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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

“PARA A SOCIEDADE ITALIANA OS POLÍTICOS NÃO ERAM MAIS NECESSÁRIOS”!

Da entrevista do historiador Giovanni Orsina, professor da universidade LUISS - Guido Carli, em Roma - Folha de S. Paulo (28).

1. A Itália dos anos 1980 era um mix de tudo isso, elite, classe média, operários. Como disse, em vez de a sociedade se responsabilizar também pela situação, os italianos resolveram colocar toda a culpa nos políticos. Acharam que se você se livrasse de bodes expiatórios, tudo ficaria bem. Apoiaram a Mãos Limpas, só que nada foi plantado exceto a ideia de que a política é ruim, e que os magistrados eram mágicos. Pediam a mudança, mas não aceitavam dar os instrumentos a quem poderia fazê-la. Acabou com o sistema.

2. No caso de Antonio di Pietro [o juiz principal da Mãos Limpas, que virou ministro do governo de centro-esquerda de Romano Prodi em 1996 e de 2006 a 2008]. Houve artigos incríveis escrito por ele e também por outros, nos quais era adotada uma retórica moralista. O indiciamento ético da classe política era moral, não judicial. Tanto que ele apareceu em um programa de TV fazendo café da manhã, um verdadeiro herói do povo. Depois ele viria a fundar um partido, o Itália de Valores [em 1998], cujo nome diz tudo.

3. Em 1994, quando Berlusconi foi eleito, sua figura era a solução para a demanda por moralidade. Ele não era um político, e para a sociedade os políticos não eram mais necessários. E há mais: a sociedade civil julgou que estava na hora de colocar um dos seus, o melhor dos seus integrantes, no poder. Ele nem precisaria roubar, pois era bilionário. E encarnava o trabalho duro, o empreendedor, o "self-made man". Era uma solução brilhante. Era o filho da revolução, só depois o chamaram de ilegítimo.

4. A Itália nunca ficou totalmente contra Berlusconi. Eu diria que apenas aqueles que eram contra ele já em 1994, estratos da elite e a esquerda, continuam seus adversários. Ele está de volta, está fazendo política e vai influenciar nas eleições de 2018.

5. A Itália nunca se recuperou das Mãos Limpas. O sistema político ficou tão enfraquecido que mesmo um personagem como Berlusconi, acusado de tantas coisas, ainda é um grande ator.

6. A sociedade quis a solução do grande gestor. Mas é importante lembrar que ele não foi eleito só por isso. A falta de alternativas era enorme. Ninguém queria um governo dos pós-comunistas, a esquerda.

7. Naturalmente não posso falar sobre o Brasil, que não conheço bem. Mas a lição que ficou da crise na Itália é uma muito difícil de ser ouvida: a política é uma atividade necessária, tem suas próprias regras e seu próprio tempo. Políticos têm de ser bem pagos para fazer seu trabalho sem desvio, e se você não der os instrumentos, a política falhará. Se ela falha, o campo fica aberto e é povoado por todo tipo de personagem. A Itália não aprendeu a lição.


Ex-Blog do Cesar Maia

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