Pedro Ladeira/Folhapress
O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) durante entrevista exclusiva à Folha em seu gabinete
TALITA FERNANDES
DE BRASÍLIA
Líder da bancada do PMDB no Senado até o final de junho, Renan Calheiros (AL), 61, diz que "ninguém aguenta mais o governo" e aponta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como possível condutor da "inevitável travessia".
Apesar de ser do partido do presidente Michel Temer, o senador bate de frente com o correligionário e é um dos principais críticos da reforma trabalhista.
"Querem tirar de qualquer forma o piloto porque a turbulência está cada vez mais insuportável, ninguém aguenta mais", afirma o senador, em sua primeira longa entrevista após deixar o comando da bancada.
Renan é alvo de mais de dez investigações e uma denúncia na Lava Jato, além de ter renunciado em 2007 ao comando do Senado sob a suspeita de ter despesas privadas bancadas pela empreiteira Mendes Júnior.
Em uma das primeira críticas a Temer, em abril, ele comparou a gestão peemedebista à seleção do Dunga.
À Folha disse que gostaria de se retratar: "Dunga foi um vencedor, não é oportunista, é sério, foi tetracampeão e, como treinador, conquistou vários títulos. Dunga não merecia, sinceramente, essa comparação".
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Folha - Governistas dizem que as suas críticas ao Planalto se dão por sua situação eleitoral difícil em Alagoas. O senhor vai ser candidato ao Senado em 2018?
Renan Calheiros - Deverei sim disputar mais um mandato de senador. Não acredite nessas notícias plantadas de que tenho dificuldades para reeleição. Isso é o que o governo gostaria que acontecesse. Mas as pesquisas, as verdadeiras, mostram o contrário.
Especula-se que o sr. articula aliança para apoiar possível candidatura de Lula em 2018. O sr. vai apoiá-lo? Há inclusive a possibilidade de ele ser preso.
Na política não se dá o direito de descartar ninguém que partilha do mesmo objetivo. Eu acompanho essas coisas pelo noticiário e já foi mais fácil condenar o Lula. Não vai ser tão fácil como alguns esperavam. Para que se possa olhar o cenário futuro com mais nitidez, precisamos saber quem será candidato, quem estará na presidência da República e, falando do quadro atual, por mais pavoroso que seja, quem estará solto. Vivemos, como disse o ministro [do STF Luís Roberto] Barroso, tempos fora da curva.
O sr. não teme ser preso?
Não. Eu fui citado por delatores presos que sequer me conheciam. Não há uma prova contra mim. Em função do cargo que eu representava, a chefia de um Poder [o Legislativo], circunstancialmente passei a ser multi-investigado. Eu não temo nada. Medo só atrapalha nessas horas.
Por que o sr. critica o governo dizendo que Temer se deixou levar pelo mercado?
Foi o maior equívoco defender uma agenda unicamente do mercado. O presidente, pela circunstância, foi colocado na cadeira de piloto de um avião sem plano de voo, sem saber de onde estava vindo nem para onde estava indo. Lá atrás os passageiros estavam aguardando sinais do comandante. Ele disse: 'Fiquem calmos, temos um rumo, devemos chamá-lo de ponte para o futuro e vamos rapidamente, sem sobressaltos, chegar lá.' Num primeiro momento, foi alívio e alguma esperança. Aí acontece um desastre: o avião entra numa tempestade e um raio fora do radar atinge as duas asas. O avião fica sem asas e sem turbina, o comandante passa a navegar por instrumentos e quem tenta alertá-lo passa a ser considerado inconveniente. Ele continua com a mão no manche, pisa cada vez mais fundo, e os passageiros começam a perceber que o comandante não tem noção do que acontece fora da cabine e o que querem fazer é tirar de qualquer forma o piloto porque a turbulência está cada vez mais insuportável. Ninguém aguenta mais.
Por isso esse sentimento de que o governo já foi. Não devemos descartar o Rodrigo Maia como alternativa constitucional e como primeiro e decisivo passo para essa inevitável travessia que nós deveremos ter de fazer.
O nome de Rodrigo Maia tem aparecido como sucessor de Temer. O sr. o apoia para essa transição?
Em regra geral, independentemente de partidos, quase todos apoiam uma saída. Porque a turbulência está insuportável. O Rodrigo parece um bom político. Tem sido fundamental nos últimos anos pelo equilíbrio e responsabilidade que demonstra. Acho que ele não pode ser descartado. Talvez nós tenhamos que contar com sua participação nessa travessia.
