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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

2018 NO GOLFO PÉRSICO E NO ÍNDICO!

(BBC, 09) 1. A crise no Irã, convenientemente agravada pelos EUA, por Israel e pela Arábia Saudita, diz muito sobre o que vai ser 2018 no Médio Oriente: uma luta entre Riad e Teerã. Com intervenientes muito próximos (Turquia, Rússia, Catar e Emirados Árabes Unidos) e outros mais afastados, mas muito interessados (China, Paquistão, Egito e Sudão). Não é preciso recuar muito no tempo para ver que o que aconteceu no Irã  segue muito do que sucedeu na Síria: manifestações por razões econômicas, que se transformaram em políticas e que acabaram em guerra civil. A mesma estratégia está a ser seguida no Irã e a resposta do Governo é a mesma de Bashar al-Assad: repressão. Mas as condições são diferentes.
2. Não deixa de ser curiosa a posição de Donald Trump e da sua embaixadora na ONU, defendendo a "liberdade", quando o Irã sabe o que esperar de Washington. A memória não é aqui traiçoeira: foi a CIA que patrocinou o golpe de Estado de 1953 que afastou Mossadegh e impôs o Xá. Se juntarmos a isso a luta pela hegemonia na região, as aventuras atrozes de Riade no Iémen (com o apoio de Washington), a tentativa de asfixia do Catar e do Líbano, entende-se melhor a estratégia de Trump. A que se alia a OPV da Saudi Aramco, que deverá ver a luz do dia na bolsa de Nova Iorque.
3. O verdadeiro líder da Arábia Saudita, o príncipe herdeiro (que já afastou internamente a concorrência), Mohammed bin Salman, está empenhado no seu plano de reforma do reino e na tentativa de ser a potência liderante na região. E conta com Trump. Mas se este cair, dificilmente os EUA seguirão uma estratégia semelhante. Os outros países da região estão nervosos: porque sabem que os EUA, como ameaçam fazer no Irã, possam ativamente promover qualquer tentativa de golpe de Estado no seu país. Como a Turquia bem desconfia desde o "caso Gulen", o clérigo que continua em terras americanas. Por isso, as pedras movem-se. Os EUA tentam cercar o Irã, fingindo que o problema são as questões nucleares (algo que a Europa sabe que não são). Neste contexto, é significativo o acordo assinado em Cartum entre o Sudão e a Turquia, para que esta reabilite o porto da ilha de Suakin, que dará acesso a Ancara ao mar Vermelho. As tropas turcas ficarão muito próximas da cidade de Jeddah, na Arábia Saudita. Riade ficou nervosa. O dinheiro para a base deve vir do Catar. Outra nota: o Sudão é o maior fornecedor de tropas para a aventura saudita no Iémen. Será que o golpe contra o Irã se virará contra a Arábia Saudita?
4. Muito do que se tem assistido nos mares do Sul da China está a transferir-se gradualmente para as anteriores águas do Índico. No meio da nova tensão está aquilo que a Índia julgava ser uma zona de influência e que China vai disputando à boleia da sua iniciativa económica. Por perto, atenta, está França, o país com mais interesses territoriais na região. As Seychelles, por exemplo, são um dos palcos dessa luta pela liderança no Índico. Com apenas 650 militares, as ilhas têm dos menores exércitos do mundo.
5. Em Novembro, o general chinês Wang Guanzhong, da Comissão Central Militar da China, visitou Victoria a capital das Seychelles. E um dos tópicos da conversa foi a "cooperação militar". Isto no meio de outras reuniões com diferentes dirigentes chineses onde se apostou no reforço da cooperação económica. Pequenas, e com pouca população, as Seychelles são estrategicamente muito importantes, entre África, a Península Arábica e o subcontinente indiano. E são um polo importante na iniciativa "Rota da Seda" chinesa ou "One Belt, One Road". Isso não deixou de incomodar a Índia, que fez rumar o seu MNE até às ilhas. Para reforçar a relação estratégica entre os dois países. Não é um acaso: o oceano Índico é uma das mais importantes e contestadas vias marítimas. Isso foi notório quando Trump falou da região na sua viagem pela Ásia: deixou de falar em "Ásia-Pacífico" e falou antes de "Indo-Pacífico". Os EUA contam com a Índia para travar o crescimento chinês na zona. Não é um acaso: mais de 60% do petróleo exportado via marítima passa pelo Índico, nomeadamente o que vai do Médio Oriente para as maiores economias asiáticas. A iniciativa chinesa "OBOR" prevê a construção de estradas, caminhos-de-ferro e portos que facilitarão as rotas comerciais marítimas.
6. Uma presença discreta no Índico, mas muito forte, é a de França. Paris controla mais territórios neste oceano do que qualquer outra nação. E parece querer mostrar que ali também conta a sua voz. Na Reunião, por exemplo, usa-se o euro. Na ilha, França mantém um regimento de soldados bem como aviação. Fora a base americana de Diego Garcia, França é uma presença forte, militar e economicamente. Além da Reunião (e Mayotte), Paris controla as ilhas Kerguelen, o arquipélago Crozet, as ilhas St. Paul e Amsterdam e outros ilhéus junto de Madagáscar: Juan de Nova, Europa, Bassas da Índia, Gloriosa e Tromelin, todas sem população residente. Em Mayotte, há um destacamento da Legião Estrangeira. No Índico, calcula-se que França tenha 1.900 navios e aviões e 1.350 soldados, estacionados em Djibouti. Aém disso, tem uma base nos Emirados Árabes Unidos. Mais para lá do Índico, França tem possessões no Pacífico Sul: Nova Caledónia, Polinésia e Wallis e Futuna, o que dá uma dimensão da sua força estratégica.


Ex-Blog do Cesar Maia


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