Rômulo Bini Pereira
São passados 25 anos desde o primeiro emprego operacional das Forças Armadas na cidade do Rio de Janeiro. De fato, em 1992, elas atuaram na segurança da ECO/92, evento no qual participaram autoridades mundiais do mais alto nível. O total clima de tranquilidade ocorrido no decorrer desse encontro internacional foi reconhecido pela população carioca. Contudo, logo após o término da ECO/92, o crime organizado voltou a atuar nas favelas do Rio. Apoiado no sucesso alcançado em 1992, o presidente Itamar Franco decidiu por novo emprego das Forças Armadas no Rio, com objetivos operacionais diferentes da ECO/92. Nesta o conflito armado não era tão evidente, mas na nova missão, denominada Operação Rio I, o objetivo era o confronto direto com o crime organizado.
A operação realizou-se com expressivos efetivos militares, muito bem planejada e executada, mas as primeiras críticas surgiram quanto aos métodos utilizados em suas ações e, principalmente, quanto à inconstitucionalidade de seu emprego. Ela fora concretizada mediante convênio com o governo fluminense. Um artifício para enfrentar aquele momento.
Desde então, são incontáveis as ocasiões em que as Forças Armadas foram empregadas, não só no Rio como em outros Estados da União. As decisões de nossos governantes já se tornaram corriqueiras quanto à solicitação de tais empregos e representam a última providência para se evitar o caos. Não existe outra alternativa. Quando os poderes estaduais demonstram incapacidade na condução ou solução dos graves problemas de ordem pública, voltam a solicitar a atuação das Forças Armadas.
Assim, seria necessário dar sustentação a essas sensíveis ações, elaborando-se legislações específicas configuradas no que se nominou de ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO - LC 97/1999 e Dec. 3897/2001). Uma legislação complexa que solicitou das três Forças uma série de documentos complementares para uma correta orientação de seus subordinados, não só na atividade operacional, mas também em outros campos como da Justiça e dos Direitos Humanos.
Na Operação Rio I, onde se buscou o confronto direto com os criminosos, predominou, até pelo seu ineditismo, a formação operacional da tropa com consequentes repercussões errôneas na área judicial. Vários militares responderam pelos seus atos e permaneceram “sub judice” na justiça civil por alguns anos. Ativistas dos Direitos Humanos — predecessores de Glesi e Rosário — apoiados pela mídia televisiva, realizavam um intenso acompanhamento das ações militares e sugeriam atitudes e procedimentos que chegavam ao "nonsense". Nas regras de engajamento, os soldados empenhados nos confrontos com traficantes comentavam ironicamente que "só se poderia atirar depois de morrer".
As primeiras ocorrências judiciais, bem como as dos direitos humanos, constituíram-se e, constituem ainda, em um real empecilho, embora não manifesto, na ação individual do militar. Ela tornou-se mais preventiva e passiva do que ativa. Uma autodefesa, consciente ou não, para a evitação de problemas judiciais de toda ordem. Um desafio para todos os níveis de comando. Ao término da Operação Rio I, foram apresentadas, em relatórios, várias sugestões ainda hoje válidas.
O emprego da tropa deveria ser eventual e de curta permanência, pois as razões negativas de longos períodos são por demais conhecidas. Além da surpreendente oposição voluntária ou não da população que vive em favela, o crescente desgaste da tropa em uma missão de caráter policial e os elevados custos que incidem nos orçamentos militares, muitos deles sem retorno, caracterizam as citadas razões negativas. Ficou também muito claro que a operação necessitava do apoio de órgãos policiais nos níveis federal, estadual e municipal. É uma operação tipicamente policial e as Forças Armadas não têm poder de polícia.
Principalmente nos dias atuais, no Rio de Janeiro, as críticas e as culpas do seu ambiente altamente explosivo são creditadas, prioritariamente, aos seus órgãos policiais. Deve-se assinalar que, no presente ano, perderam uma centena de homens e mesmo assim continuam o seu perigoso trabalho, sob um ambiente de desgoverno e de possível pré-guerra civil.
O fortalecimento e a correção de falhas nessas organizações policiais são medidas de imprescindível urgência para a redução do estado de esfacelamento que vigora no Rio e que, numa hipótese não desejável, poderá se propagar para todo o País. Além de apoio integral, tais organizações necessitam de fiscalização constante, o que, na prática, não vem acontecendo, desde a década de 80.
Como fruto ainda do relatório da Operação Rio I, a “surpresa” é de difícil concretização nas ações táticas a serem realizadas. O vazamento das ações é evidente e resultante da institucionalização do crime em vários segmentos do poder público que, por sua vez, alimenta com informações o crime organizado.
Nas operações, ora em andamento no Rio de Janeiro, foi adotada uma conduta que já se fazia necessária em ações de GLO. É preciso que haja integração, coordenação e controle dos órgãos empenhados e subordinados a um único comando tático, responsável pelas operações do combate direto ao crime. Ele deverá ser salvaguardado pelos escalões mais altos da esfera estadual e federal. Entretanto, para a obtenção do êxito, os representantes desses governos, ao darem seus depoimentos, deverão se limitar ao que for inerente às suas funções.
Apesar de não se antever soluções a curto prazo, em razão da enorme complexidade do problema e de suas inúmeras consequências para a sociedade brasileira, a simples presença do poder do Estado nessas áreas conflagradas já será sinal de bom augúrio e esperança. Um passo efetivo para se atingir o tão sonhado estado de direito nas favelas cariocas. As citadas operações não poderão falhar, sob pena de ficarem desacreditadas e de termos o nosso frágil regime democrático confrontado, com graves consequências para todo o País.
General-de-Exército. Na ativa foi Chefe Estado-Maior/Min Defesa.
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