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sábado, 30 de março de 2019

A fábrica de cachorros clonados | Clic Noticias



Você clonaria o seu cachorro? Mais de 1.000 pessoas já fizeram isso, numa empresa coreana que cobra US$ 100 mil pelo serviço. Entenda a técnica e conheça os bastidores do processo – que envolve um cientista renegado e uma enorme polêmica sobre bem-estar animal.

Por David Ewing Duncan, de Seul (tradução Bruno Garattoni) access_time26 mar 2019, 15h58
O cirurgião é um showman. Cercado de ajudantes, com um microfone de lapela preso ao avental, gesticula muito enquanto descreve, para um grupo de estudantes atentos, a cesariana que está prestes a fazer.
Ele se aproxima, sem interromper o discurso, da mesa de cirurgia onde a grávida está deitada, totalmente anestesiada. Todo o corpo dela, a não ser pela barriga, está coberto por um pano verde. O médico faz uma rápida incisão, e seus auxiliares puxam cuidadosamente as bordas do corte. O cirurgião enfia dois dedos, depois a mão inteira, dentro do buraco. Um aparelho mostra os batimentos cardíacos.
E aí a cabecinha, e o corpinho, do bebê aparecem. Enfermeiras limpam sua boca, para que ele consiga respirar. O cirurgião corta o cordão umbilical e sacode delicadamente o pequenino – que mexe a cabeça e começa a chorar. Triunfante, o médico segura o recém-nascido para que os estudantes o vejam.
O bebê não tem nome.
Tem número: 1108.
Porque ele é um clone.
Não se trata de uma cena futurista, de ficção científica – está acontecendo agora em Seul, na Coreia do Sul. Mas o recém-nascido não é humano. Trata-se de um cachorro, da raça ovcharka asiático. Ele é muito pequeno, está todo melecado, e sua pelagem tem manchas brancas e pretas, que lembram as de uma vaca. Seus olhos ainda não abriram, e mal dá para ouvir quando ele chora. O cirurgião, Hwang Woo-suk, solta seu microfone e o coloca bem perto da boca do cachorrinho, para que os estudantes possam ouvir o seu arfar triste: eeee, eeee, eeee.
Enquanto isso, os ajudantes de Hwang costuram a barriga da mãe, uma cadela de pelos amarelos e jeitão de labrador especialmente criada para gestar bebês clonados. “Ela é uma mistura de raças”, explica o pesquisador Jae Woong Wang. Ele trabalha com Hwang na Sooam Biotech Research, a primeira empresa do mundo especializada em clonar cachorros. “Nós selecionamos as mães para que sejam dóceis e gentis”, explica.
Faz mais de 20 anos que o mundo se espantou com o nascimento da ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula adulta. Na época, a mídia explorou bastante o receio implícito na duplicação de seres vivos. A revista Time colocou duas ovelhas na capa, com a manchete: “Algum dia haverá um clone seu?”. Ao mesmo tempo, o filme Jurassic Park assustava o público com uma história sobre tiranossauros e velociraptors clonados, que saem de controle e atacam os humanos, comendo advogados e apavorando criancinhas. Mas, ao longo dos anos, a clonagem foi sendo apagada da imaginação coletiva, que se ocupou de outras inovações científicas e tecnológicas. Numa era de edição genética, biologia sintética e inteligência artificial, o medo da clonagem chega a parecer inocente, lembrança de uma época menos ansiosa.
Mas aí, em março de 2018, a cantora e atriz americana Barbra Streisand fez uma revelação. Em uma entrevista, ela deixou escapar que suas cachorrinhas da raça coton de tulear, Miss Violet e Miss Scarlett, na verdade são clones de Samantha, uma cadela que ela amava muito e faleceu em 2017. As duas, ela explicou, haviam sido clonadas pela ViaGen Pets, empresa do Texas que cobra US$ 50 mil pelo serviço. A revelação gerou fúria entre defensores dos animais, e Streisand publicou um artigo no New York Times se explicando: “Fiquei arrasada com a perda da Sammie, depois de 14 anos juntas, e queria mantê-la junto comigo, de alguma forma. Foi mais fácil me despedir sabendo que eu poderia manter uma parte dela viva, algo que veio do seu DNA”.
A moralidade da clonagem é debatida há bastante tempo. Nós temos o direito de criar uma cópia de um ser vivo, especialmente considerando a dor e o sofrimento envolvidos no processo? Para produzir um único clone, pode ser necessário implantar mais de dez embriões [veja quadro abaixo].
