A evolução da ciência, associada aos casamentos tardios e à carreira profissional, estimula a gravidez segura em mulheres de faixa etária já avançada
Por Adriana Dias Lopes e Sofia CerqueiraEm dezembro de 1998, há exatos 21 anos, VEJA estampou na capa uma reportagem iluminando um fenômeno de comportamento que crescia no Brasil: “Ser mãe perto dos 40 já foi arriscado. Hoje é uma festa”. Passadas duas décadas, depois de vastas mudanças na sociedade e avanços na medicina, pode-se dizer que os novos 40 são os 50. Dito de outra forma: “Ser mãe perto dos 50 já foi arriscado. Hoje é uma festa”. As estatísticas amparam essa impressão. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde o fim dos anos 1990 o número de mulheres que se tornaram mães depois dos 40 anos aumentou em 88,5% — passou de 48 402, em 1998, para 91 212, em 2018. No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, centro de referência para as classes mais abastadas, a taxa é ainda maior: em apenas cinco anos, o salto foi de 112% entre as gestantes com idade acima de 45 anos. É uma reviravolta que, evidentemente, tem alcance mundial. Nos Estados Unidos, 124 000 mulheres com mais de 40 anos dão à luz por ano, aumento de 50% em uma década. Diz a antropóloga Mirian Goldenberg, estudiosa do assunto: “As mulheres estão pela primeira vez na história experimentando a maternidade de uma forma livre, respeitando o próprio desejo e o tempo que precisam para decidir ter filhos ou não”. Ressalve-se que a maternidade tardia, quando se acompanha o conjunto das populações, de diferentes regiões e patamares sociais, ainda não é regra — não chega a 5% do universo feminino. No entanto, o que antes era uma impossibilidade virou uma alternativa, atalho para impactos irreversíveis no dia a dia.
As mães maduras, chamemos assim, são filhas de dois pilares científicos: os cuidados da mulher com o próprio corpo e os saltos da medicina. A adoção de um estilo de vida saudável e o tratamento precoce de doenças ainda no início dos sintomas prolongam a vida útil dos órgãos reprodutivos. Uma das maiores causas de complicações durante a gravidez é a pressão alta desenvolvida na gestação — que agora é acompanhada nos detalhes. Entre as parturientes acima de 40 anos, a incidência pode ultrapassar os 20%, se não houver cuidados prévios. Entre as mais jovens, é de menos de 5%. “As mulheres hoje chegam aos 50 anos com a mesma capacidade de gestar que uma de 30”, diz Edson Borges, diretor médico da clínica Fertility, em São Paulo. Mas nada seria possível sem a extraordinária evolução da medicina reprodutiva. A capacidade de engravidar naturalmente depois dos 40 anos é baixíssima. Aos 43, é de apenas 1%, e as taxas caem ano após ano. Uma mulher que se decida pela implantação de embrião formado em laboratório, eis a boa-nova, tem 50% de chance de ter um filho — há dez anos, a probabilidade era de apenas 10%.
Desde o nascimento do primeiro bebê de proveta, a inglesa Louise Brown, em 1978, descobertas aparentemente pequenas proporcionaram enormes progressos nas taxas de gravidez induzida. Embriões de maior qualidade interferem substancialmente nas taxas de gravidez. No início dos anos 2000, um pequeno ajuste na temperatura da incubadora onde o embrião é mantido foi essencial para preservar a sua integridade. Descobriu-se que meio grau a mais ou a menos já era suficiente para danificar as células. Recentemente, os médicos conseguiram criar ambientes de conservação muito semelhantes ao do útero materno. O líquido no qual as células ficam mergulhadas, nas versões mais modernas, é resultado de uma sofisticada combinação de trinta compostos, renovados a cada três semanas — duas décadas atrás eram apenas cinco, usados meses a fio. Uma incubadora inteligente permite atualmente a observação contínua das células por meio de vídeos (gravados 24 horas por dia) e fotos (tiradas a cada dez minutos). Com o nome de TimeLapse, a máquina possibilita à equipe médica o acompanhamento constante do progresso do embrião sem precisar tirá-lo da incubadora. Nas estufas tradicionais, o embrião precisa ser retirado pelo menos duas ou três vezes durante a fase de desenvolvimento, em permanente risco de o processo desandar.
– ./.
