Faltando menos de duas semanas para o aeroporto ser transferido para a administração da alemã Fraport, Demhab dá prazo para remoção de comunidades do entorno
Por: Caio Cigana
Ampliação do terminal de passageiros foi suspensa em maio de 2016, com 19,2% dos serviços executadosFoto: Anderson Fetter / Agencia RBS
Uma fase crucial para a nova operadora do aeroporto Salgado Filho começar a ampliar a pista no período de 52 meses exigido no edital de concessão passou a ter promessa de prazo por parte da prefeitura da Capital. O Departamento Municipal de Habitação (Demhab), responsável pelo processo de remoção das comunidades localizadas nas áreas que precisam ser liberadas, afirma que todas as famílias serão reassentadas em até dois anos.
O diretor-geral do órgão, Mário Marchesan, diz que o período é suficiente para que a alemã Fraport, que em março venceu o leilão para administrar o terminal pelos próximos 25 anos, conclua a obra a tempo — a assinatura do contrato está prevista para ocorrer no dia 28. Salvo novos impedimentos, restariam 28 meses para a empresa aumentar a pista em 920 metros para chegar ao total de 3,2 mil metros.
— Até agora, não se manifestaram contestando este prazo — diz Marchesan, que mantém reuniões periódicas para avaliar o andamento do processo com a Fraport, sendo que a mais recente ocorreu em 6 de julho.
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O prazo de 52 meses para a Fraport executar o projeto começa a contar a partir da assinatura do contrato de concessão. Após a subscrição, a Fraport ainda vai administrar o aeroporto em conjunto com a Infraero por um período. O gerente sênior de projetos da empresa, Andreas Montag, disse, mês passado, que a passagem de bastão definitiva deve ocorrer apenas no segundo trimestre de 2018.
Um passo importante deve ser concluído ainda neste mês. Um acordo judicial entre a Caixa e os ocupantes prevê que as cerca de 360 famílias que passaram a viver de forma irregular no empreendimento Senhor do BonFim, destinado a moradores da Vila Nazaré, deixem o local até o próximo dia 21. Segundo Marchesan, a previsão é de que, devido à necessidade de consertar avarias nos imóveis, os beneficiários da comunidade se mudem entre o final de outubro e o início de novembro. A Caixa está envolvida na questão porque os empreendimentos são do programa Minha Casa Minha Vida, em loteamentos da prefeitura.
Na Vila Nazaré, o número original de famílias reassentadas é de 1,3 mil. Um contingente de menos de cem foi realocado. Após a liberação do empreendimento Senhor do BonFim, restará remanejar as remanescentes, que deverão ser transferidas para o Condomínio Residencial Loteamento Irmãos Maristas. O contrato de construção foi assinado em maio e há a ordem de início das obras.
Para a transferência de todas as famílias, já foram destinados R$ 35 milhões, valor que a prefeitura considera suficiente.
No caso da Vila Dique, em torno de 1,5 mil famílias deveriam ser transferidas. Cerca de 900, que viviam em um local que impactava o projeto de ampliação da pista, já residem no loteamento Porto Novo. As restantes serão realocadas para o outro loteamento, o Porto Novo Quadra, que, entretanto, está ocupado de forma irregular, com a Caixa à espera de decisão judicial para reintegração de posse. Este grupo, porém, não mora em áreas críticas para a ampliação da pista e o espaço exigido para a obra já foi liberado, ressalta o Demhab.
O engenheiro Fernando Bizarro, consultor em aeroportos e da Associação Nacional em Defesa dos Direitos dos Passageiros do Transporte Aéreo (Andep), avalia que o prazo de 28 meses seria mais do que suficiente para a Fraport executar a ampliação.
— Com toda a tranquilidade — atesta Bizarro.