A mãe que atua como barriga de aluguel é tratada com hormônios que, a longo prazo, podem ser perigosos. E muitos dos fetos são abortados, nascem mortos ou deformados. Quando um cachorro foi clonado pela primeira vez, em 2005, foi preciso usar mais de mil embriões, implantados em mais de cem cadelas. “A história delas lembra a série O Conto da Aia”*, diz Jessica Pierce, expert em ética animal da Universidade do Colorado. “É uma versão canina.”
*Nessa série de TV, baseada em um livro da canadense Margaret Atwood, a humanidade se torna infértil – e as poucas mulheres que ainda conseguem engravidar são exploradas como máquinas reprodutoras pelo Estado.
Mas, aqui na sala de cirurgia em Seul, todo mundo é só sorrisos – especialmente o veterinário contratado pelo dono do Clone 1108 (que pertence à família real de um país do Oriente Médio).
Magro e alto, o veterinário tira fotos com o filhote ao lado do Dr. Hwang. Para o coreano, esse momento é quase tão rotineiro quanto lucrativo: ao longo da última década, a empresa dele clonou mais de mil cachorros, cobrando US$ 100 mil por nascimento. “Sim, a clonagem se tornou um negócio”, admite Jae Woong Wang, auxiliar do cirurgião. Se o dono do cachorro fornecer uma amostra de DNA rapidamente, no máximo cinco dias após a morte do animal, a clínica Sooam promete resultados rápidos. “Se as células do cão morto não estiverem comprometidas”, explica Wang, “nós garantimos que você receberá um [novo] cachorro em cinco meses”.
Faz sentido, talvez, que o homem no centro da polêmica sobre a clonagem de cachorros seja Hwang Woo-suk. Ele foi, durante um breve período, herói nacional na Coreia do Sul. Em 2004, quando trabalhava na Universidade Nacional de Seul, Hwang publicou um artigo no respeitadíssimo jornal Science afirmando que ele e sua equipe haviam conseguido clonar um embrião humano. Um ano depois, criou o primeiro cachorro clonado do mundo. Usando uma célula extraída da orelha de um afghan hound, o cirurgião inseminou 123 cadelas. Apenas uma deu à luz um filhote que sobreviveu. Ele foi batizado de Snuppy – mistura das iniciais do nome da universidade e da palavra “puppy” (filhote, em inglês). Mas, em 2006, Hwang foi expulso da instituição, quando se descobriu que a história sobre o embrião humano era uma fraude. A universidade constatou que Hwang havia forjado provas, desviado dinheiro público e comprado óvulos de mulheres que trabalhavam em seu laboratório. Depois de pedir desculpas publicamente, aos prantos, ele foi condenado a dois anos de prisão, mas teve a pena suspensa por um juiz (segundo o qual Hwang “mostrou estar realmente arrependido do seu crime”).
Então Hwang fundou a Sooam Research para continuar suas pesquisas. No começo, ele se concentrou na clonagem de porcos e vacas, que ainda representam boa parte do faturamento da empresa. Em 2007, ele foi procurado por um representante do bilionário americano John Sperling, fundador da Universidade de Phoenix. A namorada de Sperling teve uma cachorra, Missy, que morrera alguns anos antes. Hwang clonou Missy, e então sua empresa começou a oferecer o serviço de duplicação de cães.
O procedimento, que foi sendo aperfeiçoado ao longo de anos de tentativas e erros, se chama “transferência nuclear de células somáticas”, ou TNCS. Começa com um óvulo de uma cachorra doadora. Usando um microscópio de alta potência, os cientistas fazem um microfuro no óvulo e retiram seu núcleo, onde o DNA fica armazenado. Eles então substituem o núcleo com uma célula do cachorro que está sendo clonado – geralmente extraída da pele ou de dentro da bochecha. Por fim, esse óvulo híbrido recebe uma breve descarga elétrica, que funde seus componentes e inicia a divisão celular. Aí o embrião é implantado em outra cachorra. Se ele “pegar”, dando sequência à gravidez, o filhote nasce em aproximadamente 60 dias.
No dia seguinte ao nascimento do Clone 1108, Hwang aceita conversar comigo na sede da Sooam Research, uma construção imponente, feita de pedra e incrustada num dos morros que rodeiam Seul. Erguido em 2011, o prédio parece uma versão moderna do castelo do Dr. Frankenstein, com um toque de Bauhaus*. Hwang recusa a maioria dos pedidos de entrevista, em parte porque fala mal inglês e em parte, suspeito, porque ele não quer reviver seu passado controverso. Vestido com um terno cinza-claro, ele me cumprimenta com um sorriso iluminado, que o faz parecer mais jovem do que seus 64 anos.
