Pesquisa do Instituto Locomotiva aponta que 51% das pessoas afirmam ter perdido renda e que entraram no contingenciando de gastos
Agência Estado e Correio do Povo
Com menos de 30 dias de quarentena e em meio a um cenário em que a retomada do contato social ainda parece distante, mais da metade dos brasileiros já sente no bolso os efeitos da pandemia do novo coronavírus. Pesquisa do Instituto Locomotiva, obtida com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo, aponta que 51% das pessoas afirmam ter perdido renda e que já estão contingenciando seus gastos.
Segundo a pesquisa, o impacto da crise é praticamente o mesmo entre homens e mulheres. Por faixa etária, contudo, afeta mais o bolso dos trabalhadores com 50 anos ou mais (52%), com ensino superior completo (48%) e que residem nos Estados do Sudeste (38%). A região concentra São Paulo e Rio de Janeiro, as duas capitais com o maior número de infecções, segundo dados do Ministério da Saúde.
Para o presidente da Locomotiva, Renato Meirelles, a proporção de brasileiros afetada, que já é alta, deve crescer nas próximas semanas. E o brasileiro, ele afirma, espera que isso aconteça. "Levantamos que dois em cada três profissionais acreditam que seus empregos serão muito prejudicados no Brasil, apesar de 73% das pessoas defenderem o isolamento social como forma de frear o avanço da doença", diz Meirelles.
A pesquisa foi realizada entre 3 e 5 de abril e entrevistou, por telefone, cerca de mil pessoas em 72 cidades do País. A margem de erro é de 3,2 pontos porcentuais para cima e para baixo.
TV a cabo dividida. Na casa da chef de cozinha Juliana Menezes os efeitos da paralisação da economia foram sentidos quase que de imediato. Ela, que deixou a sociedade de um restaurante para cozinhar na casa dos clientes, conta que conseguiu migrar a maior parte da demanda para um serviço de entrega de marmitas, que vem fazendo desde meados de março. Já o marido, que é vendedor e nos últimos dois anos também trabalhava como motorista de aplicativos, praticamente zerou a renda. O prejuízo é calculado em R$ 3 mil dentro do mês.
"Nunca tivemos poupança, não sobra dinheiro para isso. Saímos cortando os gastos", diz Juliana, que reduziu a lista de supermercados, trocando, por exemplo, os alimentos orgânicos por produtos tradicionais. "Comida sempre foi meu 'ralo', onde gasto muito. Só nessa nova lista economizei por volta de R$ 1 mil", afirma.
O corte também avançou nos custos fixos de serviços, como na assinatura de TV a cabo. "Cancelei a internet, bati na porta do meu vizinho de cima e me ofereci para dividir a conta com ele", conta. "Nunca tinha conversado com esse vizinho e só sabia que se chamava Oscar. Ele aceitou fazer um teste e está ótimo assim", afirmou.
Sem carne
Em Florianópolis, a microempresária Madeleine Lisboa teve de cortar no básico. Com o marido desempregado e dois filhos, ela viu a demanda de sua agência de limpeza minguar nas últimas semanas. "Como praticamente não tem serviço, paramos de comer carne. Eu avisei os filhos que para beber é só suco de limão, que pego no quintal do vizinho, e estou fazendo mistura com abacate, que também pego da horta", conta. "Eu ainda tenho minha casa e dinheiro para comprar alguma coisa, agora minhas colaboradoras, que recebem por serviço feito, estão sem nada. Estou distribuindo cestas básicas para que tenham o que comer."
Roberto Greathouse, tradutor
"Só deverei voltar a receber alguma coisa a partir de julho".
O último trabalho do tradutor Robert Greathouse foi no dia 16 de março. De lá para cá, diz que perdeu 100% de sua renda e consegue pagar as contas graças a uma reserva de emergência que vem acumulando há dez anos. "Eu sou muito controlado e agora preciso ser mais. Acho que só voltarei a receber alguma coisa a partir de julho", diz. Desde que iniciou a quarentena, em março, Greathouse eliminou gastos com aplicativos de transporte, que consumiam R$ 300 do seu orçamento mensal, a academia e começou a cozinhar: "Estou economizando uns R$ 1 mil por mês."
Ailton Silva, dono de empresa de churrascos
"Vou tentar pagar pelo menos o mínimo do cartão de crédito".
Ailton Silva é proprietário de uma empresa que organiza e prepara churrascos em condomínios. O negócio é tocado por ele, a esposa e a filha mais nova. Seu último evento foi há 30 dias. Desde então, ele tenta adaptar as despesas à nova realidade. "Estou usando um pouco do dinheiro que consegui guardar. Ainda bem que não pago aluguel e tenho poucas dívidas", diz ele, que deve pagar pelo menos o mínimo do cartão de crédito. "As contas de luz e de água e vou jogar para frente. Quero guardar dinheiro para comida e medicamentos, caso a gente precise", afirma.
Gutierres dos Passos, atendente em operadora de telefonia
"Peguei dinheiro emprestado e dei meu celular como garantia".
Gutierres dos Passos conta com seus dois empregos para pagar as contas da casa em que mora com a mãe, em Volta Redonda (RJ). De segunda a sexta trabalha como atendente em uma operadora de telefonia. Aos fins de semana, é gerente de uma casa noturna: "O trabalho na casa noturna era mais da metade do que eu recebia e foi justamente esse que eu perdi há duas semana." Sem poupança e com a última prestação de seu carro para pagar, ele tomou emprestados R$ 500 em um banco digital. "Dei meu celular como garantia e vou pagar em quatro vezes de R$ 200".
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