Redução é reflexo da ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração
Ampliação do Ensino Fundamental no país terá reflexos no aluno que chegará aos ensinos Médio e Superior | Foto: Gelsoli Casagrande / CP Memória
A edição de 2018 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcada para daqui a duas semanas, tem o menor número de inscritos, desde 2011. Segundo o Ministério da Educação (MEC), são 5.513.662 participantes aptos a fazer as provas, que serão aplicadas nos dias 4 e 11 de novembro ante os 6.141.089 inscritos em 2017. O recorde histórico do Enem ocorreu em 2014, com 8.721.946 candidatos.
A queda do número de inscritos no Enem, somada à redução de alunos que o Ensino Superior vem sofrendo nos últimos anos e ao fato específico, deste final de ano letivo 2018, de menos alunos concluírem o Ensino Médio – pela implantação do Ensino Fundamental de 9 anos de duração – é um grande desafio que as universidades têm pela frente, especialmente para o próximo concurso de 2019.
Com os últimos vestibulares já em queda e o menor número de concluintes do Ensino Médio em 2018, a concorrência às vagas do Ensino Superior será menor em 2019. A pró-reitora de Ensino da Universidade Feevale, Angelita Renck Gerhardt, explica: “Em 2018/01, já sentimos o impacto da redução de alunos vindos de escolas particulares. Em 2019, sentiremos a redução, principalmente, de egressos das escolas públicas, cuja maioria implantou o 9º ano do Fundamental posteriormente. Para a Feevale, parece que o impacto se dividiu em dois anos, então sentiremos a redução ainda em 2019”. Ao comparar a expectativa de inscrição dos vestibulares de 2017 e 2018 com 2019, a dirigente da instituição em Novo Hamburgo estima cerca de 50% de redução, bem superior à do ano passado, que teve um terço de queda em relação ao ano anterior.
Na PUCRS, a diretora Acadêmico-Administrativa da Pró-Reitoria de Graduação e Educação Continuada, Ana Cristina Benso da Silva, acredita que o impacto será neste próximo vestibular de verão, marcado para os dias 1 e 2 de dezembro de 2018. Mas, tanto na PUCRS, na Capital gaúcha, quanto na Feevale, no Vale dos Sinos ou na Universidade de Passo Fundo (UPF), na Zona da Produção, os gestores observam impactos diferenciados, conforme o curso oferecido.
O professor Júlio Bertolin, do Programa de Pós em Educação da UPF, aponta que o problema da redução de demanda é mais específico para os cursos de graduação que recebem, principalmente, estudantes egressos da rede privada. “Em geral, são aqueles cursos com mais ‘apelo social’, como Medicina, Direito ou Engenharias. Por isso, a expectativa para o próximo processo seletivo é que se tenha maior repercussão nesses cursos, enquanto os demais não devem ser tão afetados.”
Assessor da reitoria e consultor do Ministério da Educação e da Unesco, ele salienta que, mesmo entre os cursos que recebem mais alunos da rede privada, há algumas graduações, como Medicina, que têm grande disputa. “Isso deverá compensar essa questão e diminuir o impacto, mas os cursos cuja procura é menor podem ter mais problemas”, prevê.
Júlio ressalta que o maior reflexo será nas Instituições de Ensino Superior no processo seletivo para vagas em 2019, já que o prazo final para as escolas implantarem as mudanças foi 2010. Conforme levantamento da UPF na região, algumas escolas, especialmente as privadas, deixam agora de ter egressos do Médio.
O fenômeno também é percebido em Santa Cruz do Sul. “Ainda não temos os números definitivos, mas haverá uma lacuna”, afirma o pró-reitor de Graduação da Unisc, Elenor Schneider, lembrando que o termômetro mais preciso será o Viva Unisc, um evento voltado aos alunos do Ensino Médio da região, que acontecerá no dia 13 de novembro, reunindo cerca de 6 mil estudantes para conhecerem a universidade e os cursos ofertados.
Ações das universidades
Diante da mudança curricular, restou às instituições buscarem alternativas para compensar a eventual queda de concluintes do Ensino Médio. A pró-reitora Angelita Gerhardt, da Feevale, ressalta que a saída foi atrair outros públicos, como alunos aprovados que, por algum motivo, não ingressaram na faculdade, os que evadiram durante o curso ou aqueles que desejam uma 2ª graduação. Ofertar alguma vantagem, especialmente, no caso de nova graduação, também é estratégia da Unisc, que concede descontos de até 30% em mensalidades, segundo o pró-reitor Elenor Schneider. Na UPF, o professor Júlio Bertolin revela que, entre as medidas, estão estímulo a reingresso de alunos já formados, 2ª graduação e outras formas de ingresso. “O mais importante é entender que não serão todos os cursos afetados de forma igual, pois é muito específico do perfil e das demandas de cada curso”, diz. E, para o próximo semestre, a PUCRS terá condições especiais para matrícula por transferência e Ingresso de Diplomado, além de créditos educativos exclusivos e descontos, segundo a diretora Ana Silva.
