Marco Túlio Cícero nasceu em Arpinum, em 106 a.C., e morreu em Fórmias, em 44 a.C., assassinado pelos soldados de Antônio. Advogado, orador, escritor e divulgador da filosofia, autor de correspondências célebres com amigos, tais como Ático (dezesseis livros), a seus familiares (dezesseis livros), a seu irmão Quinto (três livros), que era também o sogro de Ático, ele foi admirado em todos os tempos, e possuímos bustos de sua pessoa cuja autenticidade é certa. Por essa razão, poucos de seus manuscritos se perderam. Restam-nos todos os seus célebres tratados de retórica (sete); doze tratados dentre dezesseis ou dezessete, relativos à política e à moral; cinquenta e um discursos e arrazoados dentre cerca de cinquenta e cinco; todas as suas cartas, inclusive algumas apócrifas; somente sua poesia medíocre, nos chegou fragmentada.
Sua família pertencia à ordem equestre, os Cavaleiros, mas até então ninguém havia se distinguido por uma magistratura importante. Apesar da administração e do prestígio que lhe havia seu gênio literário, Cícero iludia-se ao pensar que era capaz de resistir ao gênio manobrador e político de César, que aliás não o temia no plano literário e oratório, ou de enfrentar um Pompeu, menos inteligente mas líder da velha aristocracia senatorial e de uma família conhecida, ou então um Crasso, cognominado, o Rico, e que em Roma representava o poder do dinheiro.
Em outras épocas ele teria sido uma carreira menos agitada, mas, sendo republicano, surgiu justamente no momento em que, por diversas razões conjuntas – extensão territorial que exigia coesão e decisões rápidas, disparidades muito acentuadas das classes sociais, diminuição da moralidade e desaparecimento dos antigos ideais na classe política –, a república romana estava à beira da explosão, sob a pressão das massas populares. Tudo isso escapava um pouco a Cícero, que, como todos os “novos” que atingiram um certo nível social, acreditava ter boas razões de ser ao mesmo tempo conservador e liberal.
Advogado, temido a partir de 80 a.C., Cícero passa seis meses em Atenas (em 79 a.C.) com seu amigo Ático, e essa temperada será decisiva, pois lá estuda a filosofia. Após a morte de Sila, prossegue sua descoberta do mundo grego até 77 a.C., Através de uma viagem à Ásia Menor e a Rodes, onde estudará os grandes retóricos e filósofos e onde a suscita a admiração dos gregos por sua eloquência.
De regresso, ganha o processo Róscio, um comediante conhecido. Torna-se popular que é eleito questor (espécie de inspetor do governo) em 75 a.C., em Lilibeia, na Sicília. Ali constata falcatruas do propretor Verres contra os sicilianos, escreve um relatório na forma de vários discursos, as sete Verrinas, mas só terá tempo de pronunciar em Roma, em 70 a.C., as duas primeiras; assustado por esse requisitório, uma obra-prima da eloquência judiciária em que seus crimes são descritos com um vigor impressionante, Verres foge e se exila por contra própria sem aguardar o julgamento.
Nesse meio tempo, em 72 a.C., Cícero torna-se edil e depois pretor, em 66 a.C. É então que lhe falta um pouco daquela clarividência em amizade que ele reclama pela boca de Lélio: ele busca, como todos os “novos”, ser reconhecido e legitimado através do convívio amistoso com os “velhos”, como Pom-peu ou Cantilina, este último perigoso agitador, seu rival para o consulado, que se tornará seu inimigo assim que Cícero tiver eleito, em -63, cônsul por aclamação, na pressa de um senado aterrorizado pela ideia de que um crápula como Cantilina toma-se o poder. Imediatamente Cícero, com um espírito de decisão notável, pronuncia as Cantiilinárias, em que denuncia as manobras do personagem, obriga-o a fugir e manda executar seus cúmplices. Isto lhe vale o título de “Pai da Pátria”. Ele se encontra então no auge de sua vida.
Suas relações como Pompeu, César e Crasso se deterioram, e o tribuno Clódio, seu inimigo jurado, faz aprovar uma lei que obriga Cícero e exilar-se na Tessalônica de 58 até 57 a.C., de onde regressa triunfalmente a Roma; ele escreve muito então, é admitido no colégio dos Áugures em -53, defende vários processos famosos. Em -51, é nomeado governador na Cilícia; excelente administrador, obtém o título de imperador após uma expedição punitiva contra os partos (-50).
Mas Crasso é morto por ocasião de uma nova expedição contra esses terríveis inimigos, o que ocasiona em seguida, a guerra civil entre os partidários de César e partidários de Pompeu. Que fazer? Pompeu até então um aliado, mas ele é tão perigoso para a República quanto César, e muito menos inteligente... Irresoluto, Cícero afasta-se em Epiro (Grécia). Quando César esmaga Pompeu em Farsala, de volta à Itália, em -48, César, que estima Cícero (como homem de letras...), lhe dá a entender que pode ficar sossegado e lhe faz propostas, mas Cícero não reassume cargo oficial, vive em sua propriedade rural e se consagra ao estudo. Divorcia-se e volta a casar, perde sua filha Túlia que ele adorava.
Teria podido terminar sua vida em paz, mas em -44 César é assassinado. Antônio pretende suceder-lhe. Cícero faz o jogo do sobrinho de César, Otávio, e pronuncia contra Antônio as famosas Filípicas, o que lhe será fatal. Pois quando se forma o triunvirato Otávio-Antônio-Lépido, Antônio exige a morte de Cícero, e Otávio consente, talvez pensando que Cícero teria tempo de fugir. Por causa dos ventos contrários, Cícero não pode deixar a costa italiana. Recolhe-se em sua casa de campo em Fórnias para esperar os soldados de Antônio, a caminho para assiná-lo.
Morre com dignidade, mas Antônio, sempre vingativo, fará expor sua cabeça em Roma, na tribuna de oradores.
Assim, bastante injustamente, terminava uma vida política e literária das mais fecundas, e morria um orador que o mundo jamais esqueceria, e cujas obras haveriam de ser estudadas sem descontinuidade durante vinte séculos.
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