domingo, 30 de junho de 2019

O que havia antes do Big Bang?

Antes do Big Bang, não havia o que chamar de antes. Ou era o que todo mundo pensava...

Por Rodrigo Rezende

(pixelparticle/iStock)

A rápida expansão que deu origem ao Universo aconteceu bem aí, no lugar onde você está agora. Exato: no momento do Big Bang, todos os lugares estavam no mesmo lugar, ocupando um espaço bem menor que o pingo deste i. Fora desse minipingo não havia nada. E ainda não há.

O Universo continua sendo só a parte interna do Big Bang. Não há nada lá fora. Nem tempo: passado, presente e futuro só existem aqui dentro. Difícil de imaginar, mas é a verdade: o dia do seu nascimento, do seu casamento e do seu funeral já estavam de alguma forma impressos naquele pingo de i. E continuam, em algum lugar do tecido cósmico. Fora dele é o “antes do Big Bang” – um limbo fora do alcance da ciência, ou da imaginação. Até por isso a maior parte dos cientistas acha perda de tempo pensar nesse limbo.

Mas não faltam pesquisadores com ótimas teorias sobre o que existe lá fora, sobre o que teria acontecido antes de o próprio tempo existir. E essas ideias vêm com um bônus: uma revolução filosófica, capaz de mudar tudo o que você pensava sobre a existência. Seja lá o que for que você pensava.

(pixelparticle/iStock)

1. Um outro Universo

No início, tudo estava tão espremido, mas tão espremido, que não tinha tamanho nenhum. O embrião do Universo tinha dimensão zero. É o que chamam de “singularidade”. E além da singularidade a ciência não consegue enxergar. O momento em que este ponto começou a se expandir ficou conhecido como Big Bang.

Na verdade, você pode esquecer a parte do bang, porque a expansão não fez barulho. Não existe som no vácuo. E mesmo que existisse, não adiantaria nada, porque o Big Bang não aconteceu no vácuo, e sim em lugar nenhum. Nós estamos dentro do Big Bang agorinha mesmo. Desde lá o Universo se propaga como se fosse uma bexiga enchendo num ambiente além da imaginação. Um lugar ao contrário aonde não dá para você ir, porque não existe espaço para o acolher. Um lugar onde tempo também não existe. Seu relógio ficaria congelado. É o nada total. Absoluto. Rua do Bobos, número zero.

Essa história de um ponto tão pequeno que sequer tem dimensões parece só uma abstração sem sentido. Mas não é. Para começo de conversa, as singularidades, segundo a hipótese mais aceita, existem hoje mesmo. E são mais comuns do que parecem. Há um monte delas acima de nós agora mesmo. Dez milhões só na nossa galáxia. É que você as conhece por outro nome: buracos negros. Esses ralos cósmicos são basicamente pontos de densidade infinitamente grande e dimensões infinitamente pequenas. Em resumo: são como o Universo era na época do Big Bang. A diferença é que eles estão dentro do Universo, em vez de serem o Universo.

Para entender melhor um buraco negro, o melhor jeito é aprender a receita para construir um. Primeira parte: pegue 1 milhão de planetas Terra e funda todos eles até formar uma bolona, com massa equivalente à de 3 estrelas iguais ao Sol. Quanto maior a massa de alguma coisa, maior a gravidade. No caso da nossa bola, ela teria uma força gravitacional tão poderosa que nada teria como ficar em sua superfície sem começar a ser tragado para dentro do solo. Até a própria superfície começaria a ser engolida.

Isso realmente acontece com as estrelas gigantes, bem maiores que o Sol, quando elas morrem. Uma estrela gigante só se mantém de pé porque a energia liberada pela fusão de átomos no seu centro compensa a gravidade. Quando acaba o combustível, acaba a festa.

A bola que um dia foi uma estrela vai diminuindo de tamanho e fica cada vez mais densa. A força gravitacional também se concentra, puxando ainda mais a matéria para o centro da bola. É um astro esmagado pela própria gravidade, esmagado até o ponto em que não mais o que esmagar. Ele não deixa de existir, mas se torna um ponto desprovido de largura, altura ou comprimento. Uma singularidade. Além daí, a ciência não consegue enxergar – até porque a luz é engolida pelo buraco negro. Não dá para saber o que acontece no centro do dito cujo. Até porque não acontece nada.

