Governador do Espírito Santo afirma que o momento é de debater propostas para o País e formar novas lideranças
Entrevista com
Paulo Hartung, governador do Espírito Santo
Eduardo Kattah, ENVIADO ESPECIAL, O Estado de S.Paulo
VITÓRIA - Após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para o Palácio do Planalto, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (sem partido), avalia que o papel do centro político neste momento é debater propostas para o País e estimular a formação de líderes. A criação de uma nova legenda, segundo ele, ainda não é prioridade. Hartung, porém, admite: “Acho que esse momento vai chegar”, disse em entrevista ao Estado.
No fim do seu terceiro mandato no Palácio Anchieta – sede do Executivo local –, Hartung lançou recentemente um livro sobre sua experiência na gestão da crise no governo capixaba, o único Estado do País a ser avaliado este ano com a nota máxima no equilíbrio fiscal pela Secretaria do Tesouro Nacional Hartung está sendo convidado a aconselhar governadores eleitos e defende a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Toda vez que se mexe na LRF é para piorar.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
Hartung, no Palácio Anchieta, ‘Bolsonaro toma posse com muito capital político’ Foto: Vitor Jubini/Estadão
A Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo esvaziada em meio a uma situação de colapso financeiro dos Estados. Como o sr. vê isso?
Tenho conversado com os novos governadores e estimulado para que eles abram um diálogo com o Supremo, no sentido de julgar uma ação no STF que trata de um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal em dois aspectos. O primeiro aspecto é muito importante. O orçamento público é uma estimativa de receita e uma fixação de despesa. Se você estima uma receita e depois tem uma frustração de receita, essa frustração só vale para o Executivo, não vale para o Judiciário, não vale para a Assembleia, não vale para o Ministério Público, não vale para o Tribunal de Contas e não vale para a Defensoria Pública. Nós precisamos resolver esse dispositivo que está judicializado. A Lei de Responsabilidade Fiscal permite que você diminua a jornada de trabalho e salário no momento em que você estoura o limite da LRF. Isso está judicializado. Era importante e pedagógico, no momento em que um dispositivo desses funcionar, eu tenho certeza de que até os sindicatos que representam os grupos funcionais vão se preocupar com o limite de gasto público.
É preciso mudar a LRF?
Com esse clima bagunçado que está no Brasil, toda vez que se mexe na Lei de Responsabilidade Fiscal é para piorar, como o Congresso fez em relação aos gastos dos municípios. Então, o melhor é não mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse instrumento é bom porque o único jeito de você devolver para a sociedade uma parte dos impostos que são pagos. Precisamos cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. A única coisa que eu trabalharia é em relação a essa ação que está no Supremo.
O que esperar do governo Bolsonaro?
Acho que o nosso primeiro dever de casa é soltar esse cabo de guerra e o País voltar a ter capacidade de discutir os seus problemas. Quero ressaltar que o governo Bolsonaro toma posse com muito capital político da eleição, que não é pequeno. Não foi baixa a votação do PT, mas a margem de diferença de votos foi significativa, deu uma legitimidade. Trazer o Moro para o Ministério da Justiça agregou mais capital político. Então, o governo toma posse com muito capital político na sociedade, no Parlamento. Evidente que é uma lua de mel que tem prazo. O problema é não perder tempo e a impressão que eu tenho, eu sinto que o governo tem dois governos dentro dele. Um que está pensando de maneira mais reformista e um que pensa de maneira mais corporativa.
Existe uma carga ideológica. Tivemos recentemente a Cúpula Conservadora das Américas. É um assunto primordial no Brasil? O Foro de São Paulo precisa de um contraponto?
Não. O presidente Fernando Henrique, em uma entrevista que concedeu recentemente, coloca alguma coisa de que isso é uma falsa questão. Nós não estamos na discussão de comunistas versus anticomunistas, não é isso que está sendo debatido no País. Isso beira uma certa fantasia. O que nós temos que fortalecer são as instituições democráticas do País. Acho que o País não deve perder tempo para discutir narrativas sobre o que foi o golpe militar de 1964. Eu, particularmente, acho que nós temos que seguir em frente.