[*Referência à escola de arte Bauhaus, que funcionou na Alemanha entre 1919 e 1933 e lançou as bases da arquitetura modernista.]
Por que, eu pergunto, tantas pessoas querem clonar seus cachorros? “O principal motivo”, responde ele, “é que os cães são como membros da família, e as pessoas querem continuar a ter essa companhia”. Mas Hwang deixa claro que o cliente não recebe uma réplica exata de seu cachorro. Os clones se parecem ao cão original e tendem a ter a mesma índole, mas não possuem as mesmas memórias, claro, e sua infância é inevitavelmente diferente. “O clone é como um gêmeo idêntico, mas nascido algum tempo depois”, diz ele. “Um gêmeo temporão.”
E por que o processo de clonagem é tão caro? “Diferentemente do que acontece com outras espécies, não existem protocolos eficazes para a maturação in vitro dos oócitos caninos.” Traduzindo: os óvulos têm de ser extraídos de cachorras doadoras, que só entram no cio duas vezes por ano. Eles não podem ser cultivados em laboratório, e por isso são mais caros e difíceis de obter. Quando pergunto sobre a questão ética, Hwang é sucinto. “A ética da clonagem de animais e a ética da clonagem de humanos são duas coisas completamente diferentes”, diz. “Aqui na Sooam nós somos totalmente contra a clonagem humana. Mas acreditamos que a clonagem [animal] traz benefícios para a sociedade.”
Hwang faz questão de destacar esses benefícios. As pesquisas que sua empresa realiza em células-tronco e embriões renderam dezenas de artigos científicos, que tentam entender melhor o desenvolvimento celular em animais, e poderão ajudar a tratar doenças humanas como Alzheimer e diabetes. A Sooam recebeu uma verba do governo sul-coreano para desenvolver remédios contra melanoma [tipo de câncer de pele]. E, num projeto que lembra Jurassic Park, Hwang também tenta ressuscitar o mamute, uma espécie extinta, fundindo células encontradas do gelo da Sibéria com óvulos de elefantes modernos – um processo que, ele espera, também poderá ser usado para clonar outros animais, como o bucardo [cabra montanhesa dos Pireneus extinta em 2000], e o lobo-etíope [atualmente ameaçado de extinção].
Mas apesar de todas as realizações científicas alcançadas por Hwang, e das pessoas que dizem que ele foi vítima de uma conspiração, seu passado vergonhoso não foi esquecido: ele continua sendo proibido, pelo governo da Coreia do Sul, de mexer com óvulos humanos.
Quando a entrevista termina, Hwang me dá uma sacola rosa cheia de cosméticos. “Para a sua esposa ou namorada”, diz ele, curvando-se levemente. No andar de cima, que eu já havia visitado, a Sooam usa enzimas e células-tronco para produzir uma linha de cremes e hidratantes, que são comercializados com as marcas Beauté de Cell, JuneCell e Beauté de Cell Homme. Agradeço o presente, mas não estou muito a fim de passar células-tronco no rosto.
A ViaGen, que clonou a cachorra da cantora Barbra Streisand, surgiu em 2002 com o objetivo de armazenar e preservar o DNA de vacas, porcos e cavalos. Com o tempo, a empresa adquiriu amostras genéticas da Genetic Savings, companhia que clonava gatos, e também comprou os direitos de uso de tecnologias desenvolvidas pelos criadores da ovelha Dolly. Inicialmente, a ViaGen licenciava tudo isso para os coreanos – mas começou a oferecer seu próprio serviço em 2016. Streisand foi apresentada à clonagem pelo bilionário americano Barry Diller, fundador da rede de TV Fox. Ele procurou a empresa para fazer três cópias de Shannon, seu jack russel terrier.
Os cientistas da Sooam insistem que seu processo de clonagem é ético, e estão tentando torná-lo mais eficiente. “A parte mais difícil é conseguir os óvulos”, afirma Yeonwoo Jeong, diretor de pesquisas da empresa. Ele espera que um dia seja possível cultivar os óvulos em laboratório, usando células-tronco, em vez de gastar tempo e dinheiro para extraí-los de animais. Joong diz que a empresa melhorou sua tecnologia desde que Snuppy nasceu, 14 anos atrás. Segundo Jeong, hoje basta implantar uma dezena de embriões, em três cachorras, para obter um clone – muito menos do que as 123 gestações exigidas por Snuppy. “As nossas pesquisas minimizaram o estresse sobre os cães”, diz. Mas, para outros pesquisadores, esses números são ridículos. “Eu não acredito que eles estejam conseguindo um [clone] a cada três [gestações]”, diz o especialista em clonagem Rudolf Jaenisch, do Whitehead Institute, em Boston. “A clonagem é ineficiente. Você perde muitos clones. Alguns morrem na gestação. E também há a epigenética anormal.”
