quinta-feira, 6 de julho de 2017

Partidários de Maduro invadem Parlamento e agridem deputados a pauladas

Parlamentares e jornalistas só conseguiram abandonar prédio após nove horas de cerco

Deputados e jornalistas conseguiram abandonar o Parlamento no início da noite, após nove horas de cerco | Foto: Juan Barreto / AFP / CP

Deputados e jornalistas conseguiram abandonar o Parlamento no início da noite, após nove horas de cerco | Foto: Juan Barreto / AFP / CP

Dezenas de partidários do presidente Nicolás Maduro invadiram nesta quarta-feira o Parlamento venezuelano, controlado pela oposição, onde agrediram diversas pessoas, incluindo sete deputados. Eles mantiveram o local cercado durante várias horas. Deputados e jornalistas conseguiram abandonar a Casa no início da noite, após nove horas de cerco, quando militares e policiais formaram um cordão para separar as pessoas que saíam do Palácio Legislativo.

Minutos antes da retirada das pessoas, Julio Borges, presidente do Parlamento, afirmou que no recinto estavam "sequestradas" 350 pessoas, sendo 108 jornalistas. Durante o cerco, nas duas entradas da Assembleia os partidários de Maduro gritaram contra os deputados da oposição, chamados de "assassinos" e "terroristas", e prometeram: "Não vão sair, terão que comer os tapetes"!

Os incidentes ocorreram sob o olhar da Guarda Nacional, que não interveio para impedir a ação dos partidários de Maduro, limitando-se a afastar os jornalistas das entradas da Assembleia. "Estamos sequestrados neste momento", declarou o deputado Williams Dávila, membro da comissão de política externa do Parlamento, que qualificou o ataque de "tentativa de homicídio".

"Qualquer perda de vida, qualquer agressão física será de responsabilidade do presidente (Maduro), de seus ministros e dos encarregados da ordem pública", declarou Dávila. O deputado questionou a atitude da Guarda Nacional, que não fez nada para evitar a invasão do Parlamento e a agressão aos deputados.

Legisladores mantiveram comunicação com vários chanceleres e congressistas da região, e com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, para relatar a situação e pedir apoio. Almagro denunciou que Maduro "pretende instaurar a violência institucional do Estado, em uma guerra suja contra o povo, incluindo um ou vários mortos por dia, como se tratasse de uma nova normalidade". "Quando a voz do povo é calada com armas e violência é porque já não resta nada da democracia", acrescentou o secretário-geral da OEA. Os deputados Américo de Grazia, Nora Bracho, Armando Armas, Luis Carlos Padilla e Leonardo Regnault foram agredidos violentamente - três deles na cabeça - e levados a um centro médico.

De Grazia teve convulsões e ferimentos mais graves. "Isso não dói mais do que ver todos os dias como perdemos o país", declarou Armas aos jornalistas ao subir em uma ambulância com curativos na cabeça. Segurando pedaços de paus, dezenas de pessoas, algumas encapuzadas, forçaram os portões do Palácio Legislativo, onde acontecia uma sessão solene pelo Dia da Independência, e detonaram bombas de efeito moral nos jardins e corredores, gerando caos e pânico. Pelo menos três pessoas estavam armadas, segundo relatos de jornalistas presentes no local.

Em meio à fumaça das bombas, os partidários golpearam deputados e outros funcionários, além de obrigarem jornalistas a abaixar suas câmeras e abandonar o prédio, sem que fossem contidos pela Guarda Nacional. O país vive uma alta tensão por protestos opositores que exigem a saída de Maduro. Em três meses, 91 pessoas morreram nos protestos.

O cenário é agravado por uma devastadora crise econômica e uma inflação fora de controle no país com as maiores reservas de petróleo do mundo. "Não vamos nos intimidar com esses atos de violência. Não vamos nos calar sobre a Constituinte comunista", disse o vice-presidente do Parlamento, Freddy Guevara.

Reação internacional

Os Estados Unidos condenaram o ataque afirmando que "esta violência, executada durante a celebração da independência da Venezuela, é um assalto aos princípios democráticos valorizados por homens e mulheres que lutaram pela independência do país há 206 anos".

Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, fundadores do Mercado Comum do Sul (Mercosul), manifestaram que "tais fatos, precedidos de uma intervenção de altas autoridades do Poder Executivo, sem prévio acordo das autoridades legislativas, constituem um avassalamento do Executivo sobre outro Poder do Estado, algo inadmissível na institucionalidade democrática".

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, condenou as agressões aos deputados opositores e reiterou o seu chamado ao diálogo para resolver a crise. "Novamente chegam notícias de violência na Venezuela. Desta vez a violência foi no templo da democracia, que é o recinto da Assembleia Nacional, e como democratas temos que condenar essa violência".

O presidente do Executivo espanhol, Mariano Rajoy, manifestou no Twitter sua "completa condenação à violenta invasão ao Parlamento da Venezuela".  O governo do Chile também repreendeu os atos violentos dessa quarta-feira. A chancelaria do país pediu que seja aberto um diálogo "confiável" entre ambas as partes.

O incidente ocorreu durante um recesso da sessão parlamentar e enquanto Maduro participava de um desfile militar na avenida de Los Próceres, pelo 206º aniversário da independência venezuelana. "Condeno absolutamente esses fatos, até onde os conheço. Nunca serei cúmplice de qualquer ação de violência", disse Maduro no ato, sem admitir que quem entrou no Legislativo foram seus apoiadores.

Depois, Maduro recriminou a oposição, exigindo que também condene a violência nos protestos e o ataque de 27 de junho, quando um policial lançou quatro granadas de um helicóptero contra a sede do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) em Caracas.

"Eu queria que a direita condenasse o ataque terrorista com bombas e balas, elo criminoso que estamos procurando", afirmou o presidente, que chamou essa ação de "intentona golpista".

Da pólvora aos votos

Durante o desfile, Maduro ressaltou a lealdade da cúpula militar e pediu às Forças Armadas que se mantenham unidas e que apoiem a revolução e a Constituinte. "Quando a nova Assembleia Constituinte for instalada, estaremos reeditando nosso desejo de sermos livres, soberanos e independentes", disse mais cedo o chefe das Forças Armadas, general Vladimir Padrino López.

Na sessão do Parlamento, seu presidente, Julio Borges, pediu à instituição castrense que defenda a democracia, depois de lamentar que o "militarismo esteja se impondo" aos civis. "A Venezuela vive um dilema, uma encruzilhada, queremos passar da soberania da pólvora à soberania dos votos", acrescentou.

Antes da invasão do Parlamento, o vice-presidente, Tareck El Aissami, havia convocado "os excluídos pelo modelo capitalista e por essa classe política apátrida (oposição)" a comparecer à Assembleia para referendar seu compromisso com a revolução. Depois, um grupo de chavistas foi para a frente do edifício legislativo para um "plantão" com discursos contra os opositores e contra a procuradora-geral, Luisa Ortega, processada judicialmente pelo governo. "Traidora", gritaram os partidários sobre Ortega fora do Parlamento.


AFP e Correio do Povo

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