Até onde vai o liberalismo econômico do prefeito João Doria e do deputado federal Jair Bolsonaro?
Quanto mais os dois potenciais candidatos à Presidência em 2018 vociferam contra os abusos do PT no comando do Estado inchado brasileiro, mais a pergunta se impõe.
E só se impõe porque as contradições de ambos fazem a dúvida permanecer no ar.
Eleito com uma plataforma liberal, depois reforçada pelo “maior programa de privatização da história de São Paulo” e até pela defesa da privatização gradual da Petrobras , Doria publicou na quarta-feira (20) um vídeo para rebater a narrativa de que ele enviou à Câmara dos Vereadores, simplesmente porque quis, um projeto de lei que prevê a incidência de ISS (Imposto Sobre Serviços) para empresas de transmissão de conteúdo pela internet, como Netflix e Spotify.
Em dezembro de 2016, de fato, o presidente Michel Temer sancionou a reforma do ISS, que instituiu em lei federal a cobrança do imposto sobre serviços de streaming.
“Todos os municípios brasileiros têm que cobrar impostos de quem presta serviços, inclusive nessa área de streaming”, alegou o prefeito, acrescentando que isto é comum em outros lugares do mundo onde as referidas empresas operam.
O problema veio nas reiteradas declarações a seguir:
1) “Agora não adianta dizer que vai cobrar do consumidor isso, não. Netflix é uma empresa rica, produz um excelente serviço, eu sou um usuário, meus filhos, minha esposa [também são] em nossas casas.”
2) “Agora não vem com essa história de que, ao cobrar imposto, que nunca pagou, vai repassar para o consumidor. Negativo. Os lucros da Netflix e de outras empresas de streaming são suficientemente altos para pagar os impostos municipais, seja na cidade de São Paulo, ou qualquer outra cidade do país.”
3) “Aqui em São Paulo não tem conversa: vai pagar o imposto, sim. E não deve aumentar o valor do serviço prestado à população. Por quê? Tira da sua margem.”
4) “O dono da Netflix é bilionário. Não tenho nada contra isso. Da Spotify, também. Nada contra. Agora não venha querer ganhar em cima do consumidor, daquele que paga e já paga bem por esse serviço. Paguem os seus impostos, Netflix e Spotify, e façam como uma empresa responsável. As brasileiras fazem isso, vocês podem fazer também.”
Ao menos quatro vezes, portanto, Doria assume a voz do Estado controlador e busca interferir na política de preços de duas empresas privadas, com apelos populistas para que elas não repassem a carga da cobrança estatal para o consumidor.
É de dar inveja a petistas como Lindbergh Farias, defensor do aumento da tributação dos mais ricos, frases de viés autoritário como “Tira da sua margem”.
Já Bolsonaro, em 2005, no Programa do Jô, criticou FHC da seguinte maneira:
“Barbaridade é privatizar, por exemplo, a Vale do Rio Doce como ele fez; é privatizar telecomunicações; é entregar nossas reservas petrolíferas para o capital externo. E a hora que você conseguir a autossuficiência do petróleo aqui, essas empresas de fora vão continuar tirando petróleo a 7 dólares e vendendo a 60. O lucro é deles!”
Em seu discurso nacionalista contra às privatizações ocorridas no governo FHC – incluindo a da Telebras, que acabou por popularizar o acesso à telefonia móvel –, Bolsonaro soava como Lula; e ainda acrescentava em tom irônico:
“Num país sério, o que ele [FHC] fez com as privatizações aqui, com toda a certeza que ele iria para aquele lugar lá” – no caso, o paredão de fuzilamento, amenizado pelo deputado como força de expressão.
Em 2017, porém, Bolsonaro respondeu a Bruno Dornelles se manteria o Estado grande:
“Quando você fala em período militar, era uma outra época, completamente diferente. E muitas estatais foram criadas e funcionaram naquele período. Tinha muitos coronéis estatistas, sim, mas a corrupção praticamente inexistia. Hoje em dia, os tempos mudaram, você tem que partir para uma privatização. Tem estatais que não tem nem que ser privatizadas, tem que ser extintas. Se eu não me engano, são 148 estatais no Brasil, que servem apenas de cabide de emprego. Então isso tem que ser mudado. Afinal de contas, o Estado tem que interferir o mínimo possível na economia.”
Os militares criaram 47 estatais no Brasil; e o PT, 43, quando já havia cerca de 100. O capitão da reserva distingue os dois casos, mas, reconhecendo que evoluiu em alguns pontos, adota hoje um discurso bem mais liberal que o de doze anos atrás, embora ainda com ressalvas sobre setores “estratégicos”, como o de energia, e até no caso da Petrobras, que, segundo ele, precisaria ser recuperada primeiro.
As posições de Doria e Bolsonaro já representam um avanço em relação à da esquerda, mas, se quiserem realmente se contrapor ao estatismo esquerdista e disputar os votos de centro-direita, precisam entender melhor o tema para explicar com coerência e exemplos práticos, inclusive em eventuais debates de TV, até onde foi e pretende ir o liberalismo econômico de cada um.
O Antagonista
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