Felipe Amorim
Do UOL, em Brasília
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O presidente Michel Temer foi denunciado por corrupção pelo Ministério Público
A delação da JBS que já motivou uma denúncia por corrupção contra Michel Temer (PMDB) pode levar à abertura de um novo inquérito, dessa vez para investigar a atuação de supostos intermediários utilizados pelo presidente para o recebimento de propina.
O pedido para a nova investigação mira também um decreto do setor portuário publicado por Temer em maio. A PGR (Procuradoria-Geral da República) quer investigar se houve a tentativa de beneficiar empresários que participariam do suposto esquema de corrupção.
O STF (Supremo Tribunal Federal) ainda não decidiu se autoriza a investigação. Antes, o ministro Edson Fachin pediu que a Procuradoria indique se o caso deve ser analisado por ele ou pelo ministro Marco Aurélio Mello, responsável por outra investigação, já arquivada por falta de provas, sobre um suposto esquema de corrupção com a participação de Temer no porto de Santos.
Temer tem negado o envolvimento em qualquer irregularidade e classificou a denúncia da Procuradoria contra ele como uma peça de "ficção", baseada em "ilações".
As suspeitas
Foi da conversa gravada entre o delator da JBS Ricardo Saud e o antigo assessor do Planalto Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) que surgiram as suspeitas.
No diálogo, Loures e Saud citam outras pessoas como possíveis intermediários para receber a propina negociada com a JBS e parecem fazer referência a antigos episódios em que eles já serviram a esse mesmo propósito.
Rocha Loures e Saud se encontraram no dia 24 de abril, numa cafeteria de São Paulo. Dali a quatro dias, Loures seria flagrado numa operação da Polícia Federal recebendo R$ 500 mil em dinheiro dentro de uma mala entregue por Saud, em uma pizzaria de São Paulo.
O episódio levou a PGR a apresentar uma denúncia pelo crime de corrupção contra Temer e Rocha Loures. A suspeita da Procuradoria é de que o dinheiro se refere a propina para que o governo atendesse interesses empresariais de Joesley.
Nos encontros em São Paulo, Saud e Loures citam os nomes de Ricardo, Celso, "coronel", Edgar e Yunes.
Posteriormente, a Polícia Federal os identificou como sendo os executivos da Rodrimar, empresa que atua no porto de Santos, Ricardo Conrado Mesquita e Antônio Celso Grecco, e o dono da Argeplan Arquitetura e Engenharia João Baptista Lima Filho, conhecido por coronel Lima.
O Edgar mencionado seria Edgar Rafael Safdie, segundo a Polícia Federal, e Yunes seria o advogado José Yunes, amigo de Temer e ex-assessor do Planalto no governo do peemdebista.
A Procuradoria-Geral da República diz que o diálogo indica suspeitas de que os citados já teriam atuado como intermediários de propina para Temer e Loures.
"Os elementos de informação até então colhidos indicam que as pessoas de "Ricardo" (Ricardo Conrado Mesquita), "Celso" (Antônio Celso Grecco), "Edgar" (Edgar Rafael Safdie), "Coronel" (João Batista Lima Filho) e José Yunes intermediaram os repasses de valores ilícitos em favor dos denunciados", escreve a Procuradoria no pedido ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que essas suspeitas sirvam à abertura de um novo inquérito.
O novo inquérito, se autorizado, terá o objetivo, segundo a Procuradoria, não apenas de confirmar a identidade dos citados no diálogo como também apurar se houve participação deles no recebimento de propina. A suspeita é de que possam ter sido cometidos os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
"Dessa maneira, há nos autos elementos suficientes que justificam a instauração de investigação específica para melhor elucidar os fatos, de maneira não apenas a confirmar a identidade das pessoas mencionadas, como também esclarecer em quais circunstâncias atuaram para repassar dinheiro ilícito aos denunciados", escreve o procurador-geral Rodrigo Janot.
O UOL entrou em contato com as defesas dos cinco citados. Mesquita, Grecco e Yunes negam todas as acusações. Os advogados de coronel Lima não retornaram as ligações, e Edgar e seu advogado não foram encontrados.