[Nota do tradutor: epigenética é o conjunto de mudanças que o DNA de um animal sofre ao longo da vida. Fatores ambientais, como estresse e alimentação, têm o poder de ativar ou desativar determinados conjuntos de genes.] “Quando você pega células de animais adultos e as insere num óvulo, você herda os erros genéticos daquele DNA velho. Isso não aconteceria com um embrião gerado naturalmente”, explica Jaenisch. Há poucos dados a respeito, já que a maioria dos clones ainda é jovem, mas eles têm uma expectativa de vida menor [veja quadro abaixo].
E, se para produzir um clone é preciso três gestações, o que acontece com os dois fetos que não sobrevivem? “Eles nascem mortos ou deformados? Sentem dor?”, pergunta o especialista em bioética Hank Greely, da Universidade Stanford. A clonagem de cachorros causa mais sofrimento do que a reprodução natural – e é isso que, na visão de Greely, a torna antiética. Críticos do processo dizem que as mães gestadoras recebem injeções de hormônios para facilitar a gravidez. “São os mesmos hormônios usados em humanos, nos tratamentos de fertilização in vitro”, diz CheMyong Jay Ko, diretor do laboratório de ciência reprodutiva da Universidade de Illinois. “Injetar esses hormônios não faz bem, especialmente se isso for feito repetidas vezes”, afirma.
Depois que a cantora Barbra Streisand revelou seus cachorros clonados (além de Miss Scarlett e Miss Violet, ela comprou um terceiro clone, que deu de presente para a filha de um amigo), ativistas de direitos dos animais lançaram uma campanha chamada #adoptdontclone (“não clone, adote”). “As pessoas que pagam US$ 100 mil para gerar um novo cachorro se esquecem de que há muitos cães com os quais ninguém se importa”, diz Vicki Katrinak, diretora da ONG Humane Society. Os pesquisadores coreanos dizem que fornecem um serviço válido, e necessário, para os amantes de cachorros. “A morte é difícil para quem é muito apegado a seus cães”, diz Wang. “Para essas pessoas, o clone é uma alternativa ao funeral. Algumas pessoas mandam empalhar seus cachorros, outras mandam cremá-los. A clonagem é mais uma forma de lidar com a morte. É o mais perto possível de recuperar o cachorro perdido, ou parte dele.”
É de manhã, e estou com Wang em frente ao prédio da Sooam Research. Daqui a pouco, os filhotinhos clonados aparecerão para sua sessão matinal de brincadeiras.
A empresa toma conta dos animais até que seus donos possam levá-los para casa, obedecendo às leis de quarentena de suas respectivas nações [na maioria dos países, só podem entrar cães que já foram vacinados contra raiva]. Eu não sei o que esperar. A cena, com o imponente “castelo” da Sooam ao fundo, parece uma distopia futurista – limpa, organizada e ligeiramente perturbadora.
Então fico surpreso quando os cachorrinhos aparecem e são, apenas… filhotes. Eles chegam dentro de caixas e são soltos numa área cercada. Imediatamente começam a correr para todos os lados. Lulus da Pomerânia viram bolotas de pelo branco; dezenas de chihuahuas perseguem a si mesmo em círculos, com as linguinhas de fora. Wang me explica que a empresa clonou ao todo 49 chihuahuas, todos eles cópias de “Miracle Milly”, um cãozinho de Porto Rico que, segundo o livro dos recordes Guinness, é o menor chihuahua do mundo. “Nós fizemos 49 porque ficamos curiosos com o tamanho [de Milly]”, diz o pesquisador. “Queríamos saber se os clones seriam igualmente pequenos. Não foi o que aconteceu – eles saíram maiores.”
É impossível não se apaixonar pelos filhotinhos. É estranho imaginar que são cópias de cachorros mortos, mas eles fazem você sorrir quando vêm e te cercam, pedindo carinho na barriga. Quando os tratadores humanos se aproximam, vestidos de uniforme azul, os cãezinhos também os rodeiam, muito felizes de brincar com gente. Em seus pescocinhos há coleiras com os números escritos a caneta: 1078, 1092, 1094.