O especialista observa que o espaço onde serão feitas as obras já está liberado e cercado. Com isso, a empresa teria condições técnicas de começar a extensão imediatamente. As áreas que faltam ser desocupadas têm relação com a metragem necessária para que a pista seja homologada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), por questões de segurança. Difícil é saber se a companhia se animaria a começar uma obra sem toda a certeza de que terá as áreas liberadas para o processo de homologação da pista.
Questionada, a concessionária informou apenas, em nota, que "em relação à remoção das famílias, a Fraport confia na capacidade dos órgãos responsáveis locais em realizar os reassentamentos com qualidade e dentro do prazo necessário."
Prioridade nas obras de prazo menor
Além da ampliação da pista, a Fraport tem outras obrigações quando assumir o Salgado Filho, com prazo de obras menor, de 26 meses. O consultor em aeroportos Fernando Bizarro avalia que as prioridades são concluir o terminal de passageiros, que originalmente deveria ter a primeira fase finalizada para a Copa do Mundo de 2014, e o novo prédio-garagem.
— O terminal de passageiros virou uma novela e tem parte feita. Ao mesmo tempo, não há mais onde estacionar no aeroporto — observa.
O especialista diz que outras obras não têm o mesmo grau de urgência. Sem prazo, o terminal de carga, avalia, terá mais sentido quando a pista for estendida, uma vez que permitirá maior movimentação de volumes no Salgado Filho. As outras obrigações são as ampliação das pontes de embarque e do pátio de aeronaves, também em 26 meses.
Quando o governo federal anunciou no ano passado a intenção de conceder o Salgado Filho, o Tribunal de Contas da União recomendou à Infraero que todos os contratos de obras em andamento fossem encerrados. No caso da ampliação do terminal de passageiros, os trabalhos foram suspensos em maio de 2016, com 19,19% dos serviços executados.
A empresa prefere ainda não dar detalhes de seu plano de ação. "A Fraport está, neste momento, em etapa inicial do processo de administração dos aeroportos. As equipes estão visitando os locais a fim de avaliá-los e, após diagnóstico, serão traçados os planos de ação", comunicou a empresa, em nota.
Com a economia em recessão, o Salgado Filho teve no ano passado queda no número de passageiros, de pousos e decolagens e de cargas. A quantidade de usuários chegou a 7,6 milhões, 8,4% abaixo de 2015, enquanto a capacidade atual do aeroporto, conforme a Infraero, é de 15,3 milhões ao ano.
O presidente da Associação Nacional em Defesa dos Direitos dos Passageiros do Transporte Aéreo (Andep), Claudio Candiota, avalia que a ampliação da pista trará mais voos para Porto Alegre, ajudando a criar demanda para todas as outras obras. Ao mesmo tempo, começam a ser feitos contatos com prefeitura e Câmara de Vereadores na tentativa de fazer alterações no plano diretor da cidade para que áreas no entorno do Salgado Filho não recebam grandes prédios nos próximos anos. Com isso, diz Candiota, seria possível, em caso de demanda futura, fazer uma pista pequena na área que pertence hoje à Infraero para aviação executiva, paralela à Avenida Sertório, e outra em direção à freeway.
Moradores resistem à realocação
Dona de uma pequena ferragem na Vila Nazaré, Vani não quer se mudar para a casa que lhe oferecemFoto: Anderson Fetter / Agencia RBS
Morando há quase quatro décadas na Vila Nazaré, na Capital, a comerciante Vani Maria Soares, 59 anos, não quer nem ouvir falar de sair da comunidade. No local, além de duas casas onde vivem seis pessoas da família, é dona de uma pequena ferragem que mantém há 32 anos.
Vani veio de Santa Cruz do Sul, onde trabalhava na lavoura, para tentar a sorte na cidade grande. O que conquistou com seu esforço e trabalho, avalia, não pode ser trocado pelo que a ofereceram. Segundo ela, uma casa de apenas um quarto. A violência no bairro Mario Quintana, onde fica o Condomínio Residencial Loteamento Irmãos Maristas, também assusta os moradores da Nazaré.
