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quarta-feira, 27 de maio de 2020

Operação contra supostos desvios na saúde cumpre mais de 100 medidas judiciais em 17 cidades

Prejuízo estimado é de mais de R$ 15 milhões

Operação Camilo cumpriu mandados de busca e apreensão em residência em Porto Alegre

Operação Camilo cumpriu mandados de busca e apreensão em residência em Porto Alegre | Foto: Alina Souza

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Com informações de Otto Tesche

A operação Camilo foi desencadeada, na manhã desta quarta-feira, por uma força-tarefa da Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Ministério Público Federal e Ministério Público do Rio Grande do Sul com o objetivo de apurar supostos desvios de recursos públicos destinados para saúde em Rio Pardo. O prejuízo estimado que está sob suspeita, até o momento, é de mais de R$ 15 milhões. Estão sendo investigados os crimes de fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, organização criminosa, ocultação de bens, crime de responsabilidade e desobediência. O esquema criminoso contaria com a participação dos gestores da organização social, empresários, agentes políticos, beneficiários e servidores públicos. 

Na ação foram detidas temporariamente 15 pessoas e ocorreu a apreensão de documentos, 31 veículos, computadores, notebooks, celulares, e mídias, além de cerca de R$ 400 mil em dinheiro e até uma pistola e munição, entre outros. Em Porto Alegre, a ação teve a execução de 19 mandados de busca e apreensão e ainda de seis mandados de prisão temporária. Uma das ordens judiciais ocorreu na rua Miguel Tostes, no bairro Rio Branco. A residência do vereador Claudio Janta, presidente estadual do Solidariedade, foi um dos alvos na Capital. Em Rio Pardo, foram nove mandados de busca e apreensão e dois mandados de prisão temporária, incluindo o prefeito e presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio Pardo (Amvarp), Rafael Reis Barros (PSDB), e o procurador do município, Milton Coelho. Já o secretário municipal de Saúde, Augusto Pellegrini, foi afastado do cargo.

Em entrevista coletiva à imprensa, em Porto Alegre, o superintendente regional da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, delegado José Antônio Dornelles de Oliveira, destacou a formação da força-tarefa que “resultou em uma excelente investigação”. No entanto, ele manifestou tristeza pela “capacidade de corrupção que sangra os cofres públicos principalmente os destinados à saúde”. Para o delegado José Antônio Dornelles de Oliveira, a corrupção “mata” porque o dinheiro não chega aos hospitais e postos de saúde, na contratação de profissionais da saúde e nas compras de equipamentos.

Durante a operação ,foram cumpridas 129 medidas judiciais em Porto Alegre, Rio Pardo, Butiá, Canoas, Capela de Santana, Gravataí, Cachoeirinha, São Leopoldo, Guaíba, Portão, Cacequi e São Gabriel, além de São Paulo (SP), São Bernardo do Campo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Florianópolis (SC) e São José (SC). Entre as ordens judiciais estavam 61 mandados de busca e apreensão e 15 de prisão temporária, além de medidas judiciais de arresto e sequestro de bens móveis e imóveis, bloqueio de valores depositados em contas dos investigados e de empresas e afastamento cautelar de funções exercidas por cinco servidores públicos municipais. As medidas foram expedidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pela Justiça Estadual de Rio Pardo.

Responsável pela operação Camilo, o chefe da Delegacia da Polícia Federal em Santa Cruz do Sul, delegado Mauro Lima Silveira, explicou que a investigação sobre o desvio de recursos públicos em Rio Pardo, através da terceirização da direção do HRVRP, começou em junho de 2018. “O município em novembro de 2017 fez seleção, através de um chamamento público que temos convicção que foi viciado, e escolhe a organização social que passa a administrar o hospital. Desta forma, o município abriu mão de gerir diretamente os recursos, que recebe da União e do Estado do Rio Grande do Sul, e repassa-os à organização social”, afirmou, sublinhando que a mesma tem sede informal em São Paulo, tendo um gaúcho como um dos líderes e mentores, residente há muitos anos na capital paulista e que está entre os presos na ação desta quarta-feira.

“O escopo principal da investigação são os contratos mantidos pela organização social com duas empresas subcontratadas que passaram a prestar uma série de serviços da mais variada gama”, disse, citando alimentação, zelador, vigilância e Samu, entre outros.