Intensos, os progressos na área da reprodução assistida começam agora a permitir a maternidade aos espantosos 60 anos. São exceção, mas representam uma vitória extraordinária, um ensaio para um futuro breve. No Brasil, no último ano, dez mulheres engravidaram nessa faixa etária. Em casos como esses, a gestação só é possível com óvulos doados. A perda natural das células reprodutoras ao longo da vida é a principal causa da infertilidade da mulher. Uma criança nasce com 1 milhão a 2 milhões de óvulos. Na primeira menstruação a menina tem de 300 000 a 400 000. Quando a quantidade chega a 30 000, lá pelos 40 e tantos, a gravidez natural torna-se impraticável, porque o pouco que resta já não tem qualidade para prosperar. Histórias como a da atriz carioca Solange Couto, que engravidou aos 54 anos sem inseminação artificial, são raríssimas (leia o relato de Solange e de outras mães, que contam como a vida delas mudou, e como enfrentaram a maternidade mais velhas, ao longo desta reportagem).
Publicidade
Vencidas as barreiras da medicina — e elas continuarão a ser superadas —, convém olhar esse bonito capítulo da humanidade com a lente da liberdade feminina. O adiamento da gestação pode ser comparado, de algum modo, com a chegada da pílula anticoncepcional, nos anos 1960. Ela deflagrou a revolução sexual, o sexo sem procriação, o sexo pelo prazer. A reprodução assistida permite às mulheres encaminhar sua carreira profissional mais calmamente, empurrando os ponteiros da concepção (note-se que, de 1998 para cá, a idade média do casamento, para as mulheres, foi de 23 para 28 anos). Há muito ainda a melhorar no ambiente de trabalho, mas empresas como Facebook, Apple e Google já pagam parte dos custos do congelamento de óvulos como benefício às suas funcionárias. “Em nome da estabilidade financeira, independentemente do companheiro, as mulheres adiam a gravidez, e sabem que podem fazê-lo, hoje, porque haverá recursos que não existiam até muito recentemente”, diz a psicóloga Rose Massaro Melamed, da clínica Fertility.
Não bastasse o caráter libertador para as mulheres, que não precisam ser mães para ser respeitadas, empurrando o barrigão para mais tarde, há outro aspecto que traz vastas esperanças. A maternidade tardia — em que pese o risco real do nascimento de filhos com síndrome de Down nas gestações naturais, que aos 40 anos é de 1 para 100 nascimentos, em comparação com 1 para 1 600 aos 20 anos — pode fazer bem para os filhos. Um trabalho da reputada revista científica Translational Psychiatry mostrou que descendentes de pais mais velhos tendem a ser mais inteligentes. Ao analisarem 15 000 pares de gêmeos com 12 anos de idade, filhos de pais maduros, pesquisadores do Reino Unido e dos EUA chegaram a uma interessante conclusão: eles são mais talentosos nas áreas de matemática e tecnologia e têm maior capacidade de concentração. Outro trabalho, publicado na revista British Medical Journal, identificou que crianças de mães mais velhas são mais saudáveis que crianças de mães mais jovens. A possível (e plausível) explicação: quanto mais avançada é a idade da mãe, mais tempo ela dedica aos filhos. Com uma vantagem: um levantamento dinamarquês comprovou que mães já avançadas na idade são mais pacientes e hábeis para estabelecer limites com a cria.
Enfim, esperar é um ótimo caminho. Não por acaso, como constatação de que a maternidade tardia entrou nos lares brasileiros, nenhum dos filhos daquelas seis mulheres famosas (Hortência Oliva, Cristiana Oliveira, Luiza Tomé, Tereza Seiblitz, Lilia Cabral e Marisa Orth) que estamparam a capa de VEJA em 1998, grávidas perto dos 40, com bebês de colo ou filhos pequenos, ainda lhes deu netos. Os tempos estão mudando.
TUDO DE NOVO
Publicidade
– @carolinaferrazoficial/.
Carolina Ferraz, 51 anos
Mãe de Valentina Cohen, 24 anos, e Anna Izabel, 4 anos
Ao se casar pela segunda vez com um médico nove anos mais jovem, a atriz enfrentou um dilema: já tinha uma filha de 16 anos, mas o marido queria experimentar a paternidade. “Nada mais justo que isso fizesse parte do nosso projeto”, pondera. Ela chegou a engravidar, sofreu um aborto espontâneo e recorreu à reprodução assistida. “Os três primeiros meses de gravidez foram difíceis por causa dos hormônios que eu tomava”, lembra. “Tive depressão e vivia num mau humor insuportável, estava fora de controle.” Engordou 21 quilos. Hoje se vê realizada. “Não tenho dúvida de que a melhor coisa que fiz foi ser mãe de novo”, afirma.
O MAIOR CARNAVAL
– @ivetesangalo/.
