quarta-feira, 27 de março de 2019

Aspectos de relevante historicidade referentes à Contrarrevolução de 31 de Março de 1964 | Clic Noticias

(excertos do final da matéria “O Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964”, de autoria do Coronel Reformado de Infantaria e Estado-Maior, Manoel Soriano Neto, publicada em “Pensamento Brasileiro, Reflexões, Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964 – Ensaios 11”, em 2014, pelo Clube de Aeronáutica).
a) Como arremate deste longo Estudo, apresentaremos, de forma sintética, uma fidedigna recorrência histórica, em interconexão cronológica, de alguns aspectos por nós julgados de relevância, máxime os ocorridos em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, aonde se deram a gênese e o epílogo do glorioso Movimento Revolucionário de 1964. Não foi nosso escopo, a abordagem minudente de fatos acontecidos por ocasião das operações militares. Isto está narrado, nos mínimos detalhes, nos Registros Históricos Anuais das Organizações Militares do Exército, partícipes da Revolução Redentora, referentes a 1964 e aos anos que o antecederam e sucederam. Tais Registros (que são as principais e mais fidedignas fontes, pois primárias!) eram custodiados pelo Centro de Documentação do Exército, em Brasília, até à sua recente e infeliz desativação, e cujo precioso acervo foi enviado para o Rio de Janeiro. Os episódios mais emblemáticos também estão descritos em muitos livros, revistas, internet e jornais (como nas primorosas edições históricas anuais do “Jornal Inconfidência”, de Belo Horizonte) e, principalmente, na coletânea “História Oral do Exército”, de título: “1964 – 31 de Março. O Movimento e sua História”, publicada pela Biblioteca do Exército, já no seu 13°(!) tomo. Outrossim, não foi nosso desiderato o resgate histórico da marcante participação de tantos patriotas, militares e civis, que contribuíram, decisivamente, para o êxito da “Arrancada Democrática de 1964”, eis que quase tudo já foi desvelado por uma vasta bibliografia (muitas vezes distorcida, desgraçadamente, por canhestras interpretações ideológicas, diga-se) e que pode ser compulsada por historiadores, cientistas sociais, analistas, etc., com isenção e percuciência científica. Mas gostaríamos, sim, de recordar fatos pouco explorados, a nosso entender.
b) Inicialmente, registre-se que a Revolução foi deflagrada no dia 30 de março (e não 31) de 1964, em Belo Horizonte (MG) pelo governador José de Magalhães Pinto (que já no dia 20 de março, havia lançado, em cadeia de rádio e televisão, um Manifesto contra o governo de João Goulart), em uma reunião iniciada às 10h e encerrada às 13h30, na casa do Secretário do Interior, Oswaldo Pierucetti, que contou com a presença do secretariado do governo mineiro, do general Carlos Luís Guedes, comandante da Infantaria Divisionária da 4ª Divisão de Infantaria, e do coronel José Geraldo de Oliveira, comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais. O estado, a partir daquele memorável encontro, declarou-se desligado da União, até que o presidente da República fosse substituído. Em seu livro “Tinha que Ser Minas” (Editora Nova Fronteira S/A, RJ, 1979), afirma o general Guedes, no capítulo da página 202, de título histórico, “30 e Não 31 de Março de 1964”, o que se segue: “Nesta hora (14 horas) de 30 de março de 1964, que rigorosamente marca o início da Revolução Mineira, dei-lhes ciência [referia-se a seus oficiais da ID/4] do Movimento que estava eclodindo, com as seguintes palavras: Minas está rebelada, com a minha concordância e integral apoio; a partir deste momento nos desligamos do Governo Federal e passamos a constituir Força Autônoma, integrada na Revolução; não nos conformamos em assistir, passivamente, ao desenrolar dos acontecimentos, que, fatalmente, nos levarão à anarquia e ao caos” (o grifo é nosso). Aduza-se que desde a tarde daquele dia, foi executada, em todo o estado, pelas Polícias Militar (há dias com os seus batalhões completamente mobilizados e aquartelados, num efetivo total de 18.000 homens) e Civil e pela Guarda Civil de Belo Horizonte, tudo em combinação com a 2ª Seção da ID/4, uma megaoperação, a “Operação Gaiola”, que prendeu inúmeros subversivos, ocupou sedes