Veja abaixo quem são as pessoas que a Procuradoria quer investigar.
Os executivos Ricardo Mesquita e Celso Grecco:
O executivo da Rodrimar Ricardo Mesquita chegou a se encontrar com Rocha Loures e Saud quando eles estavam na cafeteria em São Paulo. A conversa foi breve e, segundo Saud informou em depoimento, Ricardo teria ido ao local para uma reunião posterior com Rocha Loures.
O lobista da JBS também afirmou que Rocha Loures teria indicado Ricardo como possível intermediário para receber a propina. No final do encontro com Saud, Loures lhe passou um cartão do executivo da Rodrimar.
"Ele [Rocha Loures] veio com a ideia do Ricardo [Mesquita], que é esse rapaz que ele tinha me apresentado. Ele enfiou a mão no bolso, tirou um cartão, e falou: então você vai entregar ao Ricardo da Rodrimar. Eu falei não, nós já tivemos um problema com o Celso [dono da Rodrimar], já te falei, eu não vou entregar pro Ricardo", contou Saud em seu depoimento à Procuradoria.
O segundo encontro entre Rocha Loures e Ricardo Saud foi gravado com autorização do STF. No diálogo, Loures cita o nome de Ricardo da Rodrimar.
Rocha Loures: Eu até pensei, lembra daquele dia que nos encontramos, tomamos um café, que a gente encontrou o teu xará?
Ricardo Saud: O Ricardo é...
Rocha Loures: Esse é [initeligível]
Ricardo Saud: Com o Ricardo?
Rocha Loures: Isso. Com ele poderia fazer.
A conversa prossegue e Ricardo Saud, da JBS, comenta a aparente proposta de Rocha Loures para deixar o dinheiro com o executivo da Rodrimar, dizendo preferir que a operação fosse feita por "Edgar", pois eles já haviam feito "muito negócio" com Ricardo e Celso da Rodrimar.
Rocha Loures: Então vamos fazer o seguinte... eu vou... [initeligível]... com o Edgar. Se o Edgar.... tem duas opções: o Edgar ou o teu xará.
Ricardo Saud: Pra mim é mais confortável com o Edgar.
Rocha Loures: Você não conhece e ele também não te conhece.
Ricardo Saud: O problema é o seguinte, a gente já fez muito negócio lá com o Ricardo e com o Celso... bom se é da confiança do chefe, não tem problema nenhum....
A Rodrimar é uma empresa de logística que opera um terminal no porto de Santos.
Conversas telefônicas de Rocha Loures interceptadas durante as investigações indicam a atuação do ex-assessor do Planalto para conseguir inserir num decreto presidencial sobre o setor a ampliação da renovação dos contratos de terminais portuários anteriores ao ano de 1993, caso do terminal da Rodrimar.
A medida, no entanto, não foi aprovada pelo Planalto e ficou de fora do decreto dos portos publicado por Temer.
Ricardo Mesquita e Celso Grecco têm negado qualquer ligação com o pagamento de propina negociado entre Rocha Loures e o executivo da JBS Ricardo Saud.
Em depoimento no inquérito que investiga o presidente Temer, Ricardo Mesquita afirmou que Rocha Loures nunca conversou com ele sobre negócios com a JBS nem sobre a possibilidade de receber dinheiro em espécie da empresa.
Mesquita disse conhecer Rocha Loures pois o ex-assessor do Planalto se tornou um importante interlocutor do setor portuário com o então vice-presidente Michel Temer. O executivo da Rodrimar também afirmou que ele e Celso Grecco não têm relação de amizade com Temer.
Por meio da assessoria de imprensa da Rodrimar, Celso Grecco afirmou que o nome dele foi citado "unilateralmente" por Ricardo Saud.
"O nome de Antonio Celso Grecco foi suscitado unilateralmente pelo senhor Ricardo Saud, intimamente interessado no resultado de sua delação. Ratificamos o já dito em nossas manifestações anteriores, que a afirmação da suposta existência de amizade com o presidente [Temer] é falaciosa", afirmou a empresa, em nota.