“Entre novembro de 2017 e outubro de 2018 identificamos a existência de um grupo criminoso”, recordou o delegado Mauro Lima Silveira. “Neste período houve o repasse de R$ 60 milhões para a organização social, sendo repassado R$ 30 milhões para as terceirizadas. O desvio efetivamente comprovado por auditagem foi de R$ 15 milhões. Temos provas materiais dos R$ 15 milhões. O restante será ainda apurado”, contou. “Há a expectativa de apreender de mais de 30 veículos e sequestro de 14 imóveis e bloqueio de 65 contas de pessoas jurídicas e físicas”, acrescentou.

Segundo o delegado Mauro Lima Silveira, o esquema teve início com duas empresas terceirizadas, sendo assumido depois por dez no total, das quais cinco sediadas no Rio Grande do Sul e cinco em Santa Catarina. “Temos convicção que o dinheiro desviado serviu aos propósitos dos integrantes da organização com locupletamento particular com aquisição de patrimônio”, adiantou.

“O desvio servia ainda para alimentar sistemas políticos partidários”, revelou, observando que não necessariamente em período eleitoral e que os partidos em si estejam envolvidos. Ele citou também que empresas de fachada e parentes dos investigados serviam para “escamotear o caminho do dinheiro”. Durante o trabalho investigativo foram constatados “saques altos” em caixas eletrônicos. “Queremos saber o destino final deste dinheiro”, ressaltou.

Já o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Marcelo Dorneles, lembrou um problema recorrente na terceirização e quarteirização da administração pública. “A organização social, que a princípio é mais barata, tem laranjas para fraudar e não prestar o serviço. Elas empregam indiretamente pessoas ligadas aos partidos políticos que nomearam lá atrás. O atendimento à saúde fica em segundo, terceiro e quarto plano…”, diagnosticou.

Por sua vez, o Promotor de Justiça João Beltrame, coordenador Gaeco-Saúde do Ministério Público do Rio Grande do Sul, enalteceu “a singularidade da força tarefa”. Conforme ele, o trabalho conjunto de todos foi decisivo. “A atuação do Ministério Público transbordou a área criminal, pois não deixamos a população de Rio Pardo sem atendimento”, salientou, referindo-se à intervenção no HRVRP, com o aval do Poder Judiciário, com afastamento da organização e de servidores. “A ganância na saúde não tem limite. Fico impressionado com a capacidade das pessoas em não pensarem no próximo quando se locupletam com valores da saúde pública”, lamentou.

Investigação

O trabalho investigativo, que terá prosseguimento, constatou que os recursos da União e do Rio Grande do Sul teriam sido repassados para uma organização social através de um processo de chamamento público direcionado. A instituição vencedora no processo de terceirização foi escolhida em outubro de 2017 para administrar diversas atividades, como limpeza e sanitização hospitalar, radiologia, exames de imagem e até SAMU, entre outros. Ela então subcontratou empresas que, para os investigadores, servem de instrumento de execução de desvio de dinheiro público, especialmente, através do superfaturamento dos valores cobrados pelos serviços prestados e pela não execução de partes de suas obrigações contratuais.  As provas coletadas até o presente momento, de acordo com a força tarefa, indicariam a existência do esquema criminoso.

Um levantamento apontou que, entre novembro de 2017 e fevereiro de 2020, cerca de R$ 60 milhões em recursos federais e estaduais foram destinados ao HRVRP. Desse valor, R$ 30 milhões foram repassados pela organização social às empresas subcontratadas através também de contratos com empresas de assessoria, pagamento de funcionários, aquisição de materiais e insumos, como remédios. A força-tarefa apurou suposto superfaturamento de valores repassados às empresas subcontratadas e que mais R$ 15 milhões podem ter sido desviados.

Já no período de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus foi observado um repasse de R$ 3,3 milhões à empresa ligada à organização social, que deveriam ser destinados à construção de dez leitos de UTI no HRVRP. As obras estão em andamento, contudo, o projeto elaborado pela organização social, que resultou na contratação, é impreciso, sem levantamentos prévios de custos, utilizado somente para recebimento da verba pública. O descaso da organização social com a saúde pública teria sido evidenciado ainda em situações como a distribuição de máscaras de proteção facial vencidas aos profissionais que trabalham no HRVRP e o descarte irregular diretamente no meio ambiente de uma cápsula de raio-x, possivelmente contendo material químico ou radioativo. 

