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domingo, 24 de setembro de 2017

A política aos olhos de Pedro Simon

Ex-governador do RS e ex-senador analisa cenário atual e não poupa críticas a colegas

Com a aposentadoria, Simon resolveu propagar suas ideias em palestras e debates | Foto: Luiz Sérgio Dibe / Especial / CP

Com a aposentadoria, Simon resolveu propagar suas ideias em palestras e debates | Foto: Luiz Sérgio Dibe / Especial / CP

O caminhar compassado e a cabeleira algodoada denotam a longeva existência do senhor de semblante concentrado que atravessa a porta do escritório, carregando na mão esquerda uma resma formada por páginas de diferentes cores e tamanhos. Com um aperto de mão vigoroso, ele senta à cadeira do anfitrião. Corre os dedos pela fronte e começa a espalhar os lembretes sobre a mesa de madeira nobre. “Tenho alguns assuntos que gostaria de falar”, avisa logo Pedro Jorge Simon, 30º governador do Rio Grande do Sul e senador dos gaúchos durante 32 anos. Ele recebeu a reportagem do Correio do Povo em sua casa, no bairro Petrópolis, onde vive cercado por livros e onde elabora as palestras que tem proferido a convite de instituições de ensino, entidades de classe e associações. Em meio a recortes de jornais e anotações, contou sobre sua despedida da política e dividiu visões sobre o momento pelo qual passa o país.

"Entrei para perder"

Pedro Simon não esconde uma felpa de encabulamento quando fala de sua última participação em eleições. Foi em 2014, quando acabou “chamado” a compor chapa majoritária com José Ivo Sartori (PMDB) e José Paulo Cairoli (PSD), depois que Beto Albuquerque (PSB) trocou a vaga de candidato a senador para ser vice de Marina Silva (Rede), pela circunstância da morte de Eduardo Campos (PSB), em acidente aeroviário. Foi a única eleição que o senador perdeu. “Nesta última eleição, eu não tinha mais vontade de concorrer. Havia dito isso ao partido. Mas fui chamado quando o Eduardo Campos morreu na queda daquele avião, porque o Beto Albuquerque não seria mais o candidato a senador, na chapa com o Sartori. A vaga deveria ser do (Germano) Rigotto, mas o Sartori tinha escolhido o Cairoli para vice, que é um cara conservador. Então, o Beto dava certo equilíbrio, por ser do partido socialista. Acho que o Rigotto ficou chateado, e com razão. Um cara como ele ser segunda opção? Não dá. Daí fui chamado pelo Ibsen Pinheiro e pelo Luís Roberto Ponte. Fui só preencher vaga. Não fiz campanha. Entrei para perder.”

Cobrar por palestra ficou estranho

Com a aposentadoria da política, Simon decidiu não deixar a política. Como assim? Em vez de eleições, disputas e exercícios de mandato, resolveu propagar suas ideias em palestras e participações em debates. “Não consigo parar. Acho que ainda posso prestar minha contribuição, levando minha experiência aos jovens que me convidam. Às vezes, nem sei por que querem ouvir o que tenho para dizer. Mas quando convidam, vou. Tenho estudado e me preparado para isso. Só que tem uma coisa: eu não cobro nada. Esse negócio de cobrar ficou muito estranho, meio chato para homem público. Se me convidam, vou lá e falo.”

Combate à corrupção está ameaçado

Para Simon, a crise política nacional é uma “agonia” impulsionada pela corrupção que atingiu “índices inimagináveis”. “Mais que na operação Mãos Limpas sobre a máfia napolitana. Mais que na Chicago do Al Capone.” Na visão do senador, parte do serviço público do Brasil, liderado por mandatários com cargos de comando em estatais, constituiu uma “organização criminosa” que supera os malfeitos do passado. Para ele, a recente ofensiva contra crimes de corrupção representa um marco. “O problema é que nossa operação Lava Jato está ameaçada. Há um complô no Congresso para retirar dispositivos que fortalecem o combate à corrupção e para intimidar os procuradores do Ministério Público Federal. Se o sentimento de impunidade voltar, o Brasil vai retroceder ao tempo dos generais e dos políticos de antes do golpe militar. Naquele tempo já havia corrupção, só que ninguém investigava, ninguém ia preso”, comentou.

Privatizações são equívoco

Simon não esconde o desencanto pelo presidente Michel Temer, que integra o alto comando de seu partido. “Quando terminar este mandato e não houver mais foro especial para protegê-lo, Temer será denunciado e processado por coisas muito piores que essas das recentes delações.” Também disse que um governo de transição não deveria acelerar reformas sem discussão ampla com a sociedade e afirmou que considera “um grande equívoco” a política de privatizações. “São temas que se pode debater de forma democrática. Não pode fazer a toque de caixa. Privatizar para pagar dívida pública? Em meio a toda essa corrupção envolvendo o governo? Temer faz parte de um grupo de figuras estranhas que tomaram conta do PMDB nacionalmente.”

Reforma prestes a fracassar

Quando o tema envereda para reforma política, Simon se monstra ainda mais desanimado. “A história do Brasil é de não ter partidos de verdade. Com listão, sem cláusula de barreira e rigor na fidelidade partidária para evitar oportunismo, com manutenção das coligações, o país jamais vai consolidar a vida partidária.” Ele também criticou severamente a utilização e a possibilidade de ampliação de recursos públicos para campanhas eleitorais. “Campanha com verba pública é um absurdo. Aquelas produções caríssimas de TV só servem para mentir. A defesa da candidatura deveria ser feita na TV pelo candidato falando, de preferência ao vivo, como num comício. Daí fica mais difícil mentir.”

Crise no Estado

Hora de falar sobre Rio Grande do Sul e Simon aperta um lábio contra o outro, passa lentamente a mão na cabeça, da fronte até a nuca. “Não vou entrar com prazer, mas vou entrar neste assunto”, admitiu. Para ele, o Estado não sai da crise sem ajuda federal. O senador defende a regulamentação da Lei Kandir, a revisão da dívida pública e do pacto federativo como formas de ajustar a relação de forças entre Estado e União. Simon, no entanto, lembrou que dificuldades financeiras sempre existiram e que não concorda com privatizações. “Se vendermos um Banrisul, uma CEEE agora, o que vamos vender na próxima crise? Um pedaço do Rio Grande?” Sobre a possibilidade de adesão do Estado ao Plano de Recuperação Fiscal de Michel Temer e Henrique Meirelles, Simon é enfático. “A lógica do Meirelles não atende ao interesse público. Sartori é um homem sério e precisa achar outros caminhos para marcar algo positivo em seu governo.”


Correio do Povo

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