Mudança em regulamento da Lei de Acesso à Informação foi assinada por Hamilton Mourão. Antes, somente chefes do Executivo e membros das Forças Armadas podiam fazer esse tipo de classificação.
Por G1 — Brasília
Decreto permite a comissionados determinar sigilo a dados públicos
Um decreto publicado nesta quinta-feira (24), no “Diário Oficial da União”, permite que servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas imponham sigilo ultrassecreto a dados públicos. O texto, assinado pelo presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, altera as regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Antes, essa classificação dos documentos só podia ser feita pelo presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior.
A LAI, que entrou em vigor em 2012, criou mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa (física ou jurídica) o acesso às informações públicas dos órgãos e entidades, sem necessidade de apresentar motivo.
Informações classificadas como ultrassecretas podem se tornar públicas após 25 anos. Trata-se do grau máximo de sigilo. Além deste, há o grau secreto, que impõe 15 anos de sigilo, e o reservado, que protege a informação por 5 anos. Os demais documentos, sem nenhuma dessas classificações, devem ser disponibilizados ao público (veja, abaixo, o que dizia a regra anterior e o que diz a atual).
Os servidores comissionados que poderão gerenciar o carimbo do sigilo “ultrassecreto” são os DAS (Direção e Assessoramento Superiores) 101.6 e a classificação “secreto” os 101.5, com salários de R$ 16.944,90 e R$ 13.623,39, respectivamente.
Segundo o Ministério da Economia, até dezembro de 2018, o governo tinha 1.082 comissionados de DAS 5 e 206 de DAS 6. Dezembro é o último dado disponível, conforme a pasta.
Conflito com a LAI
No final da tarde desta quinta, um técnico da Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Casa Civil explicou que a mudança foi feita porque a redação anterior do decreto que regulamentou a Lei de Acesso à Informação proibia a possibilidade de delegar para comissionados a classificação de informações ultrassecretas ou secretas.
“§ 1o É vedada a delegação da competência de classificação nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto”, determinava o inciso primeiro do artigo 30 do decreto de 2012.
De acordo com o departamento jurídico da Casa Civil, esse item do decreto anterior estava em desacordo com trecho da Lei de Acesso à Informação:
“§ 1o A competência prevista nos incisos I e II, no que se refere à classificação como ultrassecreta e secreta, poderá ser delegada pela autoridade responsável a agente público, inclusive em missão no exterior, vedada a subdelegação”.
A Subchefia para Assuntos Jurídicos alega que o texto publicado nesta quinta-feira solucionou o conflito que existia entre as duas normas. No entanto, prevalecia o teor do decreto de 2012, que não permitia que essa decisão fosse delegada por altas autoridades.
O órgão da Casa Civil afirmou que as autoridades vão precisar formalizar a escolha dos comissionados que poderão classificar informações por meio de uma portaria. “O decreto não disse que todos o DAS 5 e DAS 6 vão poder classificar informação”, explicou o departamento jurídico da pasta.
Porém, o decreto desta quinta-feira não menciona literalmente a exigência de publicação de portaria.
‘Diminui a burocracia’
O vice-presidente Hamilton Mourão, que está no exercício da Presidência, afirmou nesta quinta-feira (24) que o decreto “diminui a burocracia” para “desqualificar” documentos sigilosos.
Segundo Mourão, a “transparência está mantida” e são “raríssimas” as informações no Brasil consideradas ultrassecretas.
“A transparência está mantida. E as coisas aqui no Brasil são raríssimas as que são ultrassecretas, normalmente são planos militares, alguns documentos do Itamaraty, alguns acordos firmados, são muito pouca coisa”, declarou.
Crítica
Membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU, Manoel Galdino diz que o assunto não foi discutido na última reunião do conselho, em dezembro, com a presença do ministro Wagner Rosário – ele não assina o decreto.
