Na véspera do dia do índio, celebrado neste domingo, indígenas contam como é o apoio recebido
Correio do Povo
Reunidos em uma pracinha na Lomba do Pinheiro, na Zona Leste, indígenas da etnia Kaingang conversam animadamente, vestindo calça jeans, enquanto observam as mensagens recebidas no telefone celular. O sinal da incorporação do uso da tecnologia no dia a dia se mistura às tradições da tribo, que conquistou a terra em 2003 a partir do Orçamento Participativo. Desde aquela época, eles ganharam espaço - 27 hectares de terra - e passaram a reivindicar seus direitos. Localizada na parada 25 da Lomba do Pinheiro, a comunidade é formada por 65 famílias, num total de 270 pessoas. Oito ingressaram na universidade. Conforme a Funai, na Capital, eles são parte de um universo de 262 famílias de povos indígenas entre Kaingang, Charrua e Guarani. No Rio Grande do Sul, são cerca de 7 mil famílias.
Casas de tijolos, unidade de saúde e uma praça próxima à entrada da comunidade mostram um cenário de mudanças nos costumes indígenas. Isso não significa que a cultura e as tradições tenham ficado para trás, mas representam uma adaptação a novos tempos. Mesmo com algumas conquistas importantes ao longo do tempo, no Dia do Índio eles têm pouco a comemorar. Pelo menos é o que afirma o cacique kaingang Samuel da Silva, 29, da comunidade indígena Fag Nhin. Se em épocas normais a ajuda da Fundação Nacional do Índio (Funai) já é reduzida, em meio à pandemia do novo coronavírus o auxílio desapareceu. "O Poder Público, não só com a questão indígena, mas de maneira geral, se tu não bater de frente, nada tu consegue", observa.
Mais do que fazer política para conseguir melhores condições de vida para a tribo, o cacique revela que nunca imaginou que mais de 500 anos após o descobrimento do Brasil a população indígena se sentiria novamente apartada da sociedade. Os recursos prometidos pela entidade para aquisição de alimentos durante a quarentena imposta pela Covid-19 jamais chegaram às casas da Lomba do Pinheiro. "Até hoje não chegou uma cesta básica, não apenas na minha comunidade, mas em geral. Para ver as dificuldades que estamos enfrentando", revela. O cacique, que mora no local há 17 anos, garante que as famílias recebem orientações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
Reunidos em uma pracinha na Lomba do Pinheiro, na Zona Leste, indígenas da etnia Kaingang / Foto Mauro Schaefer
As informações, no entanto, são enviadas através de vídeos, email mensagens pelo aplicativo Whats App. Em geral, são recomendações para manter isolamento social e manter restrições no acesso à aldeia. "Se um se infectar imagina o caos que vai dar", avalia. Sem ajuda de quem deveria prezar pelos indígenas, eles contam com algum auxílio da prefeitura e a solidariedade da população, que muitas vezes acaba doando cestas básicas. Além disso, em função da quarentena, evitam comercializar o artesanato produzido pela comunidade. "A Funai nos esqueceu", completa, acrescentando que o deputado Edegar Pretto (PT) e a ex-deputada Manuela d'Ávila entregaram cestas básicas à comunidade nos últimos dias.
Mas o que se percebe atualmente é uma mudança de geração nas tribos. O cacique Samuel reforça que na última década houve um esforço para conscientizar os jovens a aliarem estudo e tradição. "Tínhamos um problema muito grande que era o casamento dos jovens, que casavam e paravam de estudar. Através do diálogo com a juventude foi feito um acordo para que eles não parassem de estudar, para que futuramente eles permanecessem vendendo artesanato, valorizando a cultura kaingang e que eles também consigam entrar dentro de uma universidade, como universitário, e consiga valorizar a cultura kaingang", enfatiza, lembrando que o último levantamento da prefeitura aponta 90 crianças vivendo na comunidade.
Com avanço das tecnologias e a flexibilização de alguns costumes, os indígenas passaram a valorizar mais a juventude ao passo que antigamente o respeito e a liderança eram exercidos por pessoas mais experientes. "Entrei muito jovem como liderança, aos 21 anos. Sempre estive junto com eles (os mais velhos), por mais que fosse jovem, sempre estive junto trabalhando com eles", recorda. As modificações, embora necessárias, não impedem a manutenção dos costumes da tribo. "Por mais que tu esteja vestido, bem arrumado, trabalhando dentro de uma empresa boa, tu é indígena, tem que saber valorizar, saber de onde tu saiu, tua raiz, de onde tu veio. Essa linha de pensamento que temos que passar para o jovem, para que eles valorizem, cheguem lá na frente e não esqueçam de onde vieram", aconselha.
Apesar do esforço para dar visibilidade à causa indígena, este ano eles não têm o que celebrar. "O ano de 2020 não está sendo como foi nos anos anteriores, mas sim de muitas perdas, de desvalorização, vendo como o sistema público nos trata. Não só com indígenas, mas no geral, estão todos sofrendo. É uma questão só de sofrimento. Há 500 anos atrás nós estávamos isolados, eu nunca imaginei que em 2020 nós íamos voltar ao isolamento como estamos atualmente, sofrendo mesmo", destaca. O cacique Samuel observa que havia uma programação definida para abordar a juventude indígena. "Queríamos mostrar nas redes sociais, para rádios e TVs o quanto ainda temos dentro da nossa cultura. Não é porque estamos nos vestindo bem que esquecemos da nossa cultura. Estamos de frente, sofrendo, como há 500 anos", critica.