de partidos políticos, sindicatos, etc. Ademais, as fronteiras (divisas) com os outros estados foram bloqueadas por contingentes da PMMG, que também passaram a controlar, rigorosamente, por meio de barreiras policiais, os principais eixos rodoviários e ferroviários e ocuparam pontos sensíveis, como as represas de Furnas e Três Mariascentrais de abastecimento de água, todos os postos de gasolina, casas de armas e munições, bancos, prédios públicos, etc. Concomitantemente, foi posta em execução a “Operação Silêncio”, com a ocupação do Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), da Central Telefônica Brasileira (CTB), de jornais, de emissoras de rádio e televisão, etc., impondo-se rígida censura a todas as mídias. Tais preliminares e eficazes providências, de cunho policial, que foram adrede e muito bem planejadas (!), garantiram a completa segurança das ações militares posteriormente desencadeadas. Consigne-se, ainda, que naquela data se iniciou, em Belo Horizonte, a mobilização civil, ao encargo do general da reserva José Lopes Bragança, irmão do desafortunado tenente Benedicto Lopes Bragança, assassinado, brutal e covardemente, quando da Intentona Comunista, em 27 de novembro de 1935, na Escola de Aviação Militar, no Rio de Janeiro (após o primeiro dia de mobilização, o número de voluntários já ultrapassava a casa dos 10.000). Em suma: Minas Gerais estava sublevada. Mas o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Divisão de Infantaria, com sede em Juiz de Fora, não participou nem teve conhecimento prévio a respeito da reunião de 30 de março e o decorrente “Manifesto de Minas”, o que o deixou furioso com o governador e com o general Guedes, seu subordinado, o que ele narra com riqueza de detalhes em seu livro “Memórias: A Verdade de um Revolucionário”, publicado em 1978, após a sua morte, por L & PM Editores, Porto Alegre. Entretanto, 15 horas e meia depois da histórica reunião de Belo Horizonte, ou seja, às 5h, de 31 de março, este general decidiu partir em direção ao estado da Guanabara (onde se encontravam o presidente João Goulart e o seu governicho filocomunista, instalados no Palácio Guanabara), constituindo, para tal, o “Destacamento Tiradentes”.
Como conclusão preliminar, que fique muito claro que a Revolução eclodiu em 30 de Março de 1964, sendo o governador José de Magalhães Pinto, o seu grande líder civil, que contou com o imediato e decisivo apoio do comandante da ID/4, general Carlos Luís Guedes e do comandante-geral da PMMG, coronel José Geraldo de Oliveira. O chefe militar foi o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar/4ª Divisão de Infantaria, secundado pelo general Antônio Carlos da Silva Muricy (comandante do “Destacamento Tiradentes”), cujo chefe de Estado-Maior era o tenente-coronel Walter Pires de Carvalho e Albuquerque, futuro ministro do Exército.
c) As tropas do supracitado “Destacamento Tiradentes” (integrado por Unidades do Exército e por dois batalhões da PMMG) iniciaram o seu deslocamento às 12h30, de 31 de março, consoante o Boletim Especial de 9 de maio de 1964, “Relatório da Revolução Democrática iniciada pela 4ªRM/DI, em 31 de março de 1964” exarado pela dita Região Militar, constando às folhas 6, o que se segue: “Às 12h30, o 10° RI [sediado em Juiz de Fora] iniciou seu deslocamento para o Sul”, etc., etc. Aqui, uma curiosidade: por que “Destacamento Tiradentes”? O documento “Atividades do “Destacamento Tiradentes”, de 7 de abril de 1964, assinado pelo general Mourão Filho, contém, em sua primeira página, o seguinte: “ O Destacamento foi constituído por tropas da Guarnição Federal da 4ªRM-DI e da Polícia Militar de Minas Gerais e, como homenagem ao espírito que irmanava todos os seus integrantes, bem como a todos os mineiros, foi denominado de DESTACAMENTO TIRADENTES para simbolizar o ideal de “Libertas Quae Sera Tamen”.
O deslocamento se fez pela BR-3, de Juiz de Fora a Petrópolis; daí, até à Fábrica Nacional de Motores na Baixada Fluminense, e de lá, pela Avenida Brasil, para o Rio de Janeiro, tendo o Destacamento chegado naquela cidade, no dia 2 de abril, ficando acantonado no Estádio do Maracanã. Em 6 de abril, deu-se o retorno a Minas Gerais, eis que a Missão fora airosamente cumprida.