Após ameaças de que seria destituído do cargo, o senhor deixou a liderança do partido. O que pesou para isso?
O PMDB é o maior partido do Brasil, mas tem se fragilizado com o estilo de Temer. Às vezes o presidente lida com o partido como se fosse uma imobiliária, como se pudesse ter dono. Eu jamais seria um líder de aluguel. Nunca tive e nunca terei senhorio. Por isso resolvi sair.
O senhor já sugeriu a renúncia de Temer, mas ele não dá sinais de que fará isso.
É preciso construir uma saída. O problema de Temer é que ele sempre foi a ponta mais vistosa, mais diplomática de um iceberg. As investigações implodiram a parte que ficava abaixo da linha d'água. Na hora que a parte debaixo se desintegra, a de cima naufraga. O governo nasceu com uma razão questionável do ponto de vista político, que era reanimar a economia e estabilizar a política. Mas a política nunca esteve tão caótica e a economia continua desfalecendo. O governo parece um filme de terror. As pessoas foram ver um entretenimento e estão saindo desesperadas com um filme pavoroso. Foram ver o Batman e o Charada dominou a cena.
Sobre o iceberg, o sr. se refere a pessoas como o ex-deputado Eduardo Cunha?
Acho que o papel do Eduardo Cunha na política brasileira foi deletério. Tinha uma visão completamente distorcida da política e da representação. Isso foi terrível do ponto de vista do abuso do poder, da chantagem com atores econômicos. Michel, que era o líder dessa facção, foi alertado em vários momentos.
E o senhor teme ser alvo de uma delação de Cunha?
Não acredito, porque nunca tive relação com ele. Cuidadosamente não permiti jamais que ele se aproximasse de mim.
O sr. é alvo de mais dez inquéritos no Supremo, mas nega as acusações. Não entende que errou em algum momento?
Apesar de suposições e o que dizem as delações a meu respeito, sigo absolutamente tranquilo e prestando todas as informações à Justiça. A primeira [investigação] já foi arquivada e as demais certamente terão o mesmo desfecho. Não há nenhuma prova contra mim. Eu nunca recebi caixa dois nem propina. Nesses anos em que estive no Parlamento sempre resisti a isso.
Mas é fundamental que nós façamos uma mudança profunda na política. Entendo que numa circunstância que o país não tem dinheiro para emitir passaporte, a sociedade entenderá melhor um financiamento privado com regras que impeçam o doador de se tornar dono das campanhas e partidos do que financiamento público.
A indicação de Raquel Dodge para a PGR é vista como possibilidade de mudança da Lava Jato num antagonismo ao rigor do procurador-geral, Rodrigo Janot?
Com mais de 20 anos no Senado, participei de inúmeras apreciações de nomes para PGR e vou me comportar como sempre: de maneira institucional. Acho que ela será aprovada e fará uma brilhante sabatina. Qualquer procurador-geral vai ter que participar de um processo para regulamentar e ampliar a segurança jurídica da própria operação, sob pena de produzir problemas junto ao STF. Pela liderança que demonstra, ela tem condições de cumprir um excepcional papel.
Como vê a denúncia contra Temer e o fato de um aliado dele ter sido flagrado carregando uma mala com R$ 500 mil?
Não vou entrar na denúncia, nessa agenda, porque eu entendo que todos os governos, em algum momento, sofrem esse tipo de acusação em algum grau. Eu sei que é isso que mais indigna a população, mas se eu quiser fazer uma análise mais distante, mais isenta, com mais vontade de colaborar, a minha obrigação é de olhar as coisas com um distanciamento histórico. Portanto, nunca convivi com fatos tão graves. Com tantas pessoas presas, outras desesperadas se oferecendo para delatar. Pela gravidade, esse parece ser um caminho sem volta. Essa denúncia é séria. Vai ser entendida como tal pela Câmara dos Deputados.
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RAIO-X
Nascimento
16.set.1955, em Murici (AL)
Formação
Direito pela Universidade Federal de Alagoas
Carreira política
Líder do governo Fernando Collor na Câmara dos Deputados (1990)
Ministro da Justiça do governo FHC (1998-1999)
Presidente do Senado por dois mandatos (2005-2007, 2013-2015)
Folha de S. Paulo
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