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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Por que Greta Thunberg, a ativista de 16 anos, ameaça a masculinidade?

Em um ensaio sobre o ecofeminismo, a editora-chefe debate as reais motivações por trás dos ataques a militante sueca

4 min de leitura
  • MARIA LAURA NEVES
+Greta Thunberg (Foto: Getty Images)

Greta Thunberg (Foto: Getty Images)

Ao longo da semana Greta Thunberg virou meme mundial. Críticos do ambientalismo forjaram imagens ridicularizando a sueca, depois de seu contundente discurso na ONU. Não que isso seja novidade na vida ativista. Desde que ganhou destaque na mídia, ela é alvo de ataques misóginos. Quando ela começou sua viagem rumo aos Estados Unidos, um milionário inglês defensor do Brexit tuitou que gostaria que seu barco afundasse. Um colunista australiano escreveu que ela é uma espécie de “messias profundamente perturbado do movimento do aquecimento global”. Políticos brasileiros de extrema-direta postaram fotos falsas ridicularizando Greta. Um radialista disse que ela, na verdade, precisava de um homem – foi demitido pela infeliz declaração e depois pediu desculpas por isso. A lista de agressores é extensa e de fácil identificação: em sua maioria, homens de direita céticos do aquecimento global.

Uma dupla de pesquisadores da Sweden’s Chalmers University of Technology publicou, em 2017, um estudo que traça a relação entre esse tipo de ataque e a identidade de gênero. Intitulado “O fator verde: Mudanças climáticas como ameaça à masculinidade na modernidade industrial” mostra que a ascensão da discussão aterroriza um tipo específico de agente social: o homem poderoso do século 20. “Não é o ambiente que está ameaçado, mas sim uma sociedade moderna industrial construída e dominada por sua forma de masculinidade”, escrevem os autores Martin Hultman e Jonas Anshelm.

“Tem um pacote de valores e comportamentos ligados a uma forma de masculinidade que costumo chamar de ‘masculinidade industrial do provedor’. São pessoas que veem o mundo separado entre humanos e natureza. Acreditam que é nossa obrigação usar os recursos naturais para fazer produtos e que a natureza tolerará todos os tipos de desperdício. Para eles, o crescimento econômico é mais importante do que o ambiente”, disse Martin Hultman à rede de televisão alemã Deutsche Welle no ano passado.

Essa percepção é corroborada por dados americanos, onde estudiosos constataram que o ativismo ambiental, embora criado por homens também nos anos 70, é considerado “feminino”, segundo um estudo publicado pela Scientific American. Em um dos experimentos os participantes diziam se sentir mais “femininos” quando reciclavam o lixo.

Ao me deparar com a virulência destes ataques contra uma menina de 16 anos, lembrei de uma conversa que tive com Sandra Guimarães, do blog Papacapim (onde ela reúne receitas veganas simples e deliciosas). Em um almoço em um pequeno restaurante na Liberdade, em São Paulo (Broto da Primavera, vale a visita), conversávamos que as principais novas vozes da defesa ambiental são mulheres. “Elas são as primeiras a sofrer o impacto das mudanças climáticas”, me disse Sandra, que mora na Palestina, onde trabalha com agricultoras.

Contei para ela de uma reportagem que fiz em 2012, quando alguns estados do nordeste brasileiro registraram seca recorde. Ao mesmo tempo, afluentes do Rio Amazonas subiram a níveis também recordes desalojando centenas de famílias ribeirinhas. Nessas situações extremas, os homens saem de casa, do sítio, da município, do estado, em busca de sustento. Muitas vezes não voltam. Cabe às mulheres manter a família, alimentar as crianças, cuidar do que restou.

Com essas questões em mente, decidi ir atrás das origens do ecofeminismo, um movimento que nasceu na França, nos anos 1970, mais especificamente no livro Le Feminism ou La Mort (1974), da escritora Françoise d'Eaubonne (1920-2005). Ativista radical, Françoise militava contra o casamento, “uma instituição burguesa”, as prisões, os manicômios. Na sua visão de mundo, o ecofeminismo é a resposta à todas as opressões. É o movimento contrário à falocracia, o governo do falo, que une o machismo ao capital na manutenção do poder. Algo muito semelhante ao que os pesquisadores suecos chamam de masculinidade da modernidade industrial.

O ecofeminsimo coloca em um mesmo barco todos os grupos marginalizados (por gênero, opção sexual, cor, religião) e os elementos da natureza dominados pela humanidade (animais, água, terra e ar). É o ponto de intersecção entre a defesa dos direitos das minorias e a do ambiente.

Para d’Eaubonne a opressão se apresenta de maneira binária: masculino/feminino, corpo/mente, humano/animal. O matriarcado dissolveria essa lógica e seria menos agressivo ao planeta na medida em que não estabelece dominação e opressão de um grupo pelo outro e o poder é compartilhado entre diversos atores sociais.

A maior representante viva deste movimento é a indiana Vandana Shiva que, hoje, questiona a fé cega na Ciência – para ela uma visão de mundo masculina e ocidental. Um exemplo de cientificismo masculino seria a medicalização do parto e a industrialização da reprodução das plantas.

Críticos dizem que as ecofeministas continuam a perpetuar dualismos quando opõe as forças femininas às masculinas. Também atentam para o fato de que o feminismo contemporâneo se vale de ferramentas de opressão na medida em que as mulheres almejam – e ocupam – posições de poder em grandes empresas e na política. Além disso, há quem atribua ao ecofeminismo um certo aspecto místico.

Concorde-se ou não com a ligação entre as pautas ambientalistas e feministas, o fato é que os negacionistas estão sendo encurralados por Greta. Ela joga luz para o óbvio: estamos todos vulneráveis aos impactos do aquecimento global, que criará um apartheid climático, onde os ricos pagarão para escapar do calor extremo e dos conflitos causados por ele – mas isso é tema para outra coluna.


Marie Claire

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