quinta-feira, 28 de junho de 2018

Marina poderá ocupar o espaço do centro político?

O chamado centro político é um lugar bastante amplo, mas está longe de ser um lugar nenhum

Fernando Schüler

Dias atrás, numa ótima conversa, um ilustre intelectual apoiador da candidatura de Marina me apresentava a seguinte tese: Marina é a melhor chance de que o centro político esteja no segundo turno nestas eleições.

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Seu cálculo é simples. Teremos uma eleição pulverizada, Alckmin não decola e Marina vem consolidando sua posição, de modo discreto e sem mancha ética. Na última pesquisa Datafolha, ela aparece isolada na segunda posição, muito próxima a Bolsonaro e com larga vantagem sobre todos os candidatos em simulações de segundo turno.

Alguns dirão que isso não passa de recall, memória difusa das eleições passadas, e que tudo tende a desmoronar quando começar a campanha de verdade. Há um ponto aí. O retrospecto de Marina, de fato, não ajuda muito. Mesmo que feche um acordo com o Pros, do ex-deputado Maurício Rands, ou outro partido, seu tempo de TV será pequeno, terá pouca estrutura e recursos de campanha.

De minha parte, penso que o problema de Marina é outro. Diria que ela sofre de uma síndrome crônica de ambivalência política. Talvez isso faça parte do seu jeito de fazer política, de ir “metabolizando” e acomodando pequenas contradições. Talvez seja apenas o medo de encarar o custo político de tomar posições mais claras.

Marina tem economistas de primeira linha a seu lado, como Eduardo Giannetti, André Lara Resende e Marco Bonomo. Todos dizem coisas razoáveis sobre a necessidade de rigor fiscal e reformas estruturais, incluindo-se aí as reformas trabalhista e, em especial, da Previdência.

Seu ponto de vista não difere, em linhas gerais, da linha mestra da visão reformista do Brasil que marcou o país desde o Plano Real, o ciclo de privatizações, a Lei de Responsabilidade Fiscal e as reformas desenhadas no programa “Ponte para o Futuro”, base da agenda econômica do presidente Temer.

Ocorre que, de outro lado, a atuação da bancada da Rede no Congresso vai na direção rigorosamente contrária. O senador Randolfe Rodrigues foi a vanguarda da oposição à reforma trabalhista, o mesmo valendo para o deputado Miro Teixeira, relativamente à reforma da Previdência. A verdade é que as posições do partido de Marina se mostraram muito longe de qualquer coisa que se possa chamar de centro político ou modernizador, no dia a dia do Brasil real.

Ok, é possível debitar tudo ao respeito pelo “ativismo autoral” e pelo culto à contradição, mas o que passa, no fundo, é a impressão de que estamos apenas diante de uma imensa fragilidade, política e programática, tão comum e conveniente na política brasileira.

Tomemos o debate em torno da PEC do teto do gasto público. É evidente que, em um mundo ideal, não faz muito sentido regular a expansão do orçamento federal na Constituição. A PEC foi uma medida extraordinária para uma situação limite de descontrole fiscal, vivida pelo país, e sua aprovação ajudou a recuperação, ainda que tímida, da economia, após o desastre do biênio 2015/2016.

Diante disso, Marina insiste na tese de que a PEC foi uma medida “populista e irresponsável” e estaria congelando investimentos em saúde, educação e em “comunidades vulneráveis”.

É possível que isso seja apenas retórica habitual de campanha. Marina tem história para saber que há um oceano de gasto malfeito ou inútil para cortar no governo federal e que não faz sentido sugerir o gasto de dinheiro que simplesmente não existe. Saber que medidas desse porte emitem sinais, geram confiança e são um fator decisivo no sistema de decisão dos agentes econômicos.

Fico imaginando o custo político e a mensagem que o país transmitiria se gastasse a energia do primeiro ano de mandato do próximo governo aprovando uma nova PEC, no Congresso, derrubando o teto de gastos.

Fico imaginando também como seria possível fazer a reforma da Previdência perfeita ou a reforma trabalhista ideal que cada um tem na cabeça. Reformas são graduais e imperfeitas. Foi assim com o fator previdenciário, de FHC, com a minirreforma da Previdência de Lula, em 2003, e seria também com a reforma que deixamos escapar, no ano que passou.

Diria que assim é a democracia. Um jogo que necessariamente demanda negociação e concessões, e cuja virtude reside em saber o caminho a seguir. Sempre desconfiei daqueles que, em nome da reforma perfeita, preferem o conforto de andar na contramão de qualquer reforma.

Dito isso, ninguém pode recusar a tese de meu ilustre amigo sobre as chances de Marina ocupar o centro político, livrando o país da sedução por tipos invertidos de populismo.

Mas para isto terá de resolver suas ambiguidades. O chamado centro político é um lugar bastante amplo, mas está longe de ser um lugar nenhum. Há uma parcela significativa do eleitorado brasileiro disposta a votar em um candidato claramente pró-reformas, que apontar para um novo ciclo de modernização do país. O PSDB historicamente ocupou este espaço, mas dessa vez há um caminhão de pedras pelo caminho.

Marina saberá metabolizar esta possibilidade? Tenho lá minhas dúvidas. O tempo dirá.

Fernando Schüler

É cientista político, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento.


Folha de S. Paulo

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