O Comandante do I Exército e ministro da Guerra interino (pois o ministro efetivo, general Jair Dantas Ribeiro, estava hospitalizado), general Armando de Moraes Ancora, deu ordens para que a 1ª Divisão de Infantaria, do Rio de Janeiro, ao comando do general Oromar Osório, tendo como comandante da Infantaria Divisionária, o general Cunha Melo, rumasse para Minas Gerais a fim de barrar o avanço das tropas mineiras. O encontro com a 1ª DI ocorreu nos arredores dos municípios fluminenses de Três Rios e Areal, na madrugada de 1° de abril. Mas não houve combate, pois às 5h daquele dia, a vanguarda da Divisão, constituída pelo tradicional e glorioso 1° Regimento de Infantaria – o Regimento Sampaio, partícipe da Guerra do Paraguai e da Segunda Guerra Mundial -, aderiu à causa revolucionária e passou, uno e coeso, para o lado do “Destacamento Tiradentes”, no que foi acompanhado por quase todas as tropas da referida 1ª DI. Não houve maiores problemas de cunho militar até à chegada ao Rio de Janeiro. O retorno a Minas, no dia 6 de abril, foi bastante auspicioso, sendo as tropas recebidas, apoteoticamente, por delirantes massas humanas, particularmente em Juiz de Fora, São João del Rei e Belo Horizonte.
Acrescente-se que no dia 2 de abril, o general Mourão Filho determinou a constituição de um Grupamento Tático, o GT/12, composto por tropas do Exército, com base no 12° RI (menos o 2° batalhão, integrante do “Destacamento Tiradentes”) e dois batalhões da PMMG, que se deslocou, naquele dia, de Belo Horizonte para Brasília, com a finalidade de consolidar a Revolução na Capital Federal. Tal Grupamento foi batizado de “Destacamento Caicó”, em alusão à terra natal do potiguar, coronel Dióscoro Gonçalves do Vale, comandante do 12° RI. O Destacamento, após o exitoso cumprimento da Missão, regressou a Minas Gerais, no dia 16 de abril.
d) Na madrugada de 1° de abril, o general Amaury Kruel, comandante do II Exército, com sede em São Paulo (SP), aderiu à Revolução e decidiu partir para a Guanabara, ao longo da BR-2 (Via Dutra). Às 2h30, este general manteve contato com o comandante da Academia Militar das Agulhas Negras, general Emílio Garrastazu Médici, informando-o da decisão tomada e solicitando a participação da AMAN no Movimento Revolucionário. O general Médici que já havia recebido meia hora antes, ou seja, às 2h, idêntica solicitação do general Arthur da Costa e Silva (que, no Rio de Janeiro, por ser o oficial-general do Alto Comando do Exército mais antigo dentre os que aderiram ao Movimento, se tornou ‘Ministro da Guerra Revolucionário’), respondeu ao general Kruel que a Academia se integraria à Revolução e garantiria a livre passagem do II Exército pela região de Resende, entre as cidades de Itatiaia e Barra Mansa. Às 8h30, do dia 1° de abril, a AMAN lançou uma Vanguarda, constituída pelo Corpo de Cadetes, para o estabelecimento, pelo Curso de Infantaria, de uma Posição Defensiva (PD) nas alturas do Km 120 da BR-2, na região de Barra Mansa, a fim de bloquear aquela via de acesso no sentido Rio-São Paulo. O comandante da Academia também emitiu uma vibrante Proclamação, que se tornou antológica, intitulada “Irmãos em Armas”, explicativa da memorável decisão de empregar, militarmente, os cadetes da AMAN.
Ainda na manhã do dia 1°, o comandante do I Exército e ministro da Guerra interino, general Armando de Moraes Ancora, determinou o deslocamento do Grupamento de Unidades Escola (GUEs), da Vila Militar do Rio de Janeiro, comandado pelo general Anfrísio da Rocha Lima, na direção de São Paulo, com a missão de conter a progressão do II Ex. O contato entre as tropas do GUEs e da AMAN foi estabelecido, mas não houve ações de guerra, principalmente em face de que aquela Grande Unidade teria de combater contra jovens e resolutos cadetes.
