terça-feira, 18 de julho de 2017

A quinta Guerra Americana: os igualitários radicais estão vencendo a liberdade


Um homem indo protestar contra Trump, com a bandeira americana invertida. Fonte: Reuters

As guerras entre Trump, a mídia, o “deep state” e os “progressistas”, com inúmeras acusações de conluios, corrupção e escândalos, são apenas sintomas de uma divisão bem mais profunda entre os americanos que está chegando ao seu perigoso ápice. Essa é a tese defendida por Victor Davis Hanson em sua recente coluna na National Review.

Para Hanson, houve quatro ocasiões históricas em que o povo americano se viu tão dividido assim, e que quase se partiu ao meio, com aquilo que parecia uma linha divisória irreconciliável, seja do ponto de vista cultural, econômico, político, geográfico ou social. Um caminho que levou ao ódio e à violência.

A primeira foi a Revolução Jacksoniana dos anos 1830, com facções que quase rasgaram o país de costa a costa, com a tentativa de parte do establishment de manter um monopólio de poder político contra novas realidades demográficas. Os populistas consideravam os demais incapazes de autogoverno. Em geral, os jacksonianos venceram.

Três décadas depois, a nação se dividiu por conta da escravidão, levando à guerra mais sangrenta e letal de sua história. Estima-se que 600 mil americanos tenham morrido, para uma população de cerca de 30 milhões. Os confederados do sul foram derrotados e restaurou-se a União.

A Grande Depressão, assim como as reações irresponsáveis a ela, deixou um quarto da população sem emprego por quase uma década. Gente faminta e desesperada disposta a aprovar a expansão do governo mesmo que à custa da própria liberdade numa forma jamais prevista pelos “pais fundadores”. O resultado foi uma redefinição do conceito de liberdade para o “direito” individual de ter suas necessidades diárias atendidas pelo estado.

Nos anos 1960, os movimentos hippies, alimentados pela Guerra do Vietnã, os protestos pelos “direitos civis” e o ativismo ambientalista, viraram uma febre, um modismo raramente visto antes. Um quarto da população aderiu de alguma forma ao estilo, na forma de se vestir ou falar, nas ideias, agindo de modo a refletir seu desprezo pela maioria silenciosa da “irrelevante” e “careta” América tradicional. Os hipsters perderam a batalha, eventualmente