A investigação começou em junho de 2018 após informações recebidas pela Delegacia da Polícia Federal em Santa Cruz do Sul, contando inclusive com apoio do Tribunal de Contas do Estado e Controladoria-Geral da União, que paralelamente vinham executando fiscalizações, bem como do Ministério Público do Rio Grande do Sul. A força tarefa identificou que a organização social e as empresas subcontratadas, em sua maioria, seriam dirigidas e pertenceriam de fato a outras pessoas que não aquelas que constavam nos contratos sociais ou atos constitutivos, com o propósito de esconder a relação estreita e direta entre elas.

Os investigadores descobriram que a organização teria utilizado operações financeiras, muitas delas aparentando simples relações comerciais ou de prestação de serviços, com objetivo da incorporação na economia de bens, direitos ou valores originados direta ou indiretamente do desvio de recursos do HRVRP. Parcela dos valores desviados teria sido repassada diretamente aos principais investigados para fazer frente a gastos pessoais e aquisição de bens, muitos destes registrados em nome de terceiros. Assim, conforme a força tarefa, a organização criminosa praticaria a lavagem de dinheiro. A força-tarefa teria identificado que cargos e empregos gerados pelo HRVRP eram usados para benefício dos investigados e de seus indicados, sem observância aos critérios constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência.

Para a força-tarefa, a execução das medidas visou encerrar as ações criminosas praticadas pelos investigados, angariar novas provas para instrução do inquérito policial e demais procedimentos administrativos e civis em andamento e em especial promover a descapitalização financeira da organização criminosa, permitindo a recuperação de parte dos valores desviados. A continuidade dos serviços desenvolvidos no HRVRP será mantida através da designação de um interventor.

Prejuízos

Em nota oficial, a Controladoria-Geral da União (CGU) elencou algumas supostas irregularidades na gestão do HRVRP, como precariedade do Termo de Referência e do Edital do Chamamento Público que selecionou a organização social, subjetividade nos critérios de julgamento para seleção dela, subcontratação de empresas por valores superestimados, existência de vínculos societários e de parentesco entre sócios das empresas subcontratadas, contratação de empresas pertencentes a membros da diretoria e do conselho de administração da organização social, caracterizando conflito de interesses; e ausência de requisitos para atuar como organização social durante a vigência do contrato.

“O HRVRP presta atendimento de urgência e de emergência, além de plantão em regime de sobreaviso, bem como oferta de consultas e cirurgias eletivas em diversas especialidades. Esses serviços alcançam cerca de 145 mil habitantes da região, distribuídos nos municípios de Candelária, Gramado Xavier, Herveiras, Mato Leitão, Pântano Grande, Passo do Sobrado, Rio Pardo, Sinimbu, Vale do Sol, Vale Verde e Vera Cruz. As possíveis irregularidades praticadas com recursos do SUS tem potencial impacto negativo, quantitativa e qualitativamente, na prestação de serviços à população, principalmente a de baixa renda que depende dos estabelecimentos públicos de saúde”, alertou a CGU.

Rio Pardo

O advogado Eduardo Vetoretti, do escritório que assumiu nesta quarta-feira a defesa do prefeito de Rio Pardo Rafael Barros e do procurador jurídico Milton Coelho, informou que não teve acesso aos autos do processo. Por isso, vai entrar com pedido de permissão junto ao Tribunal Regional Federal para verificar do que trata a ação. Tanto o prefeito como o procurador foram conduzidos para Canoas após a prisão. A Associação Brasileira do Bem-Estar Social, Saúde e Inclusão (Abrassi) não se manifestou e não foi possível contato pelos números de telefone disponíveis.

A vice-prefeita Rosane Luiza Vaz Rocha (PTB) assumiu o comando da Prefeitura de Rio Pardo. Um dos primeiros atos foi encerrar o trabalho em turno único na administração municipal. Ela disse que a prioridade inicial será o desenvolvimento de ações para evitar o aumento de casos do novo coronavírus.

A Associação dos Municípios do Vale do Rio Pardo (Amvarp) divulgou nota ainda pela manhã e reforçou que não possui qualquer relação com as investigações da Operação Camilo. “A aplicação das medidas judiciais noticiadas na imprensa se referem exclusivamente à gestão pública do município de Rio Pardo. A entidade não compactua com nenhum ato de corrupção e apoia toda e qualquer ação que visa zelar pelo bem público”, informou a nota.


Correio do Povo

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