Às 18h (1° de abril de 1964), reuniram-se no gabinete do comandante da AMAN, os generais Ancora, Kruel e Médici, ficando decidido que todos deveriam se recolher a quartéis, pois a Revolução fora vitoriosa em todo o Brasil, à exceção do Sul do País (tal fato ocorreria somente em 3 de abril). Uma curiosidade: esses três oficiais-generais eram oriundos da Arma de Cavalaria, gaúchos, sendo os dois primeiros, da mesma Turma de 1921, da Escola Militar do Realengo, e ex-integrantes da FEB. Aduza-se que os cadetes foram empregados em combate, pela segunda vez na História Militar Brasileira, eis que, em 1935, a mencionada Escola Militar do Realengo, ao comando do ínclito coronel João Baptista Mascarenhas de Moraes, lutou contra o mesmo e solerte inimigo comunista (que perpetrara a hedionda Intentona Comunista), o qual, em 1964, 29 anos depois, por desgraça, também nos assolava.
Como corolário, é imperioso dizer-se que a AMAN estabeleceu uma Missão muito bem definida em sua Ordem de Operações, ‘in verbis’: “Empregar o Corpo de Cadetes para impedir o acesso das forças do I Exército à região de Resende até à chegada do II Exército”, passando, então, a ser a Vanguarda inicial do II Exército. Jamais foi sua finalidade separar dois Exércitos na iminência de um combate, como afirmam alguns, de forma completamente equivocada. A propósito, quando éramos professor/instrutor de História Militar na AMAN, em 1985, escrevemos uma monografia de título “A Participação da AMAN na Revolução de 31 de Março de 1964”, em que todos os eventos da atuação da Academia (referentes ao Comando, Corpo de Cadetes, Batalhão de Comando e Serviços, instrutores, professores, funcionários civis, etc) estão minuciosa e fartamente relatados/narrados, com base em fontes primárias e inúmeros depoimentos de diversos protagonistas.
e) Entretanto, como assinalado no item anterior, a situação ainda estava indefinida no Rio Grande do Sul. Em 31 de março, por decreto presidencial, o general Benjamin Rodrigues Galhardo, comandante do III Exército, foi nomeado chefe do Estado-Maior do Exército, em substituição ao general Humberto de Alencar Castello Branco, e o general Ladário Pereira Telles designado para o comando da 6ª Divisão de Infantaria (o general Adalberto Pereira dos Santos, em consequência, perdeu o comando desta Divisão). Em face disso, o general Ladário, por ser o mais antigo general de Divisão, teria de assumir o comando do III Ex. Tal comando lhe foi entregue na madrugada de 1° de abril, pelo general Galhardo, militar que traiu os seus comandados, pois afirmara, peremptoriamente, que não passaria o referido comando, “apagando o pavio na undécima hora”, como foi publicado na Imprensa do RS … Um fato digno de registro: o deputado federal Leonel Brizola passou a assessorar o novo comandante, sempre junto a ele, no quartel-general do III Ex. Esse deputado e muitos que lhe eram ligados, ainda quando ele era governador do estado, iniciaram, desde 1° de abril, uma pertinaz ação de pregação subversiva destinada aos quartéis e à população gaúcha. Tal ação se intensificou com a chegada de João Goulart a Porto Alegre (vindo de Brasília), às 4h30 de 2 de abril, acompanhado de seu chefe da Casa Militar, general Argemiro de Assis Brasil e outros. Leonel Brizola desejava resistir, tentando reeditar a “Campanha da Legalidade” que encetara três anos antes, utilizando-se de uma nova “Rede Nacional da Legalidade”. Para tanto, lançou, por emissoras de rádio e alto-falantes, várias proclamações aos sargentos, incentivando-os a tomar os quartéis e prender os oficiais “gorilas”; outrossim, promoveu um grande comício, ocorrido no Largo da Prefeitura, em Porto Alegre, na noite de 1° de abril. Brizola e o general Ladário desejavam resistir e, para isso, o general propôs a João Goulart que o nomeasse ministro da Guerra, e a Brizola, ministro da Justiça, o que não foi aceito por Jango. Em vista da incerteza reinante, com a presença na capital gaúcha, de Brizola, dos generais Ladário, Assis Brasil, Silvino da Nóbrega (comandante da 5ª Região Militar/Divisão de Infantaria), Chrysantho de Figueiredo (comandante da Infantaria Divisionária/5), além de que três Unidades de combate, do Exército, sediadas em Porto Alegre (cujo prefeito, Sereno Chaise, era aliado do governo federal) eram comandadas por oficiais sabidamente alinhados com Goulart, o governador, na manhã de 1° de abril, decidiu transferir a sede do governo para a cidade de Passo Fundo, instalando-o no quartel do 2° Batalhão da Brigada Militar do RS. Ainda em Porto Alegre, o engenheiro Ildo Meneghetti dirigiu-se a seus conterrâneos, por meio de uma emotiva e vibrante Proclamação, em que explicava as razões da mudança, afirmando em certo trecho: “Não cessará a