistrada manteve a censura durante uma semana - mas na sexta-feira (26) reconsiderou sua própria decisão, tornando a liminar sem efeito. Com isso, a reportagem foi transmitida.
Segundo o G.1 publicou ontem (29), Ana Paula Brocco está de casamento marcado na praia de Punta Cana, no Caribe. Um saite mostra o destino da cerimônia. Ela mora com o noivo, que em janeiro recebeu um prêmio de R$ 50 mil de um banco. Mesmo assim, a comerciante recebeu o auxílio.
À reportagem, ela admitiu que recebia o valor, mas ponderou que “não é uma pessoa de posses”. Questionada sobre se faria sentido alguém com casamento marcado no Caribe se enquadrar como pessoa de baixa renda, ela desligou o telefone.
Outros favorecidos
Marido de uma juíza, Pedro Giordani também foi beneficiado. Sócio de uma fábrica de placas credenciada ao Detran, em Encantado (RS), ele admite que tem moto, casa na praia e barco. E que se inscreveu para receber o benefício. "Eu preenchi lá, mas acabei nem indo buscar isso aí. Até abri mão disso aí, né, porque no momento estamos todos parados", disse à reportagem.
Questionado sobre se precisaria do valor, Pedro disse que “já abriu mão, e que se inscreveu porque, na ocasião, estava parado e achava que se enquadrava”.
Em Veranópolis, na serra gaúcha, os pagamentos repercutiram mal. Os moradores usaram uma faixa para protestar. O ex-vereador da cidade Rudimar Caglioni recebeu duas parcelas do auxílio, que somam R$ 1,2 mil. Ele é sócio de uma imobiliária e anunciou numa rede social que devolveu o dinheiro. "Era para manter a empresa aberta durante esse período que nós íamos passar pela pandemia. Lá não dizia que não era quem não tem renda. Eu não peguei de má fé. Com certeza, não peguei de má fé, e aqui na cidade aconteceu um monte de caso assim".
A lista gaúcha da farra financeira com o auxílio emergencial também tem dono de vinícola. É o caso do empresário Divanildo Kloss, de Nova Roma do Sul, na Serra, que recebeu R$ 600. Ele mora em casa confortável e a família é dona de um prédio no centro da cidade. Por telefone, Kloss disse ao Fantástico que se inscreveu por brincadeira e que vai devolver o dinheiro. “Não
quis receber, devolvi, só fiz para brincar. Era só para saber se ia passar ou não, entendeu? Jamais ia querer. Pensei: capaz, nunca vai passar, porque tenho certos bens ali. Se foi pra minha conta, vou devolver não preciso disso e nem quero”.
Informado de que o filho também está na lista, Divanildo respondeu: “Sobre isso tu tem de ligar para ele. Se ele tá recebendo, não tô sabendo, não sabia. Se ele se inscreveu, ele vai devolver, sem estresse nenhum. Está errado, muito errado”.
Numa rede social, Emanuel Kloss, filho de Divanildo, costuma registrar sua passagem por restaurantes, além de postar fotos de praias e esportes radicais. Numa imagem do ano passado, aparece recebendo as chaves de um caminhão zero quilômetro. Ele não quis se pronunciar à reportagem.
Irregularidades apontadas pelo TCU
O levantamento revelado pela reportagem veiculada no Fantástico mostrou que 620.299 pessoas sacaram os valores em abril sem ter direito ao benefício, conforme o Tribunal de Contas da União.
Na relação, estão 235 mil empresários que não se encaixam no perfil de microempreendedores individuais, que são o público-alvo do benefício. Também foram pagos mais de 15 mil auxílios para pessoas com renda acima do limite do programa. O relatório aponta ainda que 17 mil mortos aparecem na lista do auxílio. Este é o caso de José Carlos Libano, vítima por engano de uma chacina em Gravataí, há quatro anos. A viúva, Leci França, afirma que não sabe como a fraude foi cometida.
No relatório de 32 páginas, os fiscais do TCU detalharam todas as irregularidades descobertas no primeiro mês de pagamento do benefício, em abril. De acordo com o mesmo relatório, foram pagos R$ 35,8 bilhões para 50.228.253 milhões de beneficiários.
Fonte: Espaço Vital - www.espacovital.com.br - 01/07/2020 e SOS Consumidor
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