segunda-feira, 27 de abril de 2020

Interior gaúcho tem contágio por Covid-19 mais rápido do que a Região Metropolitana

Levantamento feito pelo Correio do Povo, a partir de dados da SES, mostra que os números da pandemia têm crescido mais rápido em cidades de fora da Grande Porto Alegre

Apesar da falta de testes, cidades do interior tiveram alta de casos nos últimos dias

O Rio Grande do Sul ultrapassou na semana passada a marca dos mil casos de Covid-19. Apesar da constante no crescimento de novos pacientes diagnosticados, levantamento realizado pelo Correio do Povo a partir de dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES) indica que a velocidade do contágio entrou em ritmo distinto entre as cidades da Região Metropolitana e das localizadas no interior.  
Até às 22h de ontem o Estado tinha 1.208 pessoas infectadas pelo vírus em 125 municípios. Destas localidades, 99 eram do interior, o que representa 79,2% do total de cidades gaúchas com casos confirmados da Covid-19. Esse patamar vem crescendo rapidamente. Seis dias antes, 74,48% do total de cidades com pelo menos um paciente diagnosticado era de fora da Região Metropolitana de Porto Alegre. No dia 14 deste mês, era de 73,4% e no dia 8, 69,87%. 
Os números apontam para um avanço mais acelerado da doença rumo aos rincões mais distantes da Capital. O comércio aberto, com atividades essenciais e não essenciais funcionando em algumas cidades, pode estar contribuindo com este processo. O assunto também tem sido tema de conversa entre prefeitos gaúchos que, apreensivos com a Covid-19, têm observado casos pipocando até mesmo em cidades pequenas, segundo o vice-presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e prefeito de Taquari, Maneco Hassen. 
Até o levantamento de ontem da SES, o interior gaúcho concentrava 48,59% dos casos. Apesar do número de cidades ser maior e o de casos registrados nestas cidades não superar a metade do total de pacientes registrados no Rio Grande do Sul, seis dias antes este índice era bastante inferior.
Em 8 de abril, os municípios de fora da Região Metropolitana concentravam apenas 36,66% do total de casos no Estado, o que demonstra um crescimento não só no número de cidades como também no total de casos.
A presença do vírus em um número maior de pontos, segundo Tiaraju Duarte, da UFPel, é indicativo de que ele está se espalhando facilmente. Somente ontem, Trindade do Sul, Três Palmeiras, Santa Bárbara do Sul, Marcelino Ramos, Cruz Alta, Coronel Bicaco e Ciríaco, municípios situados em regiões distintas, registraram seus casos de número 1.

“Na epidemiologia, se tem um caso confirmado no interior, pode ter mais de um, porque tem a subnotificação”, observa o professor adjunto do departamento de Geografia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Tiaraju Salini Duarte, que coordena grupo de pesquisas focado na dispersão do Covid-19 no Estado. Conforme o especialista, as cidades-polos, por terem uma estrutura de serviços e comércio e até mesmo de saúde mais robustas, acabam gerando tráfego de pessoas de localidades menores.
“O Covid-19 funciona como uma mercadoria que, por sua vez, são acompanhadas por pessoas”, ilustra como tem funcionado a dispersão da doença pelo Rio Grande do Sul. O especialista acredita que situações como a de Passo Fundo, que tinha até ontem a noite 102 casos e nove óbitos confirmados, poderão gerar reflexos no seu entorno. Duarte lembra que isso vem ocorrendo no norte gaúcho e dentro de alguns dias mais cidades do entorno deverão registrar seus primeiros casos. 
 



Marau, distante cerca de 30 quilômetros de Passo Fundo, já tem 49 doentes e foi uma das primeiras localidades onde a doença evoluiu de forma desordenada a partir de uma única contaminação. No dia 9, o governo do Estado tinha flexibilizado o funcionamento de restaurantes, lancherias, salões de beleza e lojas de chocolate no Rio Grande do Sul. No dia 15, foi a vez de permitir que municípios do interior gaúcho, com exceção das regiões metropolitanas de Porto Alegre e Caxias do Sul, autorizassem as atividades do comércio, desde que observadas as regras de acesso e de higiene.
No dia seguinte, o governador manteve as restrições apenas à Grande Porto Alegre. No entanto, Leite não concorda que suas medidas possam ter causado este impacto. “Não há relação dos casos agora com a flexibilização que se tenha feito. Tem uma demora de tempo. Não registramos uma redução substancial no distanciamento social. Então ainda não é possível associar uma coisa à outra”, garante. 
Argumento que, segundo Duarte, não está errado. “Vejo problemas em relacionar a situação, por causa da questão das políticas públicas. A partir do momento que os municípios são permitidos a adotar suas medidas necessárias às suas medidas locais, há diferenças entre eles”, acrescenta. De acordo com o especialista, somente com o avançar de mais algumas semanas é que será possível afirmar se é reflexo da flexibilização. “Há 10 ou 12 dias de delay na interiorização dos casos, numa escala temporal”, pontua.
Mesmo assim, Duarte lembra que o comércio aberto, ainda que siga adequações sanitárias, justifica um aumento na circulação de pessoas. “A grande questão que nós temos é que os fluxos comerciais e urbanos entre as pequenas cidades e as capitais regionais, é que elas são portas para pressionar o sistema de saúde”, alerta. 
Testes deverão ser feitos também por laboratórios agropecuários

‘Há particularidades no avanço’

O professor adjunto do departamento de Geografia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Tiaraju Salini Duarte, afirma que há particularidades a serem consideradas no avanço do coronavírus a um número maior de localidades do interior. Além da estrutura para atendimento a estes casos, há as características da população. “São questões relativas ao envelhecimento da população. Tem que olhar essas regiões com políticas públicas. Há municípios da Serra Gaúcha que têm a maior quantidade de idosos, que é um grupo de risco, por quilômetro quadrado do estado”, aponta.
Outra situação é o encaminhamento dos doentes. Muitas das cidades não possuem UTI. Há localidades em que os pacientes precisarão percorrer mais de 150 quilômetros para ter acesso e ainda assim, terão que disputar um leito com infectados de outros municípios e da própria cidade onde está situado o hospital referenciado para o tratamento de Covid-19. 
Taquari, cidade de 27 mil habitantes, chegou ontem ao seu 12º doente pelo novo coronavírus. Cogitando a piora da situação, o prefeito afirma que o município teve que desembolsar R$ 4 milhões para criar no hospital do município, dez leitos de isolamento, oito deles com respiradores. “Segunda-feira a gente faz a montagem dos equipamentos. Na terça, quarta e quinta-feira teremos o treinamento das equipes e sexta-feira iniciamos a operação”, adianta. Ainda assim, se a demanda aumentar ou a situação dos pacientes se agravar, o município terá que levá-los para Porto Alegre ou Lajeado ou Canoas, onde já existe a referência para tratamentos de alta complexidade. 
O vice-presidente da Famurs e prefeito de Taquari, Maneco Hassen, conta que tem acompanhado que os municípios têm feito “o possível e o impossível” para encarar a pandemia. “Há falta de recurso na maioria dos municípios.”, aponta Hassen. Para ele, os casos em cidades pequenas têm explicação. “Estão surgindo mais casos em cidades do interior, a partir do momento que começa em cidades maiores e vai para as pequenas. É um problema, ainda mais quando se libera as atividades comerciais”, relata. “Temos evitado essa dispersão de maneira mais avassaladora até o momento em nosso território. Mas como isso vai se desenvolver só o tempo poderá dizer”, acrescenta o coordenador da pesquisa da UFPel.
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