nossa resistência, ela apenas começa”. A muito bem planejada e executada Operação de mudança do governo para Passo Fundo foi batizada de “Operação Farroupilha” e contou com o imprescindível apoio da Brigada Militar do RS (é como se denomina a Polícia Militar daquele estado). Também na tarde de 1° de abril, o general Adalberto Pereira dos Santos, comandante exonerado da 6ª Divisão de Infantaria, revoltado com a conduta traiçoeira do general Galhardo – que, repita-se, descumpriu compromisso anterior assumido, pois lhe declarara que não passaria o comando ao general Ladário -, decidiu permanecer no comando da 6ª DI, transferindo-o para a cidade de Cruz Alta e o sediando no quartel do antigo 17° RI. Acrescente-se que o general Galhardo, nomeado para a chefia do Estado-Maior do Exército, por causa da exoneração do general Humberto de Alencar Castello Branco, viajou de avião para o Rio de Janeiro, na noite de 1° de abril, após haver entregue, às 3h da manhã daquele dia, o comando do III Exército ao general Ladário.
Anote-se que a conjuntura no estado era bem diferente da vivida em 1961, quando da “Campanha da Legalidade”. O governador Meneghetti tinha o total apoio da Brigada Militar e da Polícia Civil, que tomaram, especialmente no dia 1° de abril, uma série de providências, como a execução da prisão dos principais líderes esquerdistas e a ocupação de pontos sensíveis, órgãos de comunicação de massa, etc., etc., como melhor detalharemos à frente. Aqui, façamos uma referência toda especial a dois personagens importantíssimos para que a Revolução alcançasse êxito nos pampas gaúchos. São eles: o Dr. Poty Medeiros, Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, e o coronel PM Otávio Frota, comandante-geral da Brigada Militar. Ambos, desde bem antes da deflagração do Movimento Revolucionário, vinham dando integral apoio ao governador do estado, em sua cruzada contra os comunistas. O Dr. Poty Medeiros em um minudente trabalho, de título “O Governo Meneghetti e a Revolução de 31 de Março”, publicado pelo “Diário de Notícias”, de 14 de abril de 1974, narra a desassombrada resposta do citado coronel Otávio Frota, ao ser chamado pelo general Ladário, em 1° de abril, após o governo do RS haver recusado a convocação/requisição pelo Exército, da Brigada Militar. Disse ele, em certo momento da áspera reunião com o comandante do III Exército, apud Poty Medeiros, em seu relatório, linhas antes mencionado: “Eu não entregarei o comando da Brigada Militar, porque não me cabe essa decisão, mas sim, a Sua Excelência, o governador legitimamente constituído. Só entregarei a Brigada Militar por ordem do senhor Dr. Ildo Meneghetti, governador constitucional do Rio Grande do Sul” (o general engoliu em seco e encerrou o encontro). Citemos, entre outras, importantes medidas adotadas pelo governo estadual, que foram coordenadas pelo mencionado Secretário de Segurança, Dr. Poty Medeiros (contidas em sua monografia já referida), coadjuvado pelo comando da Brigada Militar do RS:
1) criação da “Legião Gaúcha Democrática”, entidade civil de radical oposição aos comunistas; 2) plano de mobilização e armamento da população civil (em especial, dos grandes fazendeiros e pecuaristas), sob a responsabilidade de oficiais da reserva da Brigada Militar, para resistência aos subversivos; 3) aquartelamento da Brigada Militar, permanecendo nos municípios apenas pequenos contingentes para a manutenção da ordem pública e convocação para o serviço ativo, de confiáveis oficiais da reserva da Corporação; 4) prisão de líderes esquerdistas e cerrada vigilância sobre organizações da esquerda; 5) criação dos “Grupos dos Vinte”, organizações para-militares para o enfrentamento dos chamados “Grupos dos Onze” – simpáticos ao ex-governador e então deputado federal Leonel Brizola; 6) ocupação de pontos sensíveis e de órgãos de comunicação social, na capital e no interior; 7) ocupação e guarda de algumas estâncias, pela Brigada Militar, para a tranquilidade e garantia do direito de propriedade de ruralistas e de famílias de fazendeiros, ameaçados de invasão pelos “sem terra” (já atuantes desde aquela época …); 8) requisição, por decreto, de estações de rádio e televisão e das reservas de combustíveis líquidos existentes nas refinarias de petróleo e em empresas distribuidoras, etc., etc. Ressalte-se que por decreto estadual, foram instituídos feriados bancário e estudantil, em todo o estado, nos dias 1°, 2 e 3 de abril, e aberto um crédito extraordinário no valor de quinhentos milhões de cruzeiros para a “resistência democrática gaúcha”, “tendo em vista a existência de comoção intestina grave e se atendendo à circunstância excepcional que atravessa o Estado” (conforme dicção do decreto estadual n° 16450/64).
