Um novo estudo aponta que o desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres se perpetua no mundo desde os anos 1970. Em países asiáticos famílias dão prioridade ao nascimento de bebês do sexo masculino.
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Estudo aponta que desde os anos 70 mais de 23 milhões de meninas deixaram de nascer por causa de abortos seletivos — Foto: Kevin Gent/Unsplash
Um novo estudo aponta que o desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres se perpetua no mundo desde os anos 1970. A principal causa é o aborto seletivo em países asiáticos, onde as famílias dão prioridade ao nascimento de bebês do sexo masculino.
A preferência das famílias por filhos homens fez com que 23,1 milhões de mulheres deixassem de nascer nos últimos 50 anos. Essa é a conclusão de um estudo realizado na Universidade Nacional de Singapura, publicado neste mês pela revista “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS).
A equipe dirigida pela pesquisadora Fengqing Chao contabilizou as diferenças entre o número de nascimentos de homens e mulheres no mundo, comparando-os às médias de referência. No total, doze países são responsáveis por milhões de abortos seletivos.
As nações onde o fenômeno é mais frequente são a China e a Índia, onde deixaram de nascer, respectivamente 11,9 milhões e 10,6 milhões de mulheres, segundo o estudo da Universidade Nacional de Singapura, que listou e comparou estatísticas de 1970 a 2017. Considerando que esses dois países concentram 38% da população mundial e um terço dos nascimentos no planeta, eles são os principais responsáveis pelo desequilíbrio demográfico.
Depois de China e a Índia, chegam Vietnã, onde 254 mil mulheres deixaram de nascer, Coreia do Sul (155 mil), Azerbaijão (72 mil) e Taiwan (47 mil). Eles são seguidos por Tunísia (37 mil), Armênia (19 mil), Geórgia (12 mil), Albânia (11 mil), Hong Kong (7 mil) e Montenegro (2 mil).
Popularização de métodos para descobrir o sexo dos bebês
Para Christophe Z. Guilmoto, pesquisador em demografia no Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento da França (IRD), esse número seria ainda maior e cerca de 45 milhões de mulheres podem ter deixado de nascer desde os anos 1970. Segundo ele, a tendência começa a ser observada com a popularização da amniocentese – coleta do líquido amniótico – seguida pelo desenvolvimento da ecografia, nos anos 1970, métodos para descobrir o sexo dos bebês durante a gravidez.
À RFI, o especialista explicou que o nascimento de homens e mulheres no mundo segue uma regra biológica estável há milhares de anos. “Na maior parte do mundo, 105 meninos nascem a cada 100 meninas, em média. A principal exceção acontece na África, onde, em média, 103 meninos nascem a cada 100 meninas. Por isso sabemos que, desde que há uma diferença, acontece algo que não pode ser justificado por fenômenos naturais ou biológicos”, afirma.
É o que mostra o estudo coordenado por Fengqing Chao. Através de estatísticas, a pesquisa prova que doze países recorrem a abortos seletivos de bebês meninas, sobretudo nações onde há controle de natalidade. No caso da Coreia do Sul e de Taiwan, estudos demográficos mostram que, nos casais que têm mais de um filho, bebês do sexo feminino só podem nascer caso já tenham um irmão do sexo masculino. As famílias desses países onde esse desequilíbrio demográfico foi verificado têm preferência por filhos homens.
Consequências morais e práticas
Para Guilmoto, há duas principais perspectivas em relação ao fenômeno. A primeira, segundo ele, é a manifestação de uma discriminação pré-natal e irreversível. “Na Europa, o fato de decidir deliberadamente que meninas não podem nascer é visto como um ataque aos direitos das mulheres de virem ao mundo e à igualdade de sexos”, observa.
Na prática, os abortos seletivos têm consequência para os países onde são praticados, já que os homens estarão em maior quantidade que as mulheres e não poderão formar família. “Há um risco de frustração social com uma população masculina que será superior de 5% a 10% em algumas regiões. Ou seja, o sistema matrimonial será diretamente afetado”, reitera.
O fenômeno é irreversível, “a menos que haja movimentos migratórios, mas, nesse caso, muito grandes” para corrigir a diferença.
Por outro lado, o especialista avalia que a sociedade pode se ajustar. “Os homens indianos podem se casar com mulheres do Nepal ou de Bangladesh. Ou os homens chineses podem imigrar e se casar na Europa. Outra solução ainda é considerar que esses indivíduos não se casarão e ficarão solteiros, o que nem sempre é bem visto nas sociedades asiáticas tradicionais”, afirma.
Equilíbrio demográfico no Brasil
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), realizado em 2017 no Brasil, o número de mulheres é superior no país. O país conta atualmente com quase 208 milhões de habitantes: as brasileiras representam 51,6% da população contra 48,4% de brasileiros.
Entretanto, entre as faixas etárias, o equilíbrio corrige a diferença. Até os 24 anos de idade, ela chega a ser inversa, com 18,6% de homens e 17,8% de mulheres. O maior desequilíbrio está a partir dos 60 anos de idade, quando os homens são 6,4% e as mulheres representam 8,2% da população, devido à maior expectativa de vida das brasileiras.
Guilmoto também observa que em toda a América Latina não há uma preferência acentuada por um sexo específico. A prática de abortos seletivos não é realizada na região “por um lado, porque a interrupção voluntária da gravidez é proibida por lei na maioria dos países da América Latina, mas principalmente porque não há uma preferência por bebês meninos”.
O pesquisador lembra que, apesar de as mulheres latino-americanas serem discriminadas por um sistema tradicionalmente patriarcal, “o machismo na América Latina não chega a influenciar a preferência de bebês por sexo”. O que é um ponto positivo na demografia em relação à Ásia.
“Nos países asiáticos também há discriminação das mulheres na sociedade, mas, além disso, há essa prioridade das famílias ao nascimento de meninos”, conclui.
RFI e G1
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