terça-feira, 21 de abril de 2020

Cirurgião de Caxias do Sul (RS) narra luta dupla contra Covid-19

Vinicius Lain planejava estratégia de sua instituição para enfrentar pandemia, quando contraiu doença

Cirurgião relatou temores enquanto sintomas pioravam

Desde janeiro preparando a estratégia de combate ao novo coronavírus para a instituição onde trabalha, o cirurgião vascular Vinicius Lain, 40 anos, de Caxias do Sul, foi surpreendido pela infecção durante o mês de março e conseguiu observar bem de perto os efeitos da doença. “Assusta até mesmo um médico. A gente fica assustado por algo desconhecido. Nós como especialistas, sabemos que 80% serão assintomáticos ou com poucos sintomas. Mas no tubo (no respirador), na UTI, há 50% de mortalidade”, revela.
O fato de ter contraído a doença antes mesmo de muitos possíveis pacientes da instituição, o fez rever o planejamento para Hospital da Unimed Nordeste-RS. “A gente está apreensivo com o grau de transmissibilidade do vírus. Ele infecta muito mais do que a gente esperava”, avalia. “No dia 23 de março, acordei com dor de cabeça e dor no corpo e falei com a infectologista. Aí ela disse: ‘se isso mudou abruptamente, vem para testes e se isola em casa”, conta o diretor técnico do hospital, que permaneceu 14 dias em casa. Na segunda-feira seguinte, começou a tosse seca e a febre, que oscilava entre 37,4 e 37,5 graus .
“Todos os dias notava a piora e na quarta-feira, piorando mais. Este era meu pior medo. Na quarta-feira, sem sentir o paladar e odor. Mas não tive falta de ar”, informa. No entanto, o coronavírus tem provado causar uma grande variedade de sintomas. Alguns têm dispnéia, outros só febre e também há quem tenha ambos, por exemplo. Lain não tinha falta de ar, mas não conseguia encher os pulmões por que sentia muita ardência para respirar. “Nunca tinha sentido isso”, frisa.
A melhora só veio no dia 26, quando acordou sentindo os sintomas diminuindo. “Não tomei nada de diferente. Tomava dipirona contra febre e dor nas costas. Conseguia ficar quieto no sofá e na cama”, afirma. No dia 28, o cirurgião chegou a fazer uma live no Instagram. “De domingo em diante, eu estava completamente assintomático. Só o nariz, que ainda ardia um pouco e ficou bom por segunda ou terça-feira (dia 31)”, lembra. Durante o isolamento, a esposa, que é médica intensivista, também se isolou.
Já o filho do casal ficou na casa dos pais de Lain. O diretor afirma que o fato de ter ficado doente provoca uma mudança de visão na estratégia pensada em meados de janeiro. “A apresentação dos sintomas é muito dispersa e temos que tratar das pessoas dentro do ideal. Os protocolos de tratamento de azitromicina, cloroquina são só para casos graves”, explica. O trato com os pacientes também precisa ser cuidado. “ É um momento de extremo sofrimento. Compadece com as famílias. Tudo é muito complicado neste cenário. A palavra que vai definir isso é incerteza.. Não é muito fácil ter a cartilha da ciência debaixo do braço”, reflete.
Àqueles que teimam em adotar as medidas de distanciamento social, Lain é enfático. “A gente sabe que está diante de uma situação extremamente grave e a ciência está tentando descobrir isso tudo ainda. Quanto mais as pessoas protegerem quem elas gostam, as mais frágeis, de não se expor a uma pessoa infectada, melhor para a gente evitar isso”, pede. Como diretor de um hospital, também diz ter uma “admiração muito grande a todos que trabalham na saúde. A gente sabe que estas pessoas abdicaram muito da vida deles para estarem ali. Estas pessoas não podem faltar, porque um hospital não é feito só de quatro paredes”, conclui. 

Correio do Povo

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