Assim, afigura-se como uma enorme falácia, o que alardeou, posteriormente, o ex-governador Leonel Brizola (que, lastimavelmente, hoje, é ostentado no Panteão da Pátria, em Brasília, como “Herói Nacional”, mercê da indicação de seu nome pelo governo Dilma Roussef) de que poderia convocar mais de 100.000 gaúchos para a resistência, não o tendo feito porque João Goulart não consentiu, a fim de evitar derramamento de sangue. Mas bem que ele tentou, no comício que promoveu em Porto Alegre, na noite de 1° de abril, e em patéticos apelos aos sargentos; porém, não logrou êxito …
Mas a reação militar àquele estado de coisas se iniciou no interior gaúcho, como é descrito, minuciosamente, na monografia “A Contrarrevolução de 31 de Março de 1964 no Rio Grande do Sul”, de autoria do coronel Carlos Cláudio Miguez Suarez, redator-chefe do “Jornal Inconfidência”, de Belo Horizonte, escrita em 1999, documento de raro e elevado conteúdo histórico-militar. O general Mário Poppe de Figueiredo, comandante da 3ª Divisão de Infantaria, aquartelada na cidade de Santa Maria, com o apoio de suas Grandes Unidades, por ser o oficial-general mais antigo, assumiu, naquela cidade, às 9h10, de 2 de abril, o comando do III Exército. Os acontecimentos se precipitaram rapidamente e em decorrência de não mais haver condições de resistência, João Goulart decidiu partir, da capital gaúcha, via aérea, às 11h45, de 2 de abril, para uma de suas fazendas em São Borja; e de lá, em 4 de abril, também por avião, seguiu para Montevidéu. Leonel Brizola fugiu para o Uruguai e o general Ladário retornou ao Rio de Janeiro.
Aqui façamos uma brevíssima visada à ré. A 5ª Região Militar/Divisão de Infantaria (PR e SC), com sede em Curitiba, era comandada pelo general Silvino Castor da Nóbrega que tinha como comandante da Infantaria Divisionária/5, o general Chrysantho de Miranda Figueiredo, ambos do chamado “esquema militar” presidencial. Esses generais haviam chegado a Porto Alegre, de avião, juntamente com o general Ladário. O general Dario Coelho, comandante da Artilharia Divisionária/5 assumiu o comando da 5ªRM/DI, que se encontrava vago. Ele era um general que sempre propugnou pelos princípios ocidentais, cristãos e democráticos, por isso que, de imediato, aderiu à Revolução eclodida em Minas Gerais, deixando de cumprir as ordens emanadas pelo general Silvino da Nóbrega, de Porto Alegre; tomou uma série de medidas para o êxito do Movimento no Paraná e em Santa Catarina e manteve cerrada ligação com o general Kruel, comandante do II Exército. Assinale-se, por muito relevante, que o ministro da Guerra, general Costa e Silva, passou, provisoriamente, a 5ªRM/DI ao comando do II Exército e confirmou o general Dario Coelho no comando que assumira. Acrescente-se que a Revolução Democrática teve total apoio do governador do Paraná, Ney Braga, e da Polícia Militar do estado.
