sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Sindicatos se reinventam para atrair filiados e sobreviver


Sindicatos como o que reúne os comerciários de São Paulo sentiram o baque da reforma trabalhista, que acabou com a contribuição sindical obrigatória

Por Carla Aranha

Sindicato dos Comerciários, no Vale do Anhangabaú

Mutirão de empregos em São Paulo: mais de 5.500 vagas oferecidas por 42 empresas (Leandro Fonseca/EXAME)

O dia nem havia amanhecido e uma fila já se formava em frente ao Sindicato dos Comerciários, no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo, no dia 17 de setembro. As pessoas que chegavam ali estavam de olho em um dos mais de 5.500 postos de trabalho oferecidos no quarto mutirão organizado pela entidade, um evento criado em meados do ano passado. Havia vagas de vendedor, caixa, repositor, padeiro, ajudante geral, entre outras ofertadas por 42 empresas, como Magazine Luiza, Carrefour e Pão de Açúcar.

No dia do mutirão, o sindicato faz a pré-seleção dos candidatos e os encaminha para as oportunidades que mais se encaixam com a experiência de cada um. Cabe às empresas participantes escolher ali mesmo os profissionais com perfil mais adequado e seguir com o processo de seleção após o evento. Em média, 60% das vagas oferecidas são preenchidas. “As companhias perceberam que [com o mutirão] conseguem ter acesso a um número maior de profissionais por meio de uma ação organizada”, diz Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e também da União Geral dos Trabalhadores.

A iZettle, fintech sueca de maquininhas e sistemas de pagamento, ofereceu 1.000 vagas de vendedores na rodada de empregos de setembro. A empresa foi comprada pela americana PayPal por 2,2 bilhões de dólares em 2018. “Nosso crescimento tem sido exponencial no Brasil e precisamos de muita gente”, afirma Beni Harari, diretor comercial da iZettle.

O serviço do mutirão é gratuito tanto para quem procura quanto para quem oferece emprego, mas tem um imenso valor para o Sindicato dos Comerciários. Com o fluxo de 6.000 pessoas que passaram pelo mutirão, 600 acabaram se filiando voluntariamente à entidade, que cobra uma contribuição mensal de 30 reais. “O sindicato precisava se reinventar para sobreviver no futuro”, diz Patah, que está na presidência do sindicato desde 2003 — a lei não impede a reeleição dos dirigentes.

Desde a reforma trabalhista, aprovada em 2017 e que estabeleceu o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, arranjar novas fontes de receita virou uma questão vital para entidades de trabalhadores e empregadores em todo o Brasil. A arrecadação do imposto sindical, que alcançou 3,6 bilhões de reais em 2017, caiu para meio bilhão em 2018, uma queda de 86% já no primeiro ano da reforma em vigor. No caso da entidade dos comerciários de São Paulo, a receita foi reduzida à metade com a mudança na legislação: neste ano, o sindicato tem 45 milhões de reais para bancar as atividades. A expectativa é voltar ao nível de 90 milhões de reais em cinco anos, à medida que a entidade conquistar novos associados. Hoje, são cerca de 30 mil filiados, 22 mil menos do que teve no auge. Boa parte da perda é resultado do aumento do desemprego no setor. Por outro lado, as estruturas sindicais também tiveram de ser pragmaticamente adequadas. No caso do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, metade dos 600 funcionários foi demitida.

Para atrair cada vez mais gente aos mutirões, o sindicato tem se esforçado para trazer mais empresas ao evento e aproximar seu público das marcas participantes. O Magazine Luiza ofereceu pela primeira vez um treinamento sobre o cadastro online de vagas, realizado na sede do sindicato. “Percebemos que muitos candidatos tinham dúvidas sobre como preencher os dados profissionais em nossas plataformas”, diz Renato Machado, coordenador de relações trabalhistas e sindicais do Magazine Luiza. Na rodada de setembro, cerca de 800 pessoas assistiram às orientações dos profissionais da rede, que ofereceu 370 oportunidades de trabalho em 80 lojas na Grande São Paulo.

Outra aposta do sindicato é a ampliação do leque de serviços. O atendimento médico, que existe há tempos com consultas de ginecologistas, cardiologistas, clínicos-gerais e dentistas, foi reforçado. A entidade comprou equipamentos de raios X e mamografia, que são operados por especialistas contratados. Como muitos filiados não têm plano de saúde, a oferta desses atendimentos faz a diferença. Há alguns meses, consultas com uma nutricionista integraram a oferta de serviços de saúde, todos gratuitos para os associados.

Cada instituição tenta encontrar sua maneira de agradar ao público. O Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo criou em março uma área de escritório compartilhado em sua sede, no centro da capital paulista. Para os filiados, há desconto no uso do espaço, que tem oito salas de reunião. Por isso, 1.100 profissionais solicitaram a sindicalização. Já a entidade que congrega os trabalhadores de limpeza urbana, o Siemaco, também com abrangência no estado de São Paulo, criou uma ferramenta de filiação online e melhorou a comunicação com os associados nas redes sociais. Parece que está dando certo: o número de sócios aumentou 20% e chegou a 49 mil. Para Patah, medidas desse tipo fazem parte de uma “gestão criativa” para atrair mais sócios e reequilibrar as contas dos sindicatos. Afinal, acabou o tempo em que o dinheiro era fácil.


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