Famurs alertou Executivo e demais poderes sobre iminência de rompimento da quarentena
Correio do Povo
Eleito com apoio das entidades empresariais do Estado e alinhado ao pensamento liberal, o governador Eduardo Leite (PSDB) vê crescer a partir do setor empresarial um desafio extra no combate ao avanço do coronavírus: a pressão pelo relaxamento das restrições de circulação e convívio social. Na manhã desta quinta-feira, a Farsul, a Fiergs e a Fecomércio lançaram um manifesto intitulado "Pela Reativação da Economia Gaúcha". A Federasul também emitiu manifesto chamado de "Pela preservaçao da vida". Leite respondeu poucas horas depois, para o conjunto da população, na live que passou a fazer diariamente às 14h, na página do facebook do governo do Estado, para tratar da pandemia. “A orientação continua a mesma: fiquem em casa”, assinalou.
No final da tarde, Leite teve teleconferência com o presidente da Famurs e prefeito de Palmeira das Missões, Dudu Freire, para tratar da estratégia para conter a pressão. A Famurs propôs a edição de um novo decreto, que uniformize as regras de restrição para todos os municípios do Estado. O decreto estadual, por exemplo, não traz restrições à indústria e a construção civil, mas alguns municipais sim. Uma nova teleconferência será feita na manhã desta sexta, com os presidentes de todas as associações regionais de municípios que integram a Famurs, para “alinhar decretos e coordenar ações”.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) trabalha em algumas alterações no decreto estadual em vigor, de forma a diminuir margem para brechas e interpretações. Segundo o procurador-geral, Eduardo Cunha da Costa, o decreto do governo do Estado já estabelece regras a serem atendidas em todo o RS e os municípios podem instituir outras, mas as mesmas não podem contrariar as determinações estaduais. Por isso, a ideia é tornar a norma estadual mais detalhada.
No manifesto da manhã de quinta, as três federações propuseram que empresas retomem 50% de suas atividades a partir de 1º de abril e passem a operar com 100% a partir do dia 6 de abril “atendendo a recomendações de saúde”. Já o da Federasul conclamava ao isolamento dos grupos de risco e a retomada das atividades. “Não temos ainda a estrutura suficiente para nos permitirmos um pico, de a doença chegar antes. E então poderemos perder vidas que poderiam ter sido salvas por causa do atendimento”, rebateu Leite, para em seguida garantir que as medidas de restrição à circulação e ao convívio social seguem em vigor pelo menos até o final da próxima semana.
Nos bastidores políticos, a possibilidade de que a população comece a ‘furar’ as restrições as quais aderiu na semana passada preocupa muito o governo. Mais ainda, porque as dissidências começam a acontecer no estágio que, apesar da confusão feita por muitos, é mais brando que o do confinamento. O RS não está em ‘lockdown’: um protocolo de emergência que, ao invés de recomendar, determina a restrição da circulação de pessoas e estabelece sanções aos casos de descumprimento. Que estabelece o fechamento de setores que não sejam os previamente enquadrados como de alimentação e medicamentos. E que pode promover o isolamento geográfico de bairros, cidades, estados ou países inteiros.
Com a ajuda de lideranças políticas de diferentes partidos e de outros poderes, o Executivo se movimenta para convencer a população do impacto negativo que ceder à pressão neste momento causaria. No governo, há quem defenda que Leite deva adotar uma postura mais “dura”, como forma de se antecipar a pressões que devem se transformar em uma constante no decorrer do longo inverno que o RS tem pela frente. Os que têm este entendimento citam como exemplo o governador de São Paulo, João Dória (PSDB). Nesta quinta, após apenas três dias de medidas de restrição em vigor (cinco a menos do que o RS), Dória anunciou que elas estão fazendo efeito e que poderá adotar o ‘lockdown’. “Politicamente, ele (Dória) mostra força e estará em vantagem. Porque quando diz que vai endurecer, se vier a pressão para abrir, o governo já poderá partir de um patamar maior de restrição”, considera uma liderança aliada de Leite.
Famurs soou alerta sobre iminência do rompimento da quarentena
O alarme sobre a possibilidade de um rompimento na quarentena foi disparado pela Famurs ainda na quarta-feira, antes do manifesto das entidades e após o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Após ser contatado por prefeitos ansiosos, que muitas vezes carecem nas estruturas municipais de assessorias técnicas fortes, e que não raro mantêm laços estreitos com setores produtivos e empresariais, Freire repassou as informações que lhe chegaram não apenas ao Executivo, mas também a Assembleia Legislativa, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), ao Ministério Público, a Defensoria Pública e ao Conselho das Secretarias Municipais da Saúde (Cosemes).
Entre integrantes dos diferentes poderes, há consenso de que o pronunciamento de Bolsonaro serviu como uma espécie de senha para as manifestações públicas de descontentamento com as restrições e pedidos de flexibilização das regras. Mas há, também, o conhecimento de que elas circulavam bastante em grupos de whatsapp, como que a espera de uma “deixa”. E que se organizaram regionalmente.
Nesta quinta, por exemplo, um grupo denominado Empresários Unidos assegurava congregar mais de 300 empresários da região de Passo Fundo em defesa da abertura do comércio e da adoção de isolamento vertical (somente para idosos e grupos de risco). Com variações, textos com autoria atribuída a jovens e estudantes e com destaque para expressões como “economia é vida” também chegaram a grupos de whatsapp, classificando as atuais medidas de restrição de circulação erroneamente como “isolamento total”, e afirmando que elas causarão falência de empresas, fome, suicídios e caos.
A tensão surtiu efeito sobre prefeitos em geral e particularmente sobre parte dos que pretendem concorrer a reeleição. No município de Estância Velha, por exemplo, a prefeitura expediu novo decreto, autorizando o funcionamento parcial das atividades industriais a partir desta sexta, 27, e comerciais a partir de 3 de abril. “Nas cidades, há muita pressão de entidades e de alguns setores. Boa parte da população e de representantes de entidades acha que o Rio Grande, em quatro dias de isolamento social, já venceu uma pandemia que apavora o mundo e está fechando Nova Iorque. A maioria simplesmente não tem ideia do que é estar na ponta”, desabafa Freire.
Para além do Executivo, nesta quinta o TCE e a Famurs lançaram o ‘Boletim Informativo Covid-19’. A cartilha tem por objetivo fornecer orientações jurídicas consistentes aos administradores municipais e esclarecer sobre os mecanismos dos quais podem dispor.
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