Ivete Sangalo, 47 anos
Mãe de Helena e Marina, 1 ano, e Marcelo, 10
Com o filho já crescido, a cantora queria ter outro e engravidou naturalmente duas vezes. Só que as gestações não vingaram, e ela, que havia congelado óvulos, decidiu recorrer a um tratamento. “Tentei não encarar o processo como uma tarefa árdua”, contou na ocasião. Deu certo. Enquanto carregava as gêmeas na barriga, Ivete diz que teve oscilações de humor e períodos de ansiedade, mas, na hora do parto, tudo virou festa. Sua imagem dançando serelepe em um hospital de Salvador momentos antes de dar à luz viralizou. Ela ainda postou: “Vou fazer o maior Carnaval da minha vida”.
“NÃO ACREDITEI”
Publicidade
– ./Arquivo pessoal
Márcia Goldschmidt, 57 anos
Mãe de Victoria e Yanne, 7 anos
Recém-casada com um advogado português, a ex-apresentadora de TVjá era mãe de um rapaz de 17 anos quando partiu para a fertilização in vitro, ainda que não estivesse de todo convicta. O resultado positivo veio logo na primeira tentativa. “Fiquei com a perna bamba e cheguei a cair no chão com a notícia”, recorda ela, que tinha acabado de cruzar a fronteira dos 50 anos. Diagnosticada com pré-eclâmpsia, deu à luz gêmeas aos cinco meses de gestação. Seguiram-se três meses na UTI e dois anos de peregrinação em hospitais até que Yanne, que contraiu uma infecção neonatal, fizesse um transplante de fígado. “Ser mãe nessa idade não é fácil, mas vale mais que 50 pontos de audiência”, compara Márcia, que tomou a decisão de deixar a televisão.
“REJUVENESCI”
– @solangecouto/.
Solange Couto, 63 anos
Mãe de Benjamin, 8 anos
Com um casal de filhos, ele com 37, ela com 20, a atriz não cogitava aumentar a prole ao se casar com um engenheiro trinta anos mais novo. Chegou a rir de seu médico quando ele a alertou de que, embora perto da menopausa, poderia engravidar. Não deu ouvidos e seguiu sem usar métodos contraceptivos. Dez meses mais tarde, aos 54 anos, estava grávida. “De início, fiquei insegura. Tinha medo de ser ridicularizada, de ser velha demais e ter um filho com problemas, de ser chamada de avó”, confessa. A gestação e o parto transcorreram muito bem. “Benjamin me rejuvenesceu. As pessoas até me perguntam se fiz plástica”, diverte-se.
SEIS TENTATIVAS
Publicidade
– João Raposo/.
Rosana Beni, 62 anos
Mãe de Anita e Raphael, 10 anos
Depois de se casar aos 47, a promoter tentou engravidar durante um ano, sem sucesso. Aí procurou tratamento e começaram as tentativas — foram ao todo seis fertilizações in vitro. “Estava disposta a ir até onde meu corpo aguentasse; depois partiria para a adoção”, conta. Aos 52 anos, soube que engravidara de gêmeos. Foi uma gestação tranquila: ela engordou 11 quilos e trabalhou no próprio dia da cesariana. “Com a gravidez tardia você se recicla, se reinventa”, reflete Rosana, que dá palestras sobre o tema e empunha a bandeira da maternidade em qualquer idade. “Desde que a mulher esteja saudável, não tem hora para ser mãe”, conclui.
TURNÊ ADIADA
– @janetjackson/.
Janet Jackson, 53 anos
Mãe de Eissa, 2 anos
A cantora americana surpreendeu os fãs ao cancelar a turnê mundial de Unbreakable, em maio de 2016. A justificativa: precisava se concentrar no “planejamento da família”. Meses depois, a irmã mais nova de Michael Jackson anunciava estar grávida do primeiro filho, aos 50 anos. Em janeiro de 2017 nascia Eissa, o herdeiro de Janet e do magnata do Catar Wissam al Mana. Em nota, o casal se limitou a informar que o parto fora “saudável”. Ela nunca revelou se recorreu a algum método de reprodução assistida.
NA HORA CERTA
Publicidade
– ./.
Ana Maria Moreira, 61 anos
Mãe de Ian, 1 mês
A auxiliar de enfermagem só começou a pensar em ter o primeiro filho beirando os 50. Nunca imaginava poder gerar um bebê àquela altura da vida. Sua ideia era adotar. Mas antes procurou saber sobre a possibilidade de recorrer à fertilização e decidiu tentar. Engravidou na segunda vez. “Foi uma produção independente”, conta. A gravidez precisou ser cercada de cuidados, porém tudo correu bem no final. “Foi a hora certa de ser mãe. Sou uma mulher muito mais madura e paciente para cuidar de um filho agora. A diferença de idade entre
a gente não atrapalha”, diz.
Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665
Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário