Do UOL, em São Paulo
2.jan.2011 - Alessandro Shinoda/Folhapress
Lula em seu apartamento, em São Bernardo do Campo; imóvel ao lado é alvo de ação da Lava Jato
Quando for julgar o processo da Operação Lava Jato relativo a um apartamento em São Bernardo do Campo (SP), o juiz Sergio Moro terá que decidir se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cometeu ou não o crime de lavagem de dinheiro por meio do imóvel ao lado do seu, usado pelo político há anos. A posse do apartamento foi alvo de muitas versões, apresentadas ao juiz pelos réus envolvidos no ação penal, incluindo Lula.
A força-tarefa da Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal) acusa Lula, o advogado Roberto Teixeira, amigo do ex-presidente há décadas, e o engenheiro Glaucos da Costamarques, primo de José Carlos Bumlai, também amigo de Lula, de terem atuado em conjunto para ocultar R$ 504 mil por meio do imóvel. Segundo a acusação dos procuradores, o apartamento foi comprado por Costamarques --por ordem de Lula e com ajuda de Teixeira-- com dinheiro ilícito da Odebrecht, oriundo de contratos fraudulentos com a Petrobras.
Ainda de acordo o MPF-PR, a transação tem a ver com a participação da Odebrecht na compra de um terreno em São Paulo supostamente destinado ao Instituto Lula --a entidade nunca ocupou o local, que também é alvo do mesmo processo da Lava Jato. Costamarques tinha os direitos sobre o terreno e os vendeu por R$ 800 mil à DAG Construtora, que depois comprou o imóvel como laranja da Odebrecht. Foi com parte desse dinheiro, de acordo com o MPF-PR, que Costamarques comprou o apartamento em São Bernardo do Campo.
O que diz Lula
Em seu interrogatório, Lula disse não saber como o apartamento foi comprado por Costamarques e afirmou que só soube que o imóvel pertencia a ele quando foi feito o contrato de aluguel do imóvel, assinado pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu no começo do ano.
O ex-presidente também falou, em outro momento, que Roberto Teixeira comunicou Marisa que os antigos donos do apartamento queriam vender o imóvel. "Ao dizer que não ia comprar, apareceu o Glaucos. Não sei quem foi que falou para o Glaucos ir lá", disse Lula.
Segundo Lula, quem cuidava dos pagamentos dos aluguéis era Marisa. À Polícia Federal, o ex-presidente informou, por escrito, que os aluguéis foram pagos "na forma estabelecida no contrato, mediante a emissão de recibos". Lula também declarou o pagamento dos aluguéis no Imposto de Renda.
LULA DIZ QUE MARISA CUIDAVA DE ALUGUEL
No entanto, durante o interrogatório, Moro disse a Lula que sua defesa não havia apresentado os tais recibos. O ex-presidente respondeu que "deve ter recibo" e disse não saber se os advogados já tinham apresentado os comprovantes.
O assunto dos recibos também foi questionado na audiência pelo MPF. Neste momento, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, orientou o ex-presidente a não responder se não achasse "relevante" juntar os recibos ao processo, alegando que era uma questão de "defesa técnica".
O que diz Glaucos da Costamarques
Os recibos que foram assunto das perguntas de Moro e do MPF são referentes ao período entre fevereiro de 2011 e novembro de 2015, quando Lula não teria pagado os aluguéis a Costamarques. Em seu interrogatório, o engenheiro afirmou que não recebeu o aluguel do apartamento naquele intervalo de mais de quatro anos. Os pagamentos só teriam começado, disse Costamarques, depois da prisão de seu primo Bumlai.
"Para mim, estava pago", disse Lula ao argumentar que Costamarques nunca reclamou de aluguéis não pagos.
O engenheiro disse não ter reclamado da inadimplência porque queria, na verdade, que seu primo Bumlai o pagasse pela propriedade do apartamento. Costamarques contou que foi procurado por Roberto Teixeira no fim de 2015 com o compromisso de que os aluguéis começassem enfim a ser pagos.
NÃO ME PAGARAM, DIZ GLAUCOS, PRIMO DE AMIGO DE LULA
No entanto, em depoimentos anteriores à Polícia Federal e ao MPF, Costamarques afirmou que os aluguéis eram pagos diretamente a Roberto Teixeira, a quem devia o pagamento de honorários, mas que não tinha nenhum documento que comprovasse isso. Teixeira também negou ter recebido dinheiro desta forma.
No interrogatório, o engenheiro afirmou ter comprado o imóvel a pedido de Bumlai depois que o dono do apartamento morreu. Segundo Costamarques, Bumlai disse que a família de Lula não queria que "alguém estranho" se mudasse para o local. No entanto, o engenheiro afirmou, em depoimento anterior citado pelo MPF, que quem lhe indicou o imóvel foi Roberto Teixeira.
O que diz Roberto Teixeira
Assim como Lula, Roberto Teixeira atribuiu a Marisa Letícia a responsabilidade pelo pagamento dos aluguéis do apartamento e disse ter elaborado o contrato de locação. O advogado afirmou que Costamarques mentiu em seu interrogatório.
Questionado por Moro se sabia que os aluguéis não foram pagos durante quatro anos, o advogado afirmou que não tinha a responsabilidade de fazer a cobrança de aluguel. O réu também negou ter tratado do suposto atraso nos aluguéis com Lula.
Raquel Cunha/Folhapress
Roberto Teixeira, advogado e amigo do ex-presidente Lula
Teixeira disse que a demora nos trâmites de transferência da propriedade do apartamento foi por culpa dos antigos donos. "É muito comum no direito de sucessões haver esse problema", afirmou no interrogatório.
Segundo o advogado, o apartamento foi comprado por Costamarques diante do interesse de investir em imóveis e da vontade da família de Lula em manter a privacidade, sem a presença de estranhos na unidade vizinha.
Outros réus
Apesar de, segundo a acusação, o dinheiro usado na compra do apartamento ter sido repassado pela Odebrecht por meio da DAG e de Costamarques, os ex-executivos da empreiteira que também são réus na mesma ação disseram desconhecer a transação.
"Se alguém teve conhecimento disso foi o Demerval, ou Paulo Melo, por Roberto Teixeira, eu não sei se eles sabem, eu não sei como se deu isso", disse Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo que leva o nome de sua família, a Moro.
Já Paulo Melo, ex-diretor da divisão imobiliária da Odebrecht, afirmou ao juiz que só teve conhecimento do apartamento quando leu a denúncia do MPF, apresentada no fim de 2016.
Demerval Gusmão, dono da DAG Construtora --que supostamente repassou o dinheiro usado na aquisição do imóvel-- declarou a Moro ter sido "surpreendido com essa compra desse apartamento" durante o processo.
Os interrogatórios do processo já chegaram ao fim. Agora, as defesas podem pedir a Moro investigações complementares, entre outras providências, que serão ou não acatadas pelo juiz. Depois, os advogados dos réus farão suas alegações finais. Com isso, a ação penal deverá estar pronta para a sentença de Moro.
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