Polícia Federal apreendeu 761 kg de cocaína e 130 kg de maconha em Salvador em 2014Imagem: Edilson Lima/Agência A Tarde/Estadão Conteúdo
Leandro Prazeres
Do UOL, em Brasília
30/05/2019 16h28Atualizada em 30/05/2019 16h28
Às vésperas do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode descriminalizar a posse, o porte e o plantio de drogas para consumo pessoal no país, integrantes da cúpula e da base da Polícia Federal ouvidos pela reportagem estão apreensivos.
O temor dos entrevistados é que, a depender da decisão dos ministros, uma eventual descriminalização das drogas possa criar um cenário de "caos" no combate ao narcotráfico devido ao possível aumento na demanda. O julgamento estava previsto para ser retomado no dia 5 de junho, mas, segundo o jornal O Globo, foi retirado da pauta e está sem data para voltar a ser discutido.
O reinício do julgamento havia sido anunciado na semana passada pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Os ministros vão continuar a julgar um recurso movido por um detento de São Paulo que foi flagrado na cadeia com três gramas de maconha e que foi condenado a dois meses de serviços comunitários.
Em 2015, quando o recurso começou a ser julgado, três ministros votaram a favor da descriminalização do porte da maconha, ainda que com alguns limites e diferenças entre os votos: Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e o relator do caso, Gilmar Mendes. Ainda falta a manifestação de oito ministros.
Segundo um integrante da cúpula da PF, no entanto, o sentimento dentro da instituição é de apreensão.
"A gente está apreensivo porque o Brasil não está preparado para isso. Temos mais de 16 mil quilômetros de fronteira com os maiores produtores de drogas do mundo. A descriminalização vai criar um caos no Brasil. Vai deixar o crime organizado ainda mais forte", afirmou o delegado, que é especialista no combate ao tráfico de drogas e conversou com a reportagem sob a condição de anonimato.
Ele disse que não há nenhum estudo pronto ou em andamento com um cenário sobre a atuação da PF em um contexto em que as drogas estejam descriminalizadas no Brasil.
"As pessoas defendem a descriminalização e citam as experiências do Uruguai e da Holanda, mas em nenhum desses dois lugares a experiência foi bem-sucedida. O Uruguai, hoje, vem sofrendo bastante com o aumento da violência", disse a mesma fonte, citando dois países em que a maconha foi descriminalizada.
No Uruguai, por exemplo, a taxa de homicídios aumentou 66% no primeiro semestre de 2018 em relação ao mesmo período de 2017, ano em que a regulamentação da venda da maconha entrou em vigor. Estima-se que o aumento da violência no país vizinho se deu por conta de disputas entre traficantes que concorrem em um mercado negro que ficou menor após a legalização da maconha.
Um estudo, divulgado 2017 e produzido pelo Instituto de Altos Estudos de Segurança e Justiça do Observatório Francês de Drogas e Toxicomania, analisou a experiência sobre a legalização da maconha em estados norte-americanos e no Uruguai.
Em relação aos estados norte-americanos que adotaram essa medida, indica que a legalização da maconha para não estimulou o uso da droga entre os mais jovens. Entretanto, apontou aumento no consumo entre os adultos, especialmente entre os com mais de 25 anos de idade.
No Uruguai, o levantamento apontou que, após a descriminalização da maconha, houve aumento no uso da droga inclusive entre os mais jovens. Os responsáveis pelo estudo afirmam, no entanto, que as análises foram feitas antes de a venda de maconha por meio de farmácias ter entrado em vigor. Um aprofundamento sobre o impacto da política só poderia ser feito depois disso.
Incerteza aumenta tensão
Um dos pontos de que causam maior apreensão entre os policiais federais ouvidos é a falta de clareza sobre de que forma a descriminalização se daria.
Os votos dados pelos ministros até o momento divergem quanto à maneira como isso aconteceria. Barroso, por exemplo, sugeriu uma dosagem para configurar o porte para consumo pessoal: 25 gramas da droga por indivíduo.
Gilmar Mendes votou pela descriminalização de qualquer droga e não estipulou dosagens para configurar o consumo pessoal.
Outro delegado ouvido pela reportagem diz acreditar que uma eventual descriminalização das drogas não vai diminuir o poder do crime organizado. Ele cita com exemplo o caso do cigarro, cujo contrabando hoje, segundo ele, alimenta as finanças dos criminosos. "Descriminalizar não vai acabar com o tráfico", afirmou.
Um estudo divulgado em 2010 e produzido pelo Cato Institute, um centro de pesquisas liberal norte-americano, analisou os impactos econômicos de políticas mais tolerantes em relação às drogas nos Estados Unidos.
O levantamento, conduzido pelos pesquisadores Jeffrey Miron e Katherine Waldock, afirma que a legalização das drogas não alteraria a demanda por elas.
Aponta ainda que "qualquer aumento na demanda como resultado da legalização, no entanto, viria dos usuários casuais [de drogas], uma vez que a maioria dos usuários intensivos de drogas já está consumindo a despeito da proibição".
Temor por interferência do Judiciário no Legislativo
Além das críticas ao suposto aumento do tráfico depois da descriminalização das drogas, as fontes ouvidas pela reportagem criticaram a atuação do STF sobre uma matéria que, na avaliação delas, deveria estar sendo discutida no Congresso Nacional.
"O STF pode acabar, mais uma vez, decidindo contra a avaliação da população brasileira e ignorando o Parlamento. Isso é muito grave. Não sei onde querem chegar desse jeito", afirmou um dos delegados ouvidos pela reportagem.
Um terceiro policial com amplo trânsito junto à categoria também mencionou à reportagem o que considera uma extrapolação das funções do STF. "A gente lamenta que, mais uma vez, o STF atue em matérias penais dessa forma, legislando. Isso vai contra a separação dos Poderes", disse.
Descriminalização vai na contramão do governo
Uma eventual descriminalização da maconha ou de outras drogas iria na contramão das políticas adotadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro(PSL).
Internamente, a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), vinculada ao MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública), vem reafirmando que a posição do governo é de combate às drogas e ao tráfico seguindo a orientação de reduzir a oferta.
Procurada, a secretaria disse que não vai se pronunciar sobre o julgamento e que vai cumprir o que o STF decidir. Oficialmente, a PF também não fala sobre o assunto. Por email, o órgão disse que não emite posicionamentos sobre possíveis decisões judiciais.
No Brasil, dados divulgados no final de 2017 pelo governo federal apontavam que 28% da população carcerária havia sido condenada ou aguardava julgamento por crimes relacionados ao tráfico de drogas ou à associação para o tráfico. Especialistas apontam falhas na legislação brasileira e criticam a atual lei de drogas, questionada no STF. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) fez um estudo ao custo de R$ 7 milhões, que envolveu 7.000 entrevistas e quase 400 pesquisadores, e está engavetado.
O ministro da Cidadania, Osmar Terra, vem contestando em entrevistas os resultados do estudo, que deveriam ter sido divulgados em 2017. Ao Globo, disse que "infelizmente, na área de pesquisa sobre drogas, [a Fiocruz] é um grupo totalmente comprometido com a liberação, que quer mostrar que não tem epidemia". Essa seria uma das conclusões do estudo, ainda inédito.
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