(Gustavo Maia Gomes - Revista Inteligência n. 82- setembro 2018) 1. Que país era a Argentina, entre meados do século XIX e a primeira década do século XX? Especialmente, como se comparava ao Brasil? Desde logo, em população, no ano de 1870, nossos vizinhos (1,8 milhão) eram muito menos numerosos do que nós (9,8 milhões); 40 anos depois, a diferença percentual tinha diminuído, mas ainda era muito grande (Maddison).
2. A principal semelhança da Argentina com o Brasil não consistia em terem sido ambas as economias “especializadas” na exportação de produtos primários (carnes, lã, trigo e milho, no caso da Argentina; açúcar, algodão, café e borracha, no caso do Brasil), mesmo porque especializadas elas nunca foram. Com efeito, em torno de 1850, as exportações respondiam por apenas 20% do PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina (10%, do Brasil.) E apesar de que, em 1913, no auge do chamado modelo exportador, a participação das exportações nos PIBs de cada país tivesse se elevado a 30%, mesmo assim, ainda, dois terços do que era produzido se destinavam ao consumo interno. (Bulmer-Thomas)
3. A característica comum mais importante entre as economias da Argentina e do Brasil, nessa época, foi a de que a expansão da demanda internacional representou a principal fonte de crescimento disponível aos dois países. Nisso, os vizinhos se deram melhor do que nós. Conseguiram uma taxa maior de crescimento das exportações (6,1% ao ano, em 1850-1912; contra 3,7% do Brasil) e evitaram a excessiva concentração em um único produto.
4. Como consequência desse duplo êxito, a Argentina experimentou taxas de crescimento do PIB muito maiores que as do Brasil. Partindo, em 1870, de um produto interno bruto que pouco ultrapassava um terço do PIB brasileiro, a economia argentina, em 1900, já era do mesmo tamanho que a brasileira. E, em 1910, passou a ser 50% maior, mesmo sendo o Brasil muito mais populoso e territorialmente extenso. (Bulmer-Thomas)
5. O produto por habitante do país vizinho foi maior que o brasileiro durante todo o tempo em que Julio Roca andou pelo mundo e foi ficando ainda maior, com o passar do tempo, até alcançar níveis surpreendentes. Em 1910, por exemplo, a Argentina tinha um PIB per capita ($3.822) maior do que os da Dinamarca ($3.705), França ($2.965), Alemanha ($3.348) e Itália ($2.332). E não fazia feio diante dos Estados Unidos ($4.964) e do Reino Unido ($4.611) (Maddison).
6. Esse crescimento, e o que ele significava em realizações materiais, impactou positivamente a psicologia dos portenhos, em especial, porque as riquezas convergiam para Buenos Aires. Falando por meio de Félix Luna a respeito do país que entregava aos argentinos ao final de seu primeiro mandato presidencial (1880-86), assim se expressou Julio Roca:
7. Um otimismo irresistível, um frenético entusiasmo contagiava a todos. Aos argentinos, que viam a súbita transformação de nossa modesta República em uma nação rica e opulenta, e também aos estrangeiros, que embarcaram na aventura fascinante do progresso, da riqueza e da transformação mágica de suas vidas. (Luna, pág. 223, edição de bolso). Mudavam os hábitos, alterava-se a arquitetura, instalavam-se bordéis dirigidos por madames francesas. Numa velocidade espantosamente rápida, a Argentina se europeizava.
8. As formas crioulas simples e sóbrias em que todos nós havíamos sido criados foram deixadas para trás, e hábitos europeus foram adotados, que impuseram maneiras de receber e comer, de se vestir e se divertir, de falar e escrever. (Luna, pág. 223) Não apenas realizações econômicas ou mudanças de costumes: a era Roca foi, também, de grandes transformações demográficas devidas, sobretudo, ao afluxo de imigrantes europeus. Seis milhões deles, entre 1870 e 1914, principalmente, espanhóis e italianos, dos quais metade permaneceu no país. Em seu devido tempo, essa gente iria alterar não apenas a demografia, mas também a dinâmica política da Argentina.
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