Perfil dos alunos
A chegada dos estudantes com um ano a mais no Ensino Superior e, por consequência, mais amadurecidos emocionalmente, pode ajudar as universidades a trabalhar com seus alunos ingressantes. “Cerca de um terço dos estudantes chega com absoluta certeza da carreira que vão seguir e outro terço não tem a mínima ideia”, atesta a dirigente da Feevale. Porém, na opinião de Angelita, não é papel da escola resolver esta questão. “A universidade deve trazer a realidade profissional ao aluno, esclarecer desafios da carreira e aprofundar vivências do mercado”, avalia. Para a professora, uma das vantagens da ampliação dos anos de estudo da base escolar é a chegada de aluno mais qualificado. “Hoje, muitos ingressam com deficiências no aprendizado e as instituições precisam oferecer nivelamento, para que possam acompanhar os estudos. Talvez, no futuro, não precisemos dessas ações.” E Elenor, da Unisc, entende que é cedo para avaliar a chegada desses estudantes, mas acredita que o acréscimo de um ano nos estudos pode ajudar, pois chegam às universidades jovens entre 17 e 18 anos.
Escolas públicas e privadas
Cerca de um terço dos estudantes deixará de buscar ingresso no Ensino Superior ao final deste ano letivo, porque ainda precisará cursar o 3º ano do Ensino Médio. O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado do RS (Sinepe/RS), Bruno Eizerik, explica que, para as escolas, aumentar o Ensino Fundamental não causou tantos problemas, pois houve, inclusive, acordo com o Sindicato dos Professores Privados (Sinpro/RS), para que ocorressem arranjos escolares internos no mesmo quadro docente. O fato, assim, não motivou demissões ou maiores confusões, de acordo com o dirigente.
Daqui para frente, ele aponta tendência de que as escolas possam, até, ter mais alunos (e mais contratações de docentes), em razão da ampliação de estudos do Fundamental. Entretanto, Bruno observa que as escolas, a partir de 2019, passarão a ter estudantes por mais tempo e com mais idade, já que, em geral, eles terminarão o Ensino Médio com 18 anos. Portanto, serão alunos maiores de idade e com respectivos direitos e deveres legais, como retirada das próprias avaliações escolares, realização de matrícula e transferência ou responsabilidades em questões mais sérias, como se envolver em brigas ou conflitos.
O ensino privado gaúcho, de modo geral, seguiu o cronograma de ter o 9º ano do Fundamental (EF), em 2016, não tendo ou reduzindo o 1º ano do Médio (EM). Em 2017, não teve ou reduziu o 2º ano do EM e, neste ano, não teve ou reduziu o 3º ano do EM. E houve casos de escolas que trabalharam turmas, simultaneamente.
Se, por um lado, agora a projeção é de redução de estudantes aptos ao ingresso no Ensino Superior, por outro, Bruno ressalta que 2019 será um bom ano para quem vai disputar vagas, com mais oportunidades, porque a concorrência tenderá a ser menor. A Ufrgs, por exemplo, poderá ter reflexos com argumentos de provas menores. No entanto, a Grande Porto Alegre contabiliza em torno de 250 mil alunos que já terminaram o Ensino Médio e não estão no Ensino Superior, podendo ser, agora, alvos das Instituições de Ensino Superior (IES).
A assessora de Ensino Fundamental do Departamento Pedagógico da Secretaria Estadual da Educação, Leony Marques, não acredita num grande “sequestro” de alunos, em razão da ampliação curricular. Segundo ela, nas escolas estaduais a mudança foi progressiva. Por exemplo: no primeiro ano da mudança, havia turmas com alunos de sete anos de idade na 1ª série e de seis anos no 1º ano. No ano seguinte, não tinha mais a 1ª série e aqueles estudantes passaram para a 2ª série e para o 2º ano, respectivamente. “Quando eles chegaram à 8ª série ou 9º ano, estavam na mesma idade e foram para o Ensino Médio na mesma época. Então, a rede pública se adequou naturalmente.”
Segundo Leony, atualmente, a rede pública tem 2.698 turmas de 9º ano do Fundamental e 58.681 alunos. E, no 3º ano do Médio, são 57.150 estudantes aptos a fazer Enem ou vestibular.
Correio do Povo
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