Por Deltan Dallagnol
No apagar das luzes de 2019, quando todos estavam com a cabeça nas férias ou no Natal, um fato grave passou despercebido: o processo criminal referente à rumorosa compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras foi anulado. Não deixar no esquecimento esse fato é importante para alertar sobre o risco de impunidade nesse caso e em outros similares.
A aquisição de Pasadena da belga Astra Oil foi um escândalo vergonhoso. Para começar, essa refinaria não era uma boa escolha. Uma consultoria externa tinha apontado, na época, que outras atenderiam melhor os planos de expansão internacional da Petrobras. Além disso, Pasadena era obsoleta e enferrujada – daí ser chamada de “ruivinha” pelos envolvidos na negociação, uma referência à cor da ferrugem. Some-se que a refinaria não estava pronta para tratar o tipo de petróleo brasileiro. Por essas razões, ela precisaria passar por uma ampla reforma.
Para piorar tudo, o preço da transação tomou por base o valor que a refinaria teria após as reformas. Como resultado de ajustes e disputas, a Petrobras acabou pagando US$ 1,25 bilhão no negócio, quase 30 vezes os US$ 42,5 milhões que a Astra Oil havia pago por ela em janeiro de 2005, sete meses antes do começo das negociações. O Tribunal de Contas da União aferiu um prejuízo de US$ 700 milhões na operação – número que inicialmente era superior e ainda não é definitivo. A refinaria foi vendida em 2019 pela Petrobras por US$ 467 milhões, ou seja, US$ 783 milhões (quase R$ 3,5 bilhões, em valores atuais) a menos do que havia pago por ela.
A investigação havia sido trabalhosa, envolvendo rastreamentos financeiros no Brasil e no exterior e a análise de contratos internacionais e comunicações eletrônicas. Foram identificadas transações relacionadas às propinas na Espanha, Suíça, Liechtenstein, Hong Kong e Alemanha. Segundo provas colhidas pela Lava Jato, a negociação ruinosa foi regada a subornos. Acusação feita pela força-tarefa apontou o acerto de pelo menos US$ 17 milhões em propinas. Além de um alto executivo da Astra Oil, foram acusados seis ex-funcionários da Petrobras, um ex-senador e três operadores financeiros.
Anos de investigação e de processo foram perdidos na decisão do fim de 2019 que entendeu que o caso é da atribuição da Justiça Eleitoral. O juiz da Lava Jato em Curitiba, ao assim decidir, simplesmente aplicou nova orientação do Supremo Tribunal Federal estabelecida em um julgamento de março de 2019. Naquele julgamento, envolvendo um proeminente político, por apertada maioria de seis a cinco, o plenário do STF entendeu que os casos de corrupção devem ser enviados para a Justiça Eleitoral quando parte do dinheiro da propina é usada de modo oculto em campanha eleitoral. Ou seja, quando há crimes de corrupção e caixa dois relacionados, tudo vai junto para a Justiça Eleitoral.
Essa regra não existia quando as investigações do caso Pasadena e a Lava Jato se desenvolveram. Antes, como alertaram os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso no próprio julgamento, a regra era a separação entre crime eleitoral e crime comum (como corrupção): o primeiro ia para a Justiça Eleitoral e o segundo, para a Justiça comum, fosse estadual ou federal.Artigo completo aqui.
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