Perguntar isso é tão absurdo quanto questionar o que havia antes do Big Bang. Por causa do seguinte: grosso modo, quanto maior é a gravidade, menor é a velocidade com que o tempo passa para você. E no buraco negro a gravidade é infinita. Se você pudesse ficar ao lado de um buraco negro sem ser estraçalhado, um segundo ali equivaleria a zilhões de anos para quem ficou na Terra. Caso você entrasse em um e pudesse sair, veria que, lá fora, o Universo já teria acabado, mesmo que tivesse durado para sempre. Um buraco negro é o fim do tempo. Olhe para o céu e fite o centro da galáxia, onde vive mesmo um buraco negro gigante. Você estará vendo um ponto onde o tempo não existe mais.

A semelhança entre o interior de um buraco negro e o Big Bang é tão violenta que qualquer criança se sentiria tentada a dizer que, no fundo, eles são a mesma coisa. Alguns físicos também. É o caso de Lee Smolin, do Perimeter Institute, no Canadá. Diante de tantas coincidências, ele propôs o seguinte no final dos anos 90: que a singularidade de onde viemos era nada menos que a singularidade de um buraco negro de outro Universo. O Big Bang foi o começo do tempo e do espaço, certo? No interior de um buraco negro o tempo e o espaço acabam. A ideia de Smolin, então, é que estamos do outro lado de um buraco que existe em outro Universo. Sendo assim, nosso Cosmos tem um pai, um avô… E filhos, nascidos de seus próprios buracos negros.

Segundo Smolin, os universos-filho herdam as características cosmológicas dos universos-pai, mas com pequenas variações. Ele não tirou isso da imaginação, mas da Teoria da Evolução. Darwin mostrou que seres vivos nascem com mutações que podem melhorar ou piorar suas chances de deixar descendentes. Essas variações podem fazer surgir mais buracos negros ou menos dentro do universo-filho. Nisso, os universos mais aptos – ou seja, os que criam mais buracos negros – se reproduzem mais. E compõem a maior parte da população de universos.

Se Smolin estiver certo, quem olhasse esse conjunto de Universos do lado de fora veria uma grande árvore da vida. Uma boa teoria para o que havia antes do Big Bang. Mas ela não responde o que teria dado origem ao suposto “primeiro universo”. Para isso, temos que ir mais longe. Ao item 2.

(Atypeek/iStock)

2. Choque de titãs

Com vocês, a Teoria das Supercordas. Resumindo bem, ela diz o seguinte: todas as partículas fundamentais – as indivisíveis, menores que um átomo – são, na verdade, cordinhas vibrantes. Se vibram em um certo “tom”, dão origem a um tipo de partícula – um elétron, por exemplo. Em outro tom, geram um quark… (que compõe os prótons e nêutrons). E por aí vai. Até compor o punhado de partículas que forma todo tipo de matéria e energia que há por aí.

Para que isso aconteça, segundo a teoria, as cordas precisam vibrar em mais dimensões do que as 3 de espaço que conhecemos, caso contrário não atingem os tons que eles imaginam. E esse é o ponto: a teoria das cordas abre as portas para dimensões extras. No finalzinho do século 20, cientistas partidários da teoria propuseram um novo modelo para o Big Bang com base nessa ideia de outras dimensões.

Funciona assim: antes da grande explosão, o que havia eram espaços tridimensionais vagando sem nada dentro numa 4ª dimensão. Para conceber esses espaços, imagine dados. Esses dados vivem uns ao lado dos outros, no condomínio tranquilo da 4ª dimensão. Ninguém interfere na vida de ninguém, já que todos têm seu espaço tridimensional próprio. (cada um no seu cubo, hehe). Mas, de tempos em tempos, acontece um evento de dimensões cósmicas: esses espaços se trombam. A batida enche de energia o ponto da colisão. E ele explode em todas as direções dentro de uma das membranas 3D. Seria basicamente o que conhecemos como Big Bang.

Mas nesse caso ele não teria vindo do nada. Seria o filhote de um choque de titãs cósmicos. Isso torna a origem de tudo um evento tão banal quanto um tropeção, possível de acontecer a qualquer momento. O problema: comprovar a existência das dimensões extras é hoje tão impossível quanto saber o que acontece dentro de um buraco negro. Como diz o físico Paul Davies: “Talvez os teóricos das cordas tenham tropeçado no Santo Graal da ciência. Mas talvez eles estejam todos perdidos para sempre na Terra do Nunca”. Hora de ir para uma terra ainda mais misteriosa.

(Atypeek/iStock)

3. País das maravilhas

Há chances de um evento bizarro acontecer neste momento: seu celular atravessar o seu crânio. Isso é uma afirmação séria, da teoria científica mais comprovada – e mais difícil de entender – de todos os tempos: a física quântica. Apesar de ostentar o título de teoria mais esquisita e anti-intuitiva já concebida pela ciência, a física quântica ganha em exatidão de qualquer outra.

