Em seis meses, Curitiba deflagrou quatro fases da operação; fim de equipe exclusiva foi episódio mais recente do problema, que começou com cortes de pessoal e verbas, processos administrativos e brigas internas
Ricardo Brandt, enviado especial à Curitiba, Julia Affonso
Carro da Polícia Federal na Justiça Federal, em Curitiba. Foto: Julio Cesar Lima/Estadão
Redução de pessoal, cortes de verba, falta de incentivo, insegurança administrativa e brigas internas. Esse é o pano de fundo da extinção, na semana passada, do Grupo de Trabalho da Polícia Federal, em Curitiba, que atuava na Operação Lava Jato.
O “desmonte” da força-tarefa já resultou na redução do número de operações ostensivas, quando são cumpridas ordens de prisões, conduções coercitivas e buscas e apreensões, da maior ofensiva contra a corrupção no Brasil – iniciada março de 2014.
Nos primeiros seis meses do ano foram deflagradas quatro operações da Lava Jato, em Curitiba, predominantemente originadas de investigações do Ministério Público Federal. Em 2016, dez fases das investigações tinham sido deflagradas, em igual período.
Na quinta-feira, 6, a Superintendência da PF no Paraná anunciou a extinção do Grupo de Trabalho que, desde 2014, atuava exclusivamente nas investigações do mega esquema de cartel e corrupção, descoberto na Petrobrás.
A força-tarefa do Ministério Público Federal viu a medida como um “desmonte” da Lava Jato, deflagrado no final de 2016, e pediu sua revisão.
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Na prática, delegados e outros policiais da Lava Jato passaram a atuar em outros inquéritos, paralelamente. São cerca de 100 inquéritos ainda abertos nas apurações do escândalo, entre eles as apurações do ex-ministro Antonio Palocci e os abertos à partir das delações da Odebrecht, que serão redistribuídos.
Necessidade. A Polícia Federal nega desmonte e anunciou no mesmo dia, em nota oficial, e em entrevista coletiva dada à imprensa pelo superintendente do Paraná, Rosalvo Ferreira Franco, e pelo delegado da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, Igor Romário de Paula, que se tratava de uma medida operacional para “otimizar” o trabalho nos inquéritos da Lava Jato.
“Foi uma necessidade investigação. Não foi uma necessidade de recursos financeiros, mas sim de adequar o recurso pessoal de gente capacitada para a realidade que a gente tem”, afirmou Igor, na semana passada.
“Em nenhum momento o grupo da operação Lava Jato foi extinguido, pelo contrário, ele foi aumentado com a equação que está ocorrendo”, afirmou o superintendente. Serão 84 pessoas ao todo na equipe da Delecor.
“Foi uma decisão nossa, não foi uma decisão de Brasília. Foi uma decisão de caráter exclusivamente operacional. Não tem nenhum tipo de interferência, recado para segurar as investigações, parar os procedimentos. Foi uma decisão administrativa do ponto de vista operacional para dar continuidade aos trabalhos”, disse Igor.
Pessoal. Desde o início do ano, a equipe enfrenta redução do número de delegados – de 9 para 4 – e corte de um terço do orçamento, conforme revelou o Estadão, em maio.
No ano passado, a equipe de Lava Jato, incluído agentes e peritos, era de 60 pessoas – na semana passada eram 40. São policiais que fazem análises de documentos aprendidos, pesquisas de investigação, cruzamentos de dados e que cumprem as medidas de buscas e prisões.
Para o comando da PF no Paraná, essa redução é natural com o surgimento de investigações da Lava Jato em outros estados. São 16 unidades da federação atualmente com apurações do escândalo.
O coordenador da Lava Jato explicou que essa redução decorre do compartilhamento de efetivo.
“Se antes eu conseguia um número maior de políciais do Rio de Janeiro para trabalhar aqui, especializado nesse tipo de investigações, não faz sentido o Rio liberar para trabalhar aqui se ele está precisando de reforços. Então esses já não vêm mais. O que eu conseguia em Brasília, esse nem se fala.”
Verba. O corte de verbas também atinge a Lava Jato desde o final de 2016. Em 21 e 27 de maio, o Estadão mostrou que a Lava Jato e a Superintendência da Polícia Federal do Paraná tiveram quase um terço de seu orçamento cortado neste ano pelo governo federal.
O Ministério da Justiça destinou para ambos R$ 20,5 milhões – R$ 3,4 milhões para os gastos extras da operação – ante os R$ 29,1 milhões de 2016 – dos quais R$ 4,1 milhões especificamente para a Lava Jato –, uma queda de 29,5%. O aperto financeiro é ainda maior, pois, além da redução, houve contingenciamento de 44% da verba destinada para a corporação.
As consequências para a Lava Jato são dificuldades para pagar diárias, fazer diligências e outras ações necessárias à continuidade da operação, asfixiando financeiramente seus trabalhos.
O Estadão obteve os dados por meio da Lei de Acesso à Informação. Eles mostram o quanto a PF gastou com a Lava Jato desde 2014, início da operação. Naquele ano, os recursos para a Superintendência do Paraná cresceram 44%, saltando de R$ 14 milhões em 2013 (equivalente a atuais R$ 17,9 milhões) para R$ 20,4 milhões (R$ 24,4 milhões em valores corrigidos). Em 2015, o órgão no Paraná manteve o mesmo nível de gastos. Nesse período, os federais fizeram no Paraná 59 operações, das quais 21 (35,5%) foram no conjunto da Lava Jato.
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Conforme documentos do Setor de Logística da PF (Selog/SR/PF/PR), todos os gastos da Lava Jato eram então bancados pela Superintendência do Paraná. A partir de 2016, notas de empenho próprias passaram a registrar os gastos específicos da operação – cujos valores foram obtidos pelo Estadão.
“Não houve limitação de recursos”, garantiu Igor.
“Eu conheço muito bem o orçamento da Polícia Federal. Não conheço o orçamento do Ministério Público”, afirmou o coordenador da Lava Jato na PF.
“Nós temos dificuldades, a equipe foi reduzida em função desse problemas todos que falei, Sim, sim. Daí a criar um argumento de que tudo faz parte de uma grande estratégia para abafar a Polícia Federal, acho um equívoco muito grande. Não há limitação de capacidade operacional em função de recurso, isso não.”
Sintonia. O mais desagregador elemento do desmonte na equipe da Lava Jato foi a pressão sofrida por policiais e a sensação de fim do apoio dado pelo comando da corporação ao avanço das investigações, à partir de 2016.
O desembarque de delegados da equipe que iniciaram as investigações em 2013 foi o início da crise. O pedido de saída do delegado Márcio Adriano Anselmo, origem do escândalo, em meados de 2016 acelerou o desmonte.
Considerado a memória viva da Lava Jato, ele pediu para sair alegando cansaço e questões pessoais. Em janeiro, Anselmo foi promovido para corregedor da PF no Espírito Santo. Na semana passada, com a decisão do fim do grupo de trabalho, foi oficializada a cooperação entre as polícias do Paraná e capixaba para que Anselmo assessore os novos delegados da Lava Jato.
Com apenas 4 delegados no extinto grupo de trabalho da Lava Jato, desentendimentos internos e a sensação de insegurança, com processos administrativos e investigações internas por abuso de poder, exposição negativa da imagem da polícia e por trabalhar mal, a equipe trabalhava desestimulada, desde o início do ano.
Os delegados do Grupo de Trabalho que foi extinto, Filipe Hille Pace, Renata Silveira da Silva, Dante Pegoraro Lemos e Ivan Ziolkowski, passarão a ser chefiados pelo novo chefe do Delecor, o delegado Felipe Hayashi – que integrava a primeira equipe das investigações em 2014 e havia deixado o grupo.
Ataques. Desde o início de 2016, quando o governo Dilma Rousseff e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo questionaram os trabalhos da PF na Lava Jato, a força-tarefa vive sob ataque contínuo. Mas à partir de janeiro, quando foram homologadas as delações da Odebrecht, que atingiu a cúpula do governo Michel Temer, as investigações em Curitiba estão no momento mais agudo de ataques.
Trabalhando em conjunto com o Ministério Público Federal e a Receita Federal, a polícia é a espinha dorsal da Lava Jato.
Os trabalhos da força-tarefa revelaram que, à partir de um esquema de loteamento político das principais diretorias da Petrobrás, no governo Lula, PT, PMDB e PP passaram a arrecadar de 1% a 3% de propina em grandes contratos da estatal, em conluio com um cartel formado pelas maiores empreiteiras do País.
O esquema, que teria durado de 2004 a 2014, abasteceu a base e partidos de oposição, como o PSDB. Um rombo de mais de R$ 40 bilhões.
Até agora a força-tarefa já contou R$ 10,3 bilhões recuperados em decorrência de acordos de delação premiada – desse total, R$ 3,2 bilhões em bens dos réus já bloqueados e R$ 756 milhões em valores repatriados.
Interferência. Igor nega interferências políticas ou pressões do governo para mudanças e diz que toda mudança de efetivo é sensível. “Nosso efetivo, de uma forma geral, ele é muito limitado. Quando eu tiro qualquer pessoa de qualquer unidade, vai fazer falta.”
“(A Lava Jato) Não perdeu a prioridade, a investigação é muito relevante e tem prioriadade. Só que hoje somos prioridade, como Brasília também é prioridade, Rio de Janeiro também é prioridade, Rio Grande do Sul tem investigações, na Bahia tivemos bastante coisa. Agora são várias prioridades.”
“Uma hora tem que perder o nome Lava Jato.”
Estadão
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