No sétimo semestre do curso de Direito, na Ufrgs, Cléverson Claudino, 29, da tribo Kaingang da Lomba do Pinheiro, afirma que está buscando estudar para beneficiar a comunidade. "Meu pensamento lá frente é me formar e ir trabalhar com as sociedades indígenas para que os direitos sejam valorizados, mostrados, desde a base até as esferas superiores. A ideia é a gente brigar pela valorização da nossa cultura e dos nossos direitos, fazer valer o que está na constituição federal, especialmente na questões de Direitos Humanos", frisa. Na mesma aldeia, há estudantes de outros cursos: educação física, nutrição, psicologia, assistente social, pedagogia e enfermagem. "Eu entrei sem saber nada. Hoje minha linha de pensamento é evoluir e melhorar cada vez mais a questão do atendimento das comunidades indígenas", acrescenta o cacique Samuel.
Reunidos em uma pracinha na Lomba do Pinheiro, na Zona Leste, indígenas da etnia Kaingang / Foto Mauro Schaefer
De acordo com a Coordenação Técnica Local da Funai CTL Poa, somente na Capital residem 1.050 indígenas. A Funai informa que no ano passado, a entidade apoiou projeto de produção de melado dos Charrua, por meio da aquisição de um pequeno engenho de cana e de tachos, além de apoiar pequenos roçados de feijão e milho na Lomba do Pinheiro. Mesmo com poucos recursos, a Funai conseguiu fazer encaminhamentos de benefícios dos indígenas junto ao INSS e atualizar a documentação dos indígenas. Os números do último censo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), de abril deste ano, mostram a radiografia da distribuição das tribos em Porto Alegre.
Coordenador do Núcleo de Estudos em Cultura Afro-brasileiro e Indígena (Neabi) da PUCRS, Édison Hüttner explica que as aldeias indígenas no RS estão atuando em seus seis polos bases com recursos escassos. Conforme Hüttner, nas 13 aldeias de Barra do Ribeiro, dois enfermeiros realizam ações de conscientização na área de saúde. Na Capital, na Lomba do Pinheiro, ação semelhante é realizada. "Ainda não temos notícia em âmbito estadual ou municipal de uma lei de política pública que poderia acontecer, por exemplo, para as aldeias até terminar isolamento, como garantir um salário mínimo para cada família, por exemplo, garantir recursos para compra de medicamento, respirador ou testes para coronavírus", destaca.
Aldeias/comunidades indígenas de Porto Alegre:
- Etnia Charrua
Aldeia Polidoro - 38
- Etnia Charrua
Aldeia Polidoro - 38
- Etnia Kaingang:
Komág - 16
Fag Nhin - Lomba do Pinheiro - 145
Oré Kupri - Lomba do Pinheiro - 61
Tupe Pan - Morro do Osso - 149
Van Ká - Lami - 32
Komág - 16
Fag Nhin - Lomba do Pinheiro - 145
Oré Kupri - Lomba do Pinheiro - 61
Tupe Pan - Morro do Osso - 149
Van Ká - Lami - 32
Comunidades Kaingang desaldeadas (não contabilizadas pela Sesai):
Agronomia - 27
Jardim Protásio/Morro Santana - 16
Vila Safira - 16
Beco das Quirinas - 11
Estudantes da UFRGS - cerca de 40
Agronomia - 27
Jardim Protásio/Morro Santana - 16
Vila Safira - 16
Beco das Quirinas - 11
Estudantes da UFRGS - cerca de 40
Etnia Mbyá Guarani:
Lomba do Pinheiro - 42 famílias
Lami - 16 famílias
Cantagalo/Arakuã - 18 famílias
Retomada: 30 famílias
Lomba do Pinheiro - 42 famílias
Lami - 16 famílias
Cantagalo/Arakuã - 18 famílias
Retomada: 30 famílias
Total Charrua: 38 indígenas
Total Kaingang: 513 indígenas
Total Mbyá Guarani: 106 famílias (entre 400 e 500 indígenas)
Outras etnias: 4 (Kubeo, Pataxó, Mehinako)
Total: cerca de 1.050 indígenas.
Total Kaingang: 513 indígenas
Total Mbyá Guarani: 106 famílias (entre 400 e 500 indígenas)
Outras etnias: 4 (Kubeo, Pataxó, Mehinako)
Total: cerca de 1.050 indígenas.
Indígenas desaldeadas (não contabilizadas pela Sesai):
Agronomia - 27 indígenas
Jardim Protásio/Morro Santana - 16 indígenas
Vila Safira - 16 indígenas
Beco das Quirinas - 11 indígenas
Estudantes da UFRGS - cerca de 40 indígenas (Casa do Estudante da UFRGS)
Outras etnias - 4 indígenas
Total: 114 indígenas vivendo fora das aldeias
Agronomia - 27 indígenas
Jardim Protásio/Morro Santana - 16 indígenas
Vila Safira - 16 indígenas
Beco das Quirinas - 11 indígenas
Estudantes da UFRGS - cerca de 40 indígenas (Casa do Estudante da UFRGS)
Outras etnias - 4 indígenas
Total: 114 indígenas vivendo fora das aldeias
Porto Alegre:
114 indigenas fora das aldeias
936 indígenas vivendo em aldeias
114 indigenas fora das aldeias
936 indígenas vivendo em aldeias
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