“Pegou a gente de surpresa. Precisamos pedir esclarecimentos ao governo de quais são as razões. É problemático que uma medida de alteração do que é sigiloso seja feita sem discutir com a sociedade civil. Eles não tiveram transparência para alterar um decreto justamente sobre o tema”, diz.
De acordo com a ata da reunião, Wagner Rosário, que foi mantido no comando da CGU pelo presidente Jair Bolsonaro, disse que seriam propostas algumas mudanças na Lei de Acesso à Informação, mas “nada que retire direitos”. “São somente alguns prazos de recurso, e alguns outros detalhes, que serão apresentados na próxima reunião (do conselho, marcada para março)”, segundo o resumo da declaração dele.
Galdino, que também é diretor-executivo da Transparência Brasil, avalia que o decreto do governo Bolsonaro pode aumentar o volume de informações classificadas como secretas e ultrassecretas.
Por outro lado, mais pessoas poderão ter acesso a informações que eventualmente precisem ser classificadas secretas e ultrassecretas. “[Isso] tem uma implicação de gestão dos riscos do governo.”
Alterar a classificação de sigilo esbarra na falta de conhecimento da Lei, avalia Joara Marchezini, coordenadora do programa de Acesso à Informação da ARTIGO 19.
“Nem todos os servidores tiveram treinamento nem estão capacitados, não entendem o prejuízo de guardar uma informação por tanto tempo. Nesse contexto, é prejudicial por não haver capacidade técnica, é uma análise difícil de ser feita”, diz.
A ONG aponta incoerência jurídica entre o decreto assinado nesta quinta e o texto da Lei de Acesso à Informação. “O Artigo 27 da LAI limita expressamente a que ocupantes de cargos comissionados classifiquem sigilo no grau reservado. O decreto muda isso. Além disso, o cargo comissionado é de confiança e temporário, a pessoa não está no cargo há muito tempo e não tem conhecimento da Lei. Por isso, ela pode fazer mal uso do sigilo, por falta de informação ou mesmo má fé”, explica Marchezini.
Como era e como ficou
Entenda de quem era competência da classificação de informações sigilosas e quais foram as mudanças decretadas por Mourão.
ANTES DO NOVO DECRETO
Art. 30. A classificação de informação é de competência:
I – no grau ultrassecreto, das seguintes autoridades:
a) Presidente da República;
b) Vice-Presidente da República;
c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas;
d) Comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica; e
e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior;
II – no grau secreto, das autoridades referidas no inciso I do caput, dos titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista; e
III – no grau reservado, das autoridades referidas nos incisos I e II do caput e das que exerçam funções de direção, comando ou chefia do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, nível DAS 101.5 ou superior, e seus equivalentes.
§ 1º É vedada a delegação da competência de classificação nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto.
§ 2º O dirigente máximo do órgão ou entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia.
§ 3º É vedada a subdelegação da competência de que trata o § 2º.
§ 4º Os agentes públicos referidos no § 2º deverão dar ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no prazo de noventa dias.
§ 5º A classificação de informação no grau ultrassecreto pelas autoridades previstas nas alíneas “d” e “e” do inciso I do caput deverá ser ratificada pelo Ministro de Estado, no prazo de trinta dias.
§ 6º Enquanto não ratificada, a classificação de que trata o § 5º considera-se válida, para todos os efeitos legais.
DEPOIS DO NOVO DECRETO
“Art. 30. (…)
§ 1º É permitida a delegação da competência de classificação no grau ultrassecreto pelas autoridades a que se refere o inciso I do caput para ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 101.6 ou superior, ou de hierarquia equivalente, e para os dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, vedada a subdelegação.
§ 2º É permitida a delegação da competência de classificação no grau secreto pelas autoridades a que se referem os incisos I e II do caput para ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 101.5 ou superior, ou de hierarquia equivalente, vedada a subdelegação.
§ 3º O dirigente máximo do órgão ou da entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia, vedada a subdelegação.
§ 4º O agente público a que se refere o § 3º dará ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no prazo de noventa dias. (…)” (NR)
G1
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