O coronel Lima
Em outro trecho da conversa entre o lobista da JBS e o ex-assessor de Temer, Ricardo Saud afirma que já entregou "dinheiro demais pro coronel lá", mas Rocha Loures rebate afirmando não ser mais possível a utilização deste expediente, segundo transcrição do diálogo citado no pedido de investigação da Procuradoria.
Ricardo Saud: Acho que lá, se for o cara da confiança de vocês, pô eu já entreguei dinheiro demais pro coronel lá, nunca deu problema.
Rocha Loures: Nunca deu problema? ...[ininteligível]... esse é o problema.
Ricardo Saud: Qual que é?
A Procuradoria desconfia que o coronel citado na conversa seja um antigo assessor de Michel Temer, o coronel aposentado da Polícia Militar João Batista Lima Filho, dono da empresa de construção Argeplan.
O coronel Lima trabalhou com Temer quando o hoje presidente foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, nos governos Franco Montoro (1983-1987) e Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1995). Lima também atuou em campanhas do peemedebista.
Na delação da JBS, executivos do grupo afirmaram que foi entregue no escritório de Lima em São Paulo R$ 1 milhão cujo destinatário final seria Michel Temer.
A reportagem do UOL não conseguiu entrar em contato com a defesa do coronel Lima. A reportagem deixou recado e telefone para contato no escritório do advogado Cristiano de Carvalho nesta quarta-feira (19) e quinta-feira (20), mas não obteve retorno.
O advogado Yunes
No mesmo trecho da conversa em que o "coronel" é citado, Rocha Loures aparenta descartar também um homem chamado Yunes como intermediário para os pagamentos.
Rocha Loures: Este é o problema, o coronel não pode mais. O Yunes não pode mais.
Ricardo Saud: Ah, não pode mais? Se fosse ele não teria problema nenhum. Eu e ele. Não, mas vai na escola...
Para a Procuradoria, a menção pode fazer referência ao advogado José Yunes, amigo pessoal de Temer e ex-assessor do Planalto no governo do peemedebista.
Yunes foi citado nas delações da Odebrecht. O executivo Cláudio Melo Filho afirmou que foi entregue no escritório de Yunes em São Paulo parte dos R$ 10 milhões acordados entre a Odebrecht e Michel Temer num jantar no palácio do Jaburu, em 2014.
Com a revelação do conteúdo do depoimento de Melo Filho, Yunes pediu demissão, em dezembro do ano passado, do cargo de assessor do presidente Michel Temer.
Em sua carta de demissão, Yunes afirmou que as declarações de Melo Filho são "fantasiosas".
O advogado de Yunes, José Luis Oliveira Lima, afirmou, em nota, que seu cliente jamais se envolveu em irregularidades e já esclareceu as suspeitas às autoridades.
"O dr. José Yunes reafirma que jamais praticou qualquer espécie de ato ilícito e que todos os esclarecimentos devidos já foram prestados para as autoridades competentes", diz a nota de Oliveira Lima.
O amigo Edgar
A Polícia Federal suspeita que o "Edgar" citado por Rocha Loures como possível receptor do dinheiro da JBS seja um amigo pessoal do ex-assessor do Planalto.
A polícia chegou a essa hipótese por ter encontrado ligações feitas em 2013, num aparelho celular de Rocha Loures apreendido nas investigações, para o empresário Edgar Rafael Safdie, que atua no setor financeiro em São Paulo.
Além das ligações, a polícia encontrou também mensagens de texto nas quais Rocha Loures e Edgar Safdie aparentemente combinam de se encontrar durante uma viagem em família.
O empresário negou qualquer tipo de relação com o suposto esquema entre a JBS e Rocha Loures e disse, em depoimento à Polícia Federal, que o amigo aliado de Temer nunca comentou com ele nenhum tipo de operação irregular.
Edgar Safdie e Rocha Loures se conhecem desde a época de faculdade, segundo Edgar afirmou em depoimento à PF. O empresário disse, no entanto, que nunca manteve relações de negócios com Loures.
A reportagem do UOL não conseguiu entrar em contato com Edgar Safdie ou seu advogado.
UOL Notícias
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