A ufologia saiu de moda. Mas os “especialistas” na área seguem a todo vapor com sua pseudociência – e agora tentam pegar carona na ciência real
Por Guilherme Eler
(Mauricio Planel/Superinteressante)
Ostentando um penteado um pouco menos rebelde que de costume, o suíço veio ao Brasil no final de 2018 como uma das atrações internacionais de uma série de encontros ufológicos. Dividindo palco com o pioneiro e também suíço Erich von Däniken, ele pretendia tratar de algo sério. Sua missão era provar mais uma vez, a um público talvez tão certo daquilo quanto ele próprio, que, sim, os deuses cultuados por povos antigos só podiam ser de outro planeta. E que acreditar nisso não era sinônimo de negar a ciência – ou, de forma ainda mais absurda, duvidar do formato da Terra.
A fala inicial do convidado, que sutilmente tentava tirar a busca por aliens do balaio das teorias conspiratórias, era tudo, menos despropositada. Isso porque, historicamente, a ufologia sempre seguiu uma linha, digamos, alternativa, para propor suas verdades. Semelhantemente àqueles que juram acreditar em uma Terra achatada e dispensam qualquer tipo de argumento racional, ufólogos costumam tentar destronar fatos já bem estabelecidos na história da ciência – como se todos os cientistas da história tivessem fechado um complô para esconder algum segredo.
Não é exagero dizer que o responsável por popularizar essa linha pensamento foi o best-seller Eram os deuses Astronautas?, publicado em 1968. Assinada por Von Däniken, a obra lançava luz sobre a investigação de obras megalíticas e sítios arqueológicos, defendendo que olhar para as civilizações antigas implica encontrar artefatos, inscrições e técnicas de trabalho que não deveriam estar ali. Seguindo essa lógica, a humanidade só teria conseguido chegar aonde chegou com uma mãozinha amiga dos aliens. É o mesmo discurso que serve de base, até hoje, à consagrada série de TV a cabo Alienígenas do Passado, que estreou em 2010 e revelou ao mundo Giorgios Tsoukalos, seu apresentador.
O problema é que não só os próprios resquícios de aliens pareciam restritos ao passado, como a própria ufologia se tornou algo “do passado”. Décadas atrás, aliens e OVNIs tinham tanto apelo popular que papos sobre discos voadores valiam até para almoço de família. Não faltava quem dissesse já ter visto alguma coisa. A moda, porém, passou, e escancarou uma certa crise de representatividade.
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Quando as ideias de Von Däniken despontaram, era mais fácil acreditar em testemunhos de quem dizia ter visto naves alienígenas. Ninguém andava com câmeras fotográficas na mão o tempo todo. Jamais haveria a cobrança por uma selfie com disco voador reluzente atrás.
Hoje, que basicamente toda a população mundial anda com uma filmadora de alta resolução no bolso, um relato precisa de boas imagens para soar legítimo. E a humanidade segue tão sem imagens críveis quando em 1970. Isso desanima até os mais abertos à ideia de que somos visitados o tempo todo por seres de outros planetas.
O discurso de que as pirâmides do Egito ou os moais da Ilha de Páscoa foram construídos por uma tecnologia superior também não cola mais como antes. Muito graças ao crescimento da divulgação científica, que foi capaz de popularizar o fato de que, sim, pirâmides e estátuas gigantes são obras de humanos engenhosos trabalhando com ferramentas simples.
Os ufólogos, de qualquer forma, são como os brasileiros daquela campanha publicitária da década passada: “não desistem nunca”. E agora o jeito é se aproximar da ciência propriamente dita, numa tentativa de sugar um pouco da credibilidade dela. Vejamos como.
Marcas do que se foi
(Mauricio Planel/Superinteressante)
Foi por conta de uma tentativa do tipo que nós, da SUPER, nos misturamos ao público que assistia às falas da dupla Tsoukalos e Von Däniken. O convite à imprensa para o evento era categórico em destacar o mais novo trunfo do portfólio mundial de evidências ufológicas. Não se tratava de reinterpretações sobre monumentos da Antiguidade ou mais relatos de gente que diz ter sido abduzida. A estrela do convite era um fato da ciência: o asteroide Oumuamua, que tem a curiosa aparência de charuto e mais de 400 metros de comprimento. Detectado por um telescópio do Havaí em outubro de 2017, ele é o primeiro asteroide vindo de fora do Sistema Solar detectado pela astronomia.
A descoberta havia ganhado novos contornos um ano após o Oumuamua dar as caras. Tudo graças a um artigo científico de pesquisadores da Universidade Harvard, que tentava explicar a natureza estranha do objeto interestelar. Em meio a argumentos razoáveis que justificavam sua rota pouco comum e a aceleração altíssima da rocha espacial, o artigo gasta duas linhas descrevendo o que chamam de “cenário mais exótico”: o tal charuto poderia ser nada menos que uma sonda alienígena. Pronto. Estava incorporada uma nova “evidência” ufológica.
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O caso ajuda a entender por que a ufologia tem dificuldade de se aproximar de uma abordagem realmente científica. Em vez de buscar hipóteses e questionar as evidências, até as que sejam supostas em grandes universidades do mundo, o caminho que costuma ser escolhido é o de assimilar conclusões mais convenientes à tese da vida alienígena.
(Mauricio Planel/Superinteressante)
Isso não significa afirmar que não existe vida fora da Terra. A maior possibilidade é de que haja, sim. Os ingredientes para a formação da vida, como água líquida e moléculas de carbono, são abundantes Universo afora. E a ciência estima que haja bilhões de planetas parecidos com a Terra no Universo observável – um deles, inclusive, orbita a estrela que fica mais perto do Sistema Solar, Proxima-Centauri, a meros 4,5 anos luz daqui – o centro da Via Láctea, para dar uma ideia, fica a 27 mil anos-luz; Andrômeda, nossa galáxia vizinha, a 2,5 milhões de anos-luz.
Logo, é insano defender que a vida surgiu uma única vez no cosmos, por mais que nunca tenhamos tido sinal dela. Como escreveu Carl Sagan: “Ausência de evidência não significa evidência de ausência”. Com essa frase, o astrônomo basicamente resolve o assunto. A vida lá fora é extremamente provável. Mas um fato não muda: jamais houve qualquer evidência de visitas de alienígenas à terra. Logo, insano é achar que o planeta segue sendo visitado, e pior: que eles estão mancomunados com líderes mundiais, que guardam tudo em segredo há décadas.
Por paradoxal que essa afirmação pareça, o fato é que a existência de vida fora da Terra nem é tão importante assim para a ufologia. “O que interessa aos ufólogos, como comunidade, é descrever os modos de atuação [dos eventuais alienígenas] e apresentar as suas teses sobre as relações desses seres com forças políticas ocultas terrestres”, diz Rafael Antunes Almeida, pesquisador na área de antropologia da ciência e autor da tese “Objetos intangíveis: ufologia, ciência e segredo”, pela UnB (Universidade Federal de Brasília)*.
No fim, a ufologia precisa do mistério para existir na forma como existe hoje. Almeida completa: “A ideia de que o segredo é uma força constitutiva da ufologia certa vez foi resumida por um entrevistado durante minha pesquisa de campo. Ele me disse algo como: ‘se um contato aberto [com vida inteligente de fora da Terra] acontecer algum dia, a ufologia acaba”’.
*você pode ler a entrevista na íntegra clicando neste link.
Superinteressante
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