Se o objetivo é descrever o comportamento de uma quantidade ridiculamente grande de partículas subatômicas fervilhando freneticamente a uma temperatura 10 trilhões de trilhões de vezes superior à do Sol, é quase impossível não usá-la. Ela funciona como uma espécie de superzoom em espaços menores que o núcleo de um átomo.

Pena que, às vezes, a teoria quântica tem um efeito tão devastador quanto uma câmera de alta definição em um rosto cheio de rugas: revela todos os detalhes “deselegantes” que se escondem no interior da matéria. No mundo quântico, partículas surgem do nada e desaparecem. Esse micromundo é oscilante, assimétrico, caótico, descontínuo, imprevisível. Uma terra sem lei. Ou melhor, uma terra com uma única lei: a da probabilidade.

Por isso, existe uma probabilidade não apenas do celular atravessar sua cabeça mas de qualquer coisa acontecer. Um elefante aparecer na sua cozinha, por exemplo. Elefantes só não se materializam em cozinhas porque os efeitos quânticos acabam diluídos no mundo macroscópico. Muitas partículas teriam que surgir do nada, e em sincronia, para formar um elefante! É algo tão improvável que não merece consideração.

Mas imagine o seguinte: o Universo inteiro é um megacassino onde cada partícula subatômica é uma roleta girando. Para ganhar algo no cassino, é preciso que, em um pedacinho do Cosmos, todas as roletas – e haja roleta: há 10000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 partículas no Universo observável – tirem o mesmo número.

Completamente impossível, não? A resposta seria sim, não fosse um detalhe importante: estamos tratando de escalas de tempo bem maiores que os 13,7 bilhões de anos do nosso Universo. Segundo os teóricos da física quântica, dependendo do tempo que se passa jogando, é possível que o resultado das roletas da flutuação quântica gere algo surreal: uma bolha de matéria e espaço que se expande rapidamente até se desprender do tecido original.

Ou seja, acontece um Big Bang. Se as roletas quânticas derem sorte no novo Universo, nasce outro dentro dele. E assim, basicamente ao acaso, vão pipocando Universos, cada um confinado às próprias dimensões de tempo e espaço. Tudo isso soa esquizofrênico, é fato. Como assim partículas que somem, reaparecem e oscilam sem parar? O que causa isso nelas? Com a palavra, o físico David Deutsche: “Infinitos universos paralelos”.

Segundo ele, a interação com partículas de outros Universos na escala subatômica é a única explicação plausível para a espécie de chilique eterno que assola o mundo quântico. O que havia antes do chilique? Deutsche não arrisca uma resposta. O que ele e outros físicos fazem é buscar sentido para a ideia dos Universos paralelos. E chegaram a uma hipótese insana: a de que vivemos neles.

Assim: neste Universo você continuará lendo este texto daqui a um minuto. Num Universo paralelo, você achará melhor ir tomar um café. Aí, no momento que você decide se vai se levantar ou continuar lendo, sua consciência vai para o Universo que contém a realidade escolhida. Uau. Bom, só esperamos que, em algum lugar, exista um Universo com a resposta definitiva para o que havia antes do Big Bang. Mas cuidado: ela pode ser aterradora também. Como a do item 4.

(Atypeek/iStock)

4. Uma máquina

O Universo tem prazo de validade. Em alguns trilhões de anos, todas as estrelas vão ter se apagado. E tudo será um breu. Isso coloca uma questão: o que nossos descendentes vão fazer para escapar desse fim? A única resposta: construir um novo Universo, artificial. Uma simulação estilo Matrix, em outro tempo e outro espaço. Mas espera aí: e se já estivermos num Universo artificial agora?

É que de duas uma: ou somos a primeira civilização inteligente e vamos construir nosso simulador de Universo um dia ou já estamos em um, feito em algum Cosmos que precedeu o nosso. “A probabilidade de estarmos vivendo dentro de uma simulação é próxima de 100%”, diz o filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford. Mas fica o conselho dele: “Qualquer um que mude a vida por causa disso se tornará um maluco solitário”. Tão maluco e solitário quanto este sujeito, o nosso Universo.

Para saber mais

Mundos Paralelos
Mitchio Kaku, editora Rocco, 2009.

O Tecido do Cosmos
Brian Greene, editora Companhia das Letras, 2007.


Superinteressante

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