— Querem nos levar para um lugar que não tem condições. Precisaria de uma casa de pelo menos dois quartos — diz Vani, que promete resistir à desocupação prometida pela prefeitura.
O também comerciante Flane Jorge Carvalho da Silva, 36 anos, é outro a reclamar do reassentamento. Vindo de Alvorada há 20 anos, tem cerca de 30 pessoas da família morando na Nazaré.
— Cada um conquistou a sua casinha aqui e agora querem nos tirar como se fôssemos bichos — protesta Silva.
O diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Mário Marchesan, diz compreender o desconforto das famílias com a necessidade de deixar o local, mas lembra que todas continuarão na zona norte de Porto Alegre e serão realocadas para moradias em melhores condições.
Gargalo que gera prejuízo
A pista curta do aeroporto de Porto Alegre onera a economia gaúcha. Com a extensão atual, grandes cargueiros que poderiam fazer viagens de larga distância não conseguem decolar com carga plena e tanque cheio. Com isso, a maior parte das exportações aéreas de empresas do Rio Grande do Sul sai por outros terminais, especialmente São Paulo.
A necessidade de deslocamento rodoviário também gera custo extra de frete e mina a competitividade das companhias do Estado. No ano passado, dos US$ 660,79 milhões exportados por empresas gaúchas pelo modal aéreo, apenas US$ 39,47 milhões saíram pelo Salgado Filho. O transporte rodoviário eleva em cerca de 40% o custo logístico da operação.
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TRABALHOS NO HORIZONTE
- Ampliação da pista
A pista de pouso e decolagem será ampliada em 920 metros, totalizando 3,2 mil metros. A extensão seria suficiente para a chegada de aeronaves de grande porte, inclusive cargueiros, em voos diretos de Europa, Estados Unidos e Ásia.
Prazo: até 52 meses após a assinatura do contrato.
Situação atual: demanda de duas décadas, os projetos têm esbarrado em alegações como condições de solo da área do Salgado Filho, consideradas desfavoráveis à construção da pista, e ocupações ilegais na cabeceira.
- Novo Terminal de Cargas
Não está previsto em contrato, mas a expectativa é de que, com a ampliação da pista, aumente a movimentação de cargas, e a concessionária tenha de concluir a construção.
Prazo: não há.
Situação atual: a construção do terminal de logística de carga (Teca) será interrompida até a concessionária assumir o controle. Até outubro do ano passado, foram aplicados R$ 50,5 milhões dos R$ 70 milhões previstos.
- Novo estacionamento
Será erguido um novo prédio-garagem ao lado do atual, com 1,7 mil vagas. Atualmente, a capacidade no Salgado Filho é para 2,6 mil automóveis.
Prazo: até 26 meses após assinatura do contrato.
Situação atual: o terreno serve como estacionamento-plano.
- Ampliação das pontes de embarque
A área de embarque deverá ficar mais ágil com a ampliação para 14 pontes e oito posições remotas para atender, simultaneamente, até 12 aeronaves.
Prazo: até 26 meses após a assinatura do contrato.
Situação atual: são oito pontes, o que gera tempo de espera mais elevado em horários de pico.
- Expansão do Terminal de Passageiros
Área de check-in, raio X, esteiras e embarque e desembarque será ampliada conforme a demanda, em área em frente ao atual terminal. Com isso, os pontos de conexão com os aviões serão recuados.
Prazo: até 26 meses após a assinatura do contrato.
Situação atual: ampliação foi suspensa em maio de 2016, com 19,2% dos serviços executados (investimento de R$ 34,7 milhões).
- Aumento do pátio de aeronaves
O atual terminal de cargas dará lugar a uma extensão do pátio de aeronaves, para acomodar, de forma simultânea, até 20 aviões.
Prazo: até 26 meses após assinatura do contrato.
Situação atual: a obra não teve início. O local hoje abriga o terminal de cargas.
Zero Hora
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