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domingo, 24 de setembro de 2017

Porto Alegre ainda sofre com atrasos na execução do plano cicloviário

Apesar disso, a adesão à bicicleta cresce na Capital

Cidade tem falta de políticas públicas que incluam ciclistas | Foto: Samuel Maciel

Cidade tem falta de políticas públicas que incluam ciclistas | Foto: Samuel Maciel

A mobilidade urbana em Porto Alegre, assim como em outras capitais, funciona como uma via de duas mãos. Em uma das pistas, vêm os ciclistas, em busca da sustentabilidade e da praticidade na locomoção do dia a dia. O grupo cresce ao longo dos anos, algo que se comprova na atuação de movimentos cicloativistas, no desenvolvimento de novas tecnologias e no próprio mercado de bicicletas. No sentido oposto, em alta velocidade, uma frota de automóveis passa rente aos veículos não motorizados. Este lado da via conta com toda uma cultura de consumo e políticas a seu favor, enquanto o outro tem menos de 10% das ciclovias previstas no Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) aprovado há oito anos.

Este contraste pode ser simbolizado em uma pedalada realizada na Capital na sexta-feira passada, Dia Mundial Sem Carro. Promovido pela Mobicidade - Associação Pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, o evento contou com grande interesse de um público com objetivo de mostrar ao poder Executivo e à sociedade o tamanho da demanda para a construção de ciclovias e ações voltadas para a bicicleta.

Os problemas da mobilidade na Capital podem ser percebidos no tráfego diário, no qual frequentemente os ciclistas precisam se misturar aos carros e motocicletas pela falta de ciclovias em trechos importantes. Quando isso ocorre, raramente a distância mínima de 1,5 metro estabelecida pelo artigo 201 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é respeitada. Pior ainda: precisam conviver com constantes xingamentos e até mesmo com o assédio sexual, no caso das ciclistas mulheres.

Quem relata é a empresária Laís Webber, de 27 anos, que há mais de um ano optou por fazer quase todos seus trajetos diários com a bicicleta. De acordo com ela, é quase rotineiro motoristas do sexo masculino chegarem bem próximos das ciclistas, diminuírem a velocidade dos carros e as assediarem verbalmente. Há vezes em que o assédio ultrapassa até mesmo o limite das palavras. No dia em que concedeu entrevista ao Correio do Povo, por exemplo, Laís sofreu tentativa de assédio físico. Enquanto passava pelas imediações do Acampamento Farroupilha, um homem parado na ciclovia simplesmente tentou mordê-la. “Não quero que mais gurias tenham medo de andar de bicicleta, mas as pessoas têm que saber desses absurdos”, afirma.

Na contramão das ciclovias

Episódios de agressividade e falta de respeito envolvendo pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas de carros e ônibus são comuns e precisam ser trabalhados por meio da educação e da fiscalização das leis. O problema é que pedestres e ciclistas são o lado mais fraco entre os personagens que compõem o trânsito. Mas esses não são os únicos obstáculos de quem pedala em Porto Alegre.

Isso porque o próprio trabalho feito pelo poder público – ou a falta dele – muitas vezes também vai na contramão do modal. Laís cita alguns pontos dentro dos trajetos que costuma fazer que servem de exemplo. Um deles é a rua General João Telles, onde há uma continuação da ciclovia da rua Vasco da Gama, que ligaria a via até a Redenção. No entanto, quando se chega à avenida Osvaldo Aranha, a ciclovia termina e ainda há uma mureta que dificulta o cruzamento. Outro exemplo semelhante é no espaço da avenida Loureiro da Silva, onde um tapume das obras da Praça dos Açorianos chegou a ser colocado sobre a passagem. Em outros pontos da mesma rua, o estacionamento de automóveis continua sendo permitido junto à ciclovia, algo que gera medo de colisão com portas de carros sendo abertas.

Em alguns casos, as ciclovias se mostram até mesmo sem utilidade, como a presente na rua Dona Adda Mascarenhas, na zona Norte, que “não liga nada a lugar nenhum”, conforme o vereador Marcelo Sgarbossa (PT). Em outros locais, os problemas vão diretamente contra a lei. Na ciclovia da rua José do Patrocínio, o ciclista, ao chegar ao cruzamento com a rua da República, precisa apertar o botão da sinaleira para conseguir atravessar com total segurança. O mesmo ocorre na avenida Ipiranga, onde as bicicletas ficam penalizadas com relação aos motoristas por terem que esperar para mudar de lado. “Esses pontos estão ilegais, porque a lei diz que a preferência deve ser do coletivo e do não motorizado sobre o individual motorizado”, afirma Sgarbossa.

Há uma brincadeira que os integrantes da Mobicidade fazem ao falar das ciclovias, a de que existem três formas de construí-las: a correta, a equivocada e a que é feita em Porto Alegre. Isso porque, de acordo com o ativista Daniel Silva, o pouco que se tem construído com relação ao que prevê o Plano Diretor sequer tem a qualidade necessária. Os relatos são de pistas remendadas, esburacadas, mal sinalizadas e sem manutenção, além de falta de diálogo do poder público municipal com o usuário. “No nosso entendimento de quem acompanha, essa gestão não vê a bicicleta como algo possível para a cidade. Não está no mapa da gestão”, afirma.

O diálogo com ciclistas e movimentos representantes, segundo Silva, já era difícil em gestões anteriores, mas ainda havia alguma perspectiva. Na administração do prefeito Nelson Marchezan Júnior, no entanto, o ativista afirma que ocorreu uma ruptura completa no acesso à informação junto à EPTC.


Correio do Povo

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