Assim que a hora de brincar termina, Wang me leva de volta para dentro do prédio, e me mostra o canil onde os filhotes vivem. Reconheço o pequeno 1108, nascido no dia anterior. Ele está sendo mantido numa incubadora, mas parece forte e saudável, curioso sobre o que está acontecendo a seu redor. Dentro de um cercadinho, uma mãe gestadora está tomando conta de um filhote. Um dos tratadores coloca 1108 perto de uma teta, e o recém-nascido imediatamente começa a mamar, com os olhos ainda pouco abertos. A cachorra parece não se importar. Ela deixa o filhote se alimentar, e depois levanta e anda pelo cercadinho, abanando o rabo. Eu pego 1102, um saluki [raça similar ao galgo] com quatro semanas de vida. Ele lambe minha mão e logo adormece no meu colo. Tento não me mexer, para não acordá-lo.
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(Tomás Arthuzzi/Superinteressante)
Quando Louise Brown, o primeiro “bebê de proveta”, nasceu em 1978 por meio da fertilização in vitro, as pessoas temeram o pior.
Muitos líderes religiosos criticaram o procedimento por ele ser artificial; até James Watson, o cientista que [junto a seu colega Francis Crick] descobriu o formato de dupla hélice do DNA, previu que “coisas terríveis vão acontecer, tanto politicamente quanto moralmente”. Aí as pessoas viram que aqueles bebês eram só bebês, e a polêmica evaporou. E mais de 7 milhões de crianças foram geradas por meio de fertilização in vitro.
Quando pergunto a Jeong se já existe tecnologia para clonar humanos, ele repete o discurso padrão da Sooam Research: a empresa não tem nenhum interesse em fazer isso. Mas destaca, porém, que cientistas chineses conseguiram clonar primatas em 2018: dois macacos, batizados de Zhong Zhong e Hua Hua. “Eles são muito próximos de nós, geneticamente”, diz Jeong. “Isso significa que você pode ser capaz de clonar um humano.”
Acontece que a clonagem dos macacos exigiu 63 gestações para produzir apenas dois animais – uma taxa de “sucesso” que dificilmente seria aceita na clonagem humana. “Você consegue imaginar a criação de clones humanos, usando essa quantidade de mulheres?”, pergunta Greely, o especialista em bioética de Stanford. “E você consegue imaginar um teste clínico, em humanos, obtendo permissão para acontecer? E se nascer um bebê deformado, ou com problemas?”.
Hoje, o grande objetivo da ciência não é exatamente clonar um ser humano – e sim reescrever nosso DNA, para evitar doenças e criar versões melhoradas de nós mesmos. [Nota do tradutor: em 28 de novembro de 2018, o pesquisador chinês He Jiankui anunciou ter editado o DNA de duas meninas gêmeas – que, por isso, supostamente nasceram sem o gene CCR5 e são imunes ao vírus da aids. O anúncio causou horror na comunidade científica internacional. Jiankui foi demitido do instituto onde trabalhava, e está sob monitoramento do governo chinês. As supostas alterações no genoma das duas meninas ainda não foram confirmadas por outros pesquisadores.]
“Não faz muito sentido só clonar alguém”, diz George Church, um geneticista da Universidade Harvard que está [como o coreano Hwang] tentando ressuscitar o mamute por meio de clonagem. “Você iria querer criar uma versão melhorada da pessoa, sem genes que predispõem ao câncer, por exemplo.”
A clonagem, ao que parece, é um medo obsoleto. O avanço da tecnologia trouxe novas coisas para nos assustar – com os dinossauros de Jurassic Park substituídos pelos replicantes super-humanos de Westworld.
Mesmo com todas as proibições legais, pesquisadores acreditam que não irá demorar muito até que uma família tomada pelo luto tente clonar o filho que perdeu. A ciência para fazer isso está cada vez mais próxima. “Imagine que um casal de bilionários perca um filho pequeno”, diz Greely. “Eles vão querer outra criança, o mais parecida possível. É a versão humana do que acontece com pets.”
Se houver demanda suficiente, o mercado fará de tudo para atendê-la. Hwang Woo-suk sonhava em ser o primeiro cientista a clonar um embrião humano. Ele queria tanto isso que tentou enganar o mundo inteiro. Agora, com as restrições impostas a suas pesquisas, dificilmente será ele o criador da primeira Dolly humana. Então ele edita o DNA de porcos e vacas para estudar doenças, tenta ressuscitar o mamute, e administra seu lucrativo império de clonagem, produzindo cães como 1108 – e outros depois dele.
Sempre vai existir, parece, mais uma pessoa tomada pela dor, desesperada para repor um amigo perdido. Mais uma Barbra Streisand, visitando o túmulo de sua querida Sammie com Miss Violet e Miss Scarlett ao lado, num carrinho de bebê – duas idênticas bolinhas de pelo branco, olhando para a lápide do cachorro que são.
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(Tomás Arthuzzi/Superinteressante)
Superinteressante

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