Por J.R. Guzzo
| Foto: Marcos Correa/Presidência da República
Gazeta do Povo
Golpes de estado, em todo o mundo subdesenvolvido (já que não existe golpe em país de primeira linha) é dado por militares, porque só eles têm a força real das armas; a polícia sempre acaba ajudando, mas quem decide mesmo são as forças armadas, que dispõem de tanque de guerra, metralhadora com munição de verdade e paraquedista. O Brasil de hoje, ao que parece, continua firme e forte na sua vida de país subdesenvolvido, mas está tentando apresentar uma novidade na política mundial: o golpe de estado sem militares.
Ainda não está suficientemente claro se essa empreitada irá realmente adiante. Mas é isso que o Supremo Tribunal Federal (STF) está tentando – ou, se não está, faz algo tão parecido com um golpe, mas não parecido, que já não dá bem para se perceber a diferença.
Este golpe está sendo executado de uma maneira ainda não testada antes: como cabe ao órgão máximo do Poder Judiciário definir no fim das contas o que é legal e o que é ilegal, parte dos 11 ministros da Corte Superior (não se sabe ainda quantos; os fatos vão dizer, no devido tempo), decidiu que a Constituição e o restantes das leis brasileiras podem ser violadas para se anular decisões do governo.
É o que aconteceu duas vezes nos últimos quinze dias: atos perfeitamente legais do presidente da República e do Ministério das Relações Exteriores foram vetados pelo STF. Mas não é ilegal fazer isso? O tribunal acha que não: legal ou ilegal é unicamente aquilo que um ministro, qualquer um, diz que é. Se disser, amanhã, que 2 + 2 são 22, é isso que passa a valer e todo mundo tem de obedecer.
Pronto: eis aí o mapa da mina para derrubar o atual governo sem ter de passar pelos inconvenientes de um processo de impeachment, coisa muito difícil de se obter na vida real ou, pior ainda, esperar as eleições de 2022 para colocar um outro presidente no lugar daquele que está lá hoje, por ter sido eleito em 2018.
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Há um monte de gente querendo isso: a esquerda que só tem 20% dos votos no Congresso, as classes intelectuais-civilizadas e sociológicas, a maioria da mídia e, de um modo geral, todos os que nunca aceitaram a vitória de Jair Bolsonaro nas últimas eleições presidenciais. Democracia, realmente, tem esse problemão: elege os que recebem mais votos, e os eleitores têm o direito de votar no primeiro que lhes der na telha: Collor, Lula, Dilma, Bolsonaro. Dois deles, aliás, foram postos para fora, um índice de 50% de aproveitamento.
O STF, em suas duas últimas decisões importantes, declarou guerra aberta ao Executivo: proibiu o presidente da República de exercer o seu direito constitucional de nomear o diretor da Polícia Federal e o Itamaraty de expulsar do Brasil 34 diplomatas venezuelanos que desfrutam de postos em sua embaixada. Não tem pé nem cabeça. Não há o mais remoto fiapo de motivo legal para impedir o nome que Bolsonaro decidiu para a PF; pode-se gostar ou não dele, mas ele preenche 100% das condições exigidas pela lei para ocupar o cargo.
No caso dos venezuelanos, o STF inventou algo que não existe em lugar nenhum do mundo. Qualquer dos cerca de 200 países presentes na ONU tem o direito indiscutível de recusar a presença em seu território de diplomatas que não aceite; não precisa dar motivo nenhum para fazer isso.
Nos dois casos, o STF agiu como despachante de partidos políticos: atendeu a um pedido do PDT, quanto ao novo diretor da PF, e a outro do PT, quanto aos diplomatas. É uma maneira de fazer os que perderam as eleições tomarem decisões de governo: se basta pedir que o STF dá, para que perder tempo com toda essa chateação de lei, democracia, “instituições”, etc.? Não precisa.
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