por Anaïs Fernandes
Bancos não fazem ressarcimento, pois a vítima entrega o cartão e as senhas
Bancos têm reforçado seus alertas para que clientes não forneçam senhas e entreguem cartões a terceiros, conforme fraudadores intensificam o contato com o consumidor na tentativa de driblar a proteção às redes bancárias.
Instituições estão especialmente preocupadas com o chamado “golpe do motoboy”.
R.G.A., 84, ficou preocupado ao receber um telefonema supostamente de seu banco perguntando se ele havia realizado gastos atípicos nos cartões de débito e crédito. Ele disse que não e foi orientado a ligar para o número no verso do plástico para os cancelar.
Telefonou e solicitaram que, para concluir a operação, informasse os números dos cartões e senhas e levasse os plásticos até Alphaville para perícia técnica. “Expliquei que não tinha como e a atendente disse que enviaria um motoboy para buscar os cartões. Nunca fui tão bem atendido”, afirma.
Uma hora depois, ele recebeu uma ligação do banco a respeito de gastos em seu nome que somavam cerca de R$ 6.400, feitos com os cartões que ele acreditava que bloqueara. “Depois descobri que, após receber a primeira ligação, os fraudadores haviam prendido a minha linha. Enquanto eu achava que ligava para o banco, na verdade continuava falando com eles.”
Adriano Volpini, diretor setorial de prevenção a fraudes da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e diretor de segurança corporativa do Itaú Unibanco, diz que os bancos vêm fazendo investimentos em tecnologias e processos que tornaram as transações mais seguras e combateram fraudes massificadas.
“O criminoso tem enfrentado dificuldade para ultrapassar essas barreiras e se volta para métodos antigos de estelionato, fazendo uso de engenharia social para tirar proveito do cliente”, afirma.
Segundo a Febraban, os bancos investem anualmente cerca de R$ 2 bilhões em sistemas e ferramentas de segurança da informação.
“Os bancos investem, mas quem tem o intuito de fraudar também avança. Recebemos casos em que o número da central do banco apareceu no identificador de chamadas do consumidor. Até os mais antenados acabam caindo nos golpes”, diz Renata Reis, coordenadora do Procon-SP.
Para o órgão de defesa do consumidor, o banco não pode ser eximido de responsabilidade, mesmo em golpes como o do motoboy, em que o cliente fornece suas informações voluntariamente.
“Nosso entendimento é que o banco sempre tem responsabilidade objetiva, independentemente de culpa. Esse é um risco do negócio, diz Reis.
O Procon orienta que os clientes, ao perceberem a fraude, entrem em contato com o SAC do banco, peçam o bloqueio dos cartões e pleiteiem o reembolso. Caso o banco não conceda a devolução dos valores, Reis diz que o consumidor deve procurar o Procon e, em último caso, recorreram à Justiça.
“É importante tirar extrato dos cartões para sinalizar as operações que não reconhece e guardar essa documentação, junto com protocolos de atendimento”, orienta.
Segundo Volpini, o papel do banco é fornecer canais seguros para o cliente e orientar consumidores sobre o que não devem fazer. “A Febraban não fecha orientação [sobre reembolso nesses casos]. Cada banco tem sua política e forma de analisar”, afirma.
Daniel Marchetti, coordenador do comitê de segurança e prevenção a fraudes da Abecs (associação das empresas de cartões de crédito) ressalta que a responsabilidade sobre o cartão e a respectiva senha é do cliente. “Os bancos têm serviços de confirmação de transações. Em caso de dúvida, eles entram em contato, mas nunca vão solicitar nada além dessa confirmação”, afirma.
Obrigação de reembolso divide especialistas
Advogados ouvidos pela Folha divergem sobre a obrigação de as instituições financeiras ressarcirem os clientes em casos de fraude em que o consumidor fornece os próprios dados aos criminosos, ainda que após ter sido enganado.
Beatriz Trovo Pontes de Miranda, sócia do Sampaio Ferraz Advogados, aponta que não há jurisprudência clara. “É diferente de casos de clonagem do cartão, em que seria uma falha exclusivamente na prestação do serviço bancário”, diz.
Segundo R.G.A., o banco informou que ele não será ressarcido pelos mais de R$ 6.000 gastos com seus cartões após o golpe. “Quando recebi o telefonema verdadeiro do banco, eles já haviam cancelado meus cartões, porque as transações eram atípicas. Algumas não caíram, mas outras foram efetivadas. Esse débito eles dizem que não vão devolver, então vou à Justiça”, diz.
“A impressão que se tem é que, muitas vezes, os fraudadores têm informações sobre o cliente, como transações anteriores realizadas”, aponta Renata Reis, do Procon-SP.
Para Renato Ximenes, sócio do escritório Mattos Filhos, se o consumidor conseguir demonstrar que o fraudador usou informações a que só o banco poderia ter acesso para convencê-lo de que o contato era legítimo, a reivindicação por reembolso ganha peso.
“Isso demonstra vulnerabilidade no sistema do banco”, afirma. Se nenhuma informação exclusiva tiver sido usada para persuadir o cliente, no entanto, “vai ser muito difícil ele conseguir reaver esses valores”, diz Ximenes.
Marcelo Inglez de Souza, sócio do contencioso do Demarest, diz acreditar que não há espaço para alegar falha do banco em casos como o do “golpe do motoboy”.
Segundo ele, a Justiça tende a privilegiar o consumidor e tenta atribuir o custo da fraude como risco de operação da instituição. “Se for assim, o banco vai responder por qualquer risco que não esteja sob seu controle. Parece injusto que ele tenha que responder por uma fraude que não teria como evitar.”
Guilherme Moura, responsável pela área de contencioso do Sampaio Ferraz, reforça que, apesar das divergências entre juízes de primeiro e segundo grau, poderia haver um entendimento mais consolidado se o STJ (Superior Tribunal de Justiça) admitisse uma das ações que discute a questão e adotando entendimento vinculativo aos demais casos.”
Saiba
- Nunca forneça dados pessoais, bancários ou senhas em ligações ou emails, mesmo que o remetente se identifique como funcionário do banco
- Bancos nunca realizam a coleta de cartões ou pedem para o cliente levá-los até algum endereço; não os entregue a terceiros
- Não use celular de terceiros para ligar para o banco. Os dados podem ficar registrados na memória do aparelho
- Não clique em links ou arquivos recebidos por email ou mensagens instantâneas. Eles podem instalar programas maliciosos que roubam dados
- Se tiver dúvida sobre a veracidade de um contato telefônico do banco, encerre a chamada e faça uma nova ligação para a instituição utilizando outra linha
- Desconfie de ofertas milagrosas diferentes das praticadas no mercado
Fonte: Folha Online - 09/07/2018 e SOS Consumidor
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