Como que o centro político do País deve se organizar após uma eleição na qual se fragmentou e sofreu uma derrota significativa?
Primeiro fazer uma autocrítica bem-feita. Se nós perdemos relevância na política nacional – e eu estou me colocando junto – seguramente, isso não vem por acertos, vem por erros. Segundo, eu acho que o nosso papel nesse momento é debater, apresentar boas propostas par ao País. A terceira coisa é a gente ter paciência e não ser precipitado. Tem um quadro que vai decantar agora naturalmente, deixa decantar. Qualquer movimento agora é um movimento fora de hora. Todo movimento que a gente puder ajudar, seja o Renova, o Agora!, o Livres, para produzir novas lideranças, que tenham capacidade de pensar o País. É visível o vazio de lideranças que se formou no País nesses últimos tempos. Tem muito tempo que não se injeta sangue novo no Congresso e agora tem. Quando chegar eleições municipais precisamos ter mais gente nova e qualificada disputando prefeituras, disputando Câmaras municipais e perder esse preconceito.
O empresário Luciano Huck já é um desses líderes?
Fizemos uma mesa aqui recente, eu ele (Luciano Huck) e o Edu (Eduardo Mufarej, empresário), discutindo formação de lideranças, foi um belo debate. Eu acho que o Luciano quando ele não decidiu não ser candidato ele simultaneamente decidiu continuar ajudando na formação de lideranças, foi uma atitude bacana. Acabou a eleição ele deu uma entrevista dizendo: ‘Olha, estou dentro, vou continuar participando’. Ele está mantendo a vida profissional dele com sucesso e ao mesmo tempo dando uma contribuição nesse campo de formação de lideranças.
E o PSDB? Qual vai ser o papel do PSDB? O ex-presidente Fernando Henrique admitiu que até poderia deixar o partido se a legenda tomar uma posição de apoio irrestrito ao governo Bolsonaro. Como será a participação do PSDB na formação desse novo centro?
Eu sou um social-democrata que aprendeu com a vida as limitações de meios. Acho que você operar na política brasileira sem olhar a desigualdade social, esquece, né? Estou fazendo isso para chegar dentro do PSDB. Por que eu acho que tem que ter calma e não ter precipitação? As coisas precisam decantar. Fui fundador do PSDB. Eu tenho muitos amigos dentro do PSDB e tenho que ser muito cauteloso em relação a isso. Ma, seguramente, quando eu falo no campo reformista do País – da centro-esquerda até os liberais reformistas da economia – essa turma está dentro disso. Não adianta precipitar. É passo a passo, vamos ver o que mais à frente a gente faz em termos de diálogo nesse campo.
Mas esse movimento não terá de convergir em um partido?
Bem provável. Mas não está na hora de mexer com o partido. Eu estou muito cauteloso com as palavras até aqui, me perdoe. Mexer com o partido agora é gastar energia boa com uma ação que não é uma ação construtiva no momento. Também não quero fugir de nenhuma resposta. Acho que esse momento vai chegar e na hora que chegar a gente discute essa questão de uma maneira muito aberta e transparente. Mas não é hora para isso. A hora nossa é de formar novas lideranças, é de apresentar boas políticas públicas, boas propostas para esse momento que o País está vivendo, de ajudar para distensionar o País, para diminuir a intolerância, a intransigência, essa coisa raivosa e às vezes até odienta que a gente tem percebido nas redes e infelizmente também nas ruas. Acho que nós temos uma agenda boa para trabalhar nesses primeiros tempos de 2019. Vou cumprir uma missão profissional na vida privada, mas vou estar também dedicado em ajudar numa ação de boa política, de política de qualidade.
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