Por derradeiro, consigne-se que às 18h30, de 3 de abril de 1964, após tropas das 3ª e 6ª DI terem se deslocado rumo a Porto Alegre, o governador Ildo Meneghetti e o general Mário Poppe de Figueiredo, entraram triunfalmente na capital gaúcha, embarcados em um jipão aberto do Exército e escoltados por uma forte Coluna militar constituída por Unidades das Divisões de Cavalaria da 3ª DI. O governador reinstalou o governo no Palácio Piratini e o general Poppe de Figueiredo passou a comandar o III Exército, de seu próprio aquartelamento. Este foi o glorioso epílogo militar do Movimento Cívico-Militar que se iniciou em Minas Gerais.
Em apertada síntese, para complementação deste Estudo, afirme-se que as mais significativas consequências no campo político foram as deposições do presidente da República e de dois governadores de estado – Miguel Arraes, de Pernambuco, e Seixas Dória, de Sergipe (e mais: em 2 de maio, a Câmara Legislativa do estado do Rio de Janeiro decretou o “impeachment” do governador Badger da Silveira); igualmente, foram cassados ministros, políticos e outros, e expurgados militares mancomunados com a subversão, a corrupção, etc.
Destarte, o Brasil livrara-se, pela segunda vez em sua História (a primeira foi em 1935, como já assinalamos), da “Hidra Vermelha” e sua nefanda ideologia internacionalista, materialista e ateia. “Deus é brasileiro!”
Conclusãoa) A Contrarrevolução de 1964 foi uma reação inevitável do povo brasileiro contra os propósitos antidemocráticos do governo João Goulart, inquinado de forte viés comuno-sindicalista. Mas, principalmente, foi uma reação de autodefesa das Forças Armadas contra a sua manifesta destruição. Ela foi desencadeada pelo Exército Brasileiro com o decisivo apoio das outras duas Forças Singulares e Polícias Militares (particularmente as de Minas Gerais, Rio Grande do Sul – a “Brigada Militar” -, estado da Guanabara, São Paulo e Paraná) em vista de constantes e afrontosos atentados à disciplina e à hierarquia – verdadeiros tótens para a classe militar -, que, apesar de ser apenas uma, é estratificada em vários círculos hierárquicos, que devem sempre estar unidos, e, mais do que isso, coesos.
b) Na História das Civilizações, desde prístinas eras, há duas constantes históricas, consoante o magistério de historiadores de nomeada: a existência de uma religiosidade (seja ela qual for) e de “exércitos” (no amplo sentido, de tropas organizadas, de pequeno ou grande efetivo, sob um determinado comando).
Alguns preceitos são imutáveis para os militares, em que pese o sabor da época vivida, e deveriam ser bem compreendidos pela sociedade. A propósito, hodiernamente, os melhores polemologistas nos ensinam três paradigmáticos conceitos: 1) que toda Força Armada, em qualquer lugar do mundo, acata, com rigor, os princípios de autoridade, disciplina e hierarquia, usa uniformes e possui um ritual/cerimonial específico que leva em conta tradições, místicas, valores, etc; 2) todo militar, com as exceções que confirmam a regra, apresenta traços comuns: é conservador, disciplinado, autoritário e acendrado patriota; 3) as Forças Armadas, em relação às instituições civis, são enquadradas em seis posturas ou modelos; assim, podem ser classificadas como: pretorianas, cesaristas, militaristas, assistencialistas, profissionalistas ou as que combinam essas posturas, que podem variar ao longo dos tempos (como preleciona o famoso “International Institute for Strategic Studies” – o Instituto Internacional para Estudos Estratégicos – o IISS, de Londres). Tendemos, sim, ainda que de forma lenta, para o estrito profissionalismo militar, mas possuímos nítidos, peculiares e inapagáveis traços de algumas outras das mencionadas posturas, como a pretoriana, v. g., pois nós, militares, sempre estivemos e estaremos de atalaia em defesa do Brasil, mormente se o País estiver “à matroca”, como ocorreu em 1964. É evidente que as Forças Armadas Brasileiras não têm, como não tiveram àquela época, a vocação de monges bizantinos que ficavam discutindo o sexo doa anjos, enquanto os inimigos atacavam Bizâncio; não iriam deixar-se abater e não se deixarão (!) como indefesos cordeiros …
“Nós Somos da Pátria a Guarda!!’
Coronel Reformado de Infantaria e Estado-Maior Manoel Soriano Neto – Historiador Militar.

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