(O Estado de S. Paulo - The Economist, 02) Tim Bell abominava regras. Em seu escritório de Mayfair, bairro chique de Londres, o homem que fez a indústria de relações públicas britânica famosa (e desacreditada) zombava da proibição de fumar. Mesmo no inverno, a fumaça de seus dois maços diários de Dunhills escapava pelas janelas abertas. Na rua embaixo, seu motorista o esperava para levá-lo para almoçar num restaurante a apenas 200 metros. Justificando sua opção por uma vistosa Ferrari vermelha, ele dizia: “Gosto de ser admirado”. No escritório a TV estava sempre ligada, ou na fala da premiê ou num jogo de críquete. Numa mesa, Bell mantinha fotos da família e da cliente, amiga e ídolo, cuja descomplicada devoção à liberdade combinava com a dele.
Na vida e na morte, o papel de Bell nas três eleições de Thatcher tem sido exagerado. Seu trabalho – primeiro na agência de publicidade Saatchi & Saatchi e depois em sua própria empresa – era conquistar clientes, não criar slogans. Thatcher acreditava em sua magia e o trouxe para a eleição de 1987, mesmo depois de a Saatchi o proibir de trabalhar na campanha após um desentendimento interno. Bell era o homem de Thatcher “no ônibus de Clapham”, aquele que conseguia captar a opinião das pessoas comuns.
Ele se tornou um cortesão, distribuindo elogios em tom solene em reuniões familiares e no almoço do dia de Natal. “O 26 de dezembro (‘Boxing Day’, feriado comemorado em países de língua inglesa) é só para o gabinete e para pessoas que dão dinheiro ao partido”, dizia ele. Quando Thatcher gravava peças de propaganda na TV, Bell sentava-se por perto e cuidava para que ela relaxasse e falasse como se se dirigisse a uma só pessoa, não a uma multidão.
Thatcher, apesar de seu puritanismo, perdoava a vida irregular de Bell. Ela riu muito quando ele, despertando de uma noite regada a champanhe, atendeu seu telefonema percebeu subitamente que havia sido assaltado. Foi lorde Bell quem anunciou a morte da ex-primeira-ministra, em 2013.
Seu legado mais significativo é fazer de Londres um polo do que ele chamava de “trabalho geopolítico”, mas outros chamavam de “centro de lavagem de reputações”. No auge da fama, Bell passou de publicidade para relações públicas. “Sua proximidade com a premiê não atrapalhava os negócios”, diz Bernard Ingham, ex-secretário de imprensa de Thatcher. Bell conseguiu um de seus primeiros clientes, F. W. de Klerk, então presidente da África do Sul, com um telefonema em nome de Thatcher. Mais tarde, ele diria que o telefonema fora “pelo menos 10% verdadeiro”.
Colegas diziam que ele era amigo só nos bons momentos e tinha uma inclinação para a esperteza. Bell, alegando que “moral é função de padre, não de homem”, ajudou o ditador chileno Augusto Pinochet a escapar da extradição para a Espanha por acusações de tortura, e melhorou as reputações de Alexander Lukashenko, homem forte da Bielorússia, e Asma al-Assad, mulher do presidente da sírio.
Num mesmo ano, ele participou de campanhas contra e a favor do tabagismo. Sua agência, Bell Pottinger, que ele fundou em 1998, criou blogs falsos e contas falsas na mídia social. Ele não levava muito a sério os fatos, dizendo que “as pessoas não levam”. E explicava que, “uma vez que o diabo está no detalhe, não precisamos da p... do detalhe”. Até onde suas campanhas funcionaram ainda está em aberto. Ele assessorou o ministro das Finanças de Pinochet e o francês Jacques Chirac em eleições que ambos perderam, e criou a estratégia de comunicação para a “transição para a democracia” do Iraque, em 2004.
Bell tinha um talento especial para jogar nos outros a culpa de seus erros. Ele insistiu para que David Mellor, um parlamentar adúltero inglês, fizesse uma desastrosa foto com a família. A ideia impopular de servir sanduíches de presuntada nas comemorações do 50º aniversário do Dia D foi sugerida, segundo ele, “pelos fuzileiros navais ingleses, não por mim”.
Felizmente para Bell, os resultados contavam menos que seu charme, o que lhe valeu contratos com o metrô de Londres, com o Sindicato Nacional de Professores, cuja política ele atacava, e com a BBC, meses depois de propor que a emissora fosse vendida.
No fim, a exemplo de seu ídolo, ele foi longe demais. Resistiu a sugestões para melhorar a imagem da Bell Pottinger. A agência entrou em colapso em 2017 após a revelação de uma campanha secreta feita por ela para manipular a opinião pública da África do Sul contra o “monopólio branco do capital”. Nessa altura, Bell havia renunciado à direção da agência, como sempre, jogando em outros executivos a culpa pelos problemas da empresa.
Ele não se aposentou e fundou outra agência. Também não abriu mão dos prazeres. Uma amiga que o visitou dias antes de ele morrer o encontrou grudado na TV, vendo um jogo de seu adorado críquete. Aí ele pediu a ela que lhe acendesse um cigarro.
O estrategista Tim Bell tinha um talento especial para jogar nos outros a culpa de seus erros.
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