por Michael Viriato
Estudos comprovam que a a alocação do portfólio entre as classes de ativos é a maior responsável pelo retorno destes. Para determinar quanto investir em cada classe – renda fixa, fundos multimercados, de ações e imobiliários – um dos pontos chave é a liquidez requisitada pelo aplicador, pois ela é fundamental para restringir o horizonte de investimento dos ativos.
Quando se fala em investimento financeiro, o investidor brasileiro tem o hábito de querer muito mais liquidez do que realmente precisa. Incoerentemente, este hábito se estende até na parcela que o investidor reserva para a aposentadoria.
A manutenção de liquidez nos investimentos financeiros usualmente é atribuída a três fatores: uso em emergência, aproveitamento de oportunidades e medo de possíveis mudanças econômicas. Há mais de vinte anos, com o início do plano Real em 1994, vivemos um ambiente de relativa estabilidade econômica. Portanto, essa última justificativa para manutenção de liquidez diária não deveria se sustentar. Antes de abordar as duas primeiras razões, vou comentar sobre o custo da preferência por liquidez diária.
A liquidez tem um custo. Investimentos com maior prazo possuem um prêmio de retorno. Por exemplo, para o mesmo emissor de um Certificado de Depósito Bancário (CDB) de um banco médio, o investidor pode ganhar 100% do CDI com liquidez diária ou 120% do CDI com carência de quatro anos. Uma carência de quatro anos significa que o aplicador não pode efetuar resgate nesse prazo ou se efetuar, pode ser penalizado no retorno.
Assumindo o CDI atual de 5,4% ao ano, essa diferença de 20% do CDI entre os CDBs significa uma diferença de retorno de 1,08% a mais para o CDB que rende 120% do CDI. No curto prazo, essa diferença parece não representar muito. Entretanto, quando acumulada ao longo dos anos essa pequena diferença pode representar um valor acumulado de mais de 37%.
O gráfico abaixo mostra a evolução de uma aplicação de R$50 mil nos dos CDBs acima por 30 anos. O investimento no CDB que rende 100% do CDI, depois de 30 anos, vai se valorizar para R$242 mil. Enquanto os R$50 mil CDB a 120% do CDI, se valorizar para R$332 mil, ou seja, uma diferença de R$90 mil.
O gráfico apresenta a evolução de um investimento de R$50 mil aplicados em um CDB que rende 100% do CDI e outra que rende 120% do CDI. Considerou-se o CDI atual de 5,4% ao ano.
A preferência por liquidez também provoca uma redução do horizonte de investimento nas aplicações. Consequentemente, uma menor alocação em ativos de risco que poderiam proporcionar uma alavancagem positiva de retorno. Neste caso, a diferença pode ser ainda mais significativa.
Se considerarmos uma alocação de longo prazo em ativos de risco que possam proporcionar um retorno de 15% ao ano, como o investimento em renda variável e compararmos com investimentos de liquidez, o exemplo acima pode se tornar mais surpreendente.
O investimento de R$50 mil em uma aplicação que rende 15% ao ano se valorizaria, em trinta anos, para R$ 3,3 milhões. Portanto, quase 14 vezes superior a uma aplicação que rende apenas o CDI. Logo, quando se pensa na aposentadoria, o horizonte de longo prazo é seu maior aliado.
Com relação à necessidade de recurso para emergência, acredito que a manutenção de um valor equivalente a até três meses de seu custo mensal já é suficiente. Com um bom planejamento e o escalonamento de vencimentos de aplicações será possível ter investimentos vencendo a cada seis meses, permitindo o aproveitamento de maiores retornos. Se a precaução para formar uma reserva para emergências fosse real, os investidores deveriam preferir alugar à comprar um imóvel. Ainda podemos fazer outra analogia.
Vimos que liquidez tem um custo. Portanto, a decisão de separar um recurso para emergência é similar a pagar por um seguro cuja probabilidade de uso costuma ser superestimada. O que é melhor, pagar o “prêmio do seguro” antecipadamente e aplicar no CDB de liquidez diária, ou investir no CDB de longo prazo com maior retorno e ser penalizado, pagando o “prêmio do seguro” apenas se precisar resgatar?
A última razão para o hábito da liquidez é o medo perder oportunidades. É possível afirmar que essas oportunidades de investimento que irão proporcionar a diferença de 37% mencionada acima são muito menos frequentes do que se imagina. Adicionalmente, estudos mostram que a maior diferença de retornos dos portfólios está na decisão estratégica de longo prazo e não na decisão tática de curto prazo. Logo, este receio de perder algo também é incompatível com a probabilidade de ocorrência.
Portanto, com um bom planejamento financeiro, o investidor poderá manter em liquidez apenas o necessário e, assim, poderá aproveitar de forma mais eficiente os benefícios de aplicações com maior prazo.
Fonte: Folha Online - 29/09/2019 e SOS Consumidor
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