Leandro Prazeres
Do UOL, em Brasília
Arte/UOL
Delação de Joesley (à direita) fez com que Funaro (à esquerda) aderisse a acordo
Repleta de detalhes, a colaboração premiada do executivo da J&F Joesley Batista não causou estragos apenas pelas informações que revelou, mas também por ter levado o empresário Lúcio Funaro, apontado como um dos principais operadores financeiros do PMDB, a aderir, ele mesmo, à delação.
Pessoas próximas às investigações da Operação Lava Jato e a Funaro dizem que o acordo de Joesley Batista foi visto pelo corretor como uma "traição" do empresário. O empurrão que ele precisava para delatar, como seus defensores afirmam, "de A a Z" as propinas que operou para "caciques do PMDB" e os benefícios obtidos por empresas.
Desde o seu início, a Operação Lava Jato foi responsável pela homologação de 151 acordos de delação premiada. O princípio desses acordos é o de que os envolvidos tragam à tona atividades ilícitas praticadas por eles em troca de benefícios --a redução de penas, por exemplo. Ao revelar seus crimes, o envolvido deverá, é claro, "trair" a confiança de seus parceiros e contar detalhes sobre os esquemas.
Nem sempre essas "traições" envolvem laços pessoais, mas no caso da delação de Joesley, que revelou pagamentos feitos a Funaro para que ele não delatasse, as informações repassadas pelo empres&aacutaacute;rio à Justiça teriam quebrado uma relação que era bem próxima.
Fontes ouvidas pelo UOL afirmaram que a "traição" de Joesley deixou Funaro irritado e o impulsionou a procurar os procuradores federais na tentativa de firmar um acordo de colaboração com as autoridades.
Relação pessoal e profissional
Para entender como a delação de Joesley jogou Funaro no "colo" dos procuradores da Operação Lava Jato, é preciso saber que os dois não eram apenas parceiros comerciais.
Os depoimentos prestados por Funaro à PF (Polícia Federal), a delação premiada do ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal Fábio Cleto e informações coletadas pela reportagem junto a pessoas próximas a Funaro indicam que ele e Joesley mantinham um estreito relacionamento pessoal e profissional. "Não dá para dizer que eram amigos, mas não era apenas negócios. Eles tinham um convívio social. As relações eram mais complexas que isso", afirma uma pessoa próxima a Funaro.
O início dessa relação ainda é controverso. Em entrevistas, Joesley afirma ter conhecido Funaro em 2009, durante as negociações para a compra do frigorífico Bertin. Funaro, no entanto, disse à PF que conheceu o empresário apenas em 2011.
Independentemente do início exato desse relacionamento, o fato é que a ligação entre os dois era próxima. Ao depor, Funaro deixa isso claro: "Que teve uma relação muito próxima com Joesley Batista tanto no campo social quanto no campo negocial", diz em um trecho.
Danilo Verpa/Folhapress
Joesley Batista liderou o processo de delação premiada de executivos da J&F
Uma prova disso foi a viagem que Joesley, Cleto e Funaro fizeram juntos da Grécia à ilha de São Bartolomeu, território francês no Caribe. O percurso, feito no avião privado de Joesley, foi narrado por Cleto em sua delação premiada e confirmado por Joesley.
A mistura entre negócios e vida pessoal era constante. Em outro depoimento, Funaro conta que a relação entre os dois era tão próxima que Joesley chegou a levar sua mulher, a jornalista e apresentadora Ticiana Villas-Boas, até a sua casa, em São Paulo, em 2015.
Na visita, Joesley teria pedido a Funaro que intercedesse junto ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que tinha influência sobre diretorias da Caixa Econômica Federal, para que ele agilizasse a liberação de R$ 2,7 bilhões para a compra da empresa Alpargatas.
Funaro está preso desde julho de 2016. Ele é suspeito de ser um dos principais operadores financeiros do PMDB e de ter recebido e intermediado pagamentos de propinas do esquema que liberava financiamentos do FI-FGTS, administrado pela Caixa Econômica Federal.
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), Funaro atuava junto a Geddel e ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que também está em negociação para aderir a uma delação premiada. Ambos negam envolvimento no caso.
Marcos Ribas e Manuela Scarpa/Photo Rio News
Funaro diz que Joesley levou sua mulher, Ticiana Villas Boas, à sua casa para discutir detalhes de empréstimo com a Caixa Econômica no valor de R$ 2,7 bilhões
Impulso à delação
Uma pessoa ligada a Funaro disse que a delação de Joesley foi o "empurrão" que o operador do PMDB precisava para aderir à delação premiada.
"A relação desses caras não é apenas comercial. As esposas deles se conheciam. Eles iam um na casa do outro. Quando a delação do Joesley veio a público, o Funaro viu que não adiantava mais ficar quieto. Não tinha mais motivos para manter lealdade ou coisa do tipo", contou.
Em um de seus depoimentos, Funaro revelou que sua família recebeu repasses entre R$ 400 mil e R$ 600 mil oriundos da JBS e relativos aos serviços lícitos e ilícitos prestados por ele ao grupo. Quando viu sua irmã, Roberta Funaro, ser presa pela PF durante a deflagração da Operação Patmos, em maio, Funaro ficou desesperado.
"Aquilo mexeu muito com ele. Não foi apenas uma traição negocial. Foi pessoal", disse.
Outra pessoa que acompanhou as idas e vindas de Funaro disse que a hesitação do empresário em delatar soava incompreensível.
"Ele vinha, dizia que ia delatar, e depois voltava atrás. Ele chegou a minutar alguns termos, mas mudou de ideia e tudo voltou à estaca zero. A gente não entendia o que acontecia. Só depois da delação do Joesley é que a gente entendeu. Foi a traição do Joesley que levou o Funaro a mudar de ideia", contou.
Um investigador ligado ao caso disse, porém, que, além da "traição" de Joesley, outro fator para Funaro mudar de ideia foram os documentos encontrados pela PF durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão durante a Operação Patmos, deflagrada logo após a delação de Joesley vir à tona. Segundo o investigador, teriam sido localizados documentos ligando Funaro a alguns de seus principais clientes.
Cronologia da delação
A narrativa apresentada pelas fontes ouvidas pela reportagem do UOL coincidem com a trajetória de Funaro rumo à delação.
Até a divulgação da delação de Joesley, Funaro, que está preso desde julho de 2016, hesitava entre se manter em silêncio ou delatar. As revelações feitas pelo empresário da J&F vieram à tona no dia 17 de maio de 2017.
Pouco mais de duas semanas depois, Funaro prestou um depoimento no qual ele revelou parte de suas ligações com o grupo J&F e com a cúpula do PMDB. Em outro depoimento, no dia 14 de junho, Funaro deu ainda mais detalhes sobre os negócios lícitos e ilícitos feitos por ele com o grupo.
Em seguida, Funaro contratou o escritório do advogado Antonio Figueiredo Basto, especializado em delações premiadas. A partir daí, o empresário e seus advogados passaram a se reunir constantemente com procuradores da República para iniciar as negociações da colaboração.
Vagner Rosário/Futura Press/Estadão Conteúdo
Após a delação de Joesley, Funaro contratou o advogado Antonio Figueiredo Basto
O potencial destrutivo da delação de Funaro é temido no meio político, sobretudo no PMDB da Câmara. Em depoimentos prestados fora da delação que ele ainda negocia com a PGR (Procuradoria-Geral da República), Funaro disse, por exemplo, que entregava malas de dinheiro para Geddel Vieira Lima, que arrecadou mais de R$ 100 milhões para campanhas do PMDB e que Temer tinha conhecimento dos esquemas de corrupção que abasteciam os caixas do partido.
Foi com base nesses depoimentos que Geddel Vieira Lima foi preso há duas semanas, sob suspeita de prática de obstrução de Justiça. Na última quarta-feira (12), porém, a Justiça Federal colocou Geddel em prisão domiciliar. Atualmente, ele cumpre pena na Bahia.
A defesa de Geddel disse que as informações repassadas por Funaro já são de conhecimento da Justiça Federal. A defesa de Temer nega as acusações.
Ainda não há informações sobre quando a delação de Funaro será homologada.
Outro lado
À reportagem do UOL, o advogado de Lúcio Funaro, Bruno Espiñeira, disse que não irá comentar o processo de delação premiada de seu cliente. A reportagem também fez ligações telefônicas ao advogado Antonio Figueiredo Basto, responsável pela delação premiada do empresário, mas ele não atendeu às chamadas.
Por e-mail, a assessoria de imprensa da J&F enviou uma nota informando que "o acordo de colaboração assinado se pautou pela impessoalidade, no estrito objetivo de narrar crimes e citar as pessoas neles envolvidos" e que "Joesley Batista mantém e manterá seu fiel compromisso com a verdade independentemente das pessoas envolvidas".
A reportagem enviou mensagens e fez ligações à assessoria de imprensa do PMDB para obter um posicionamento sobre as alegações de Funaro, mas até o fechamento desta matéria, as mensagens e ligações não haviam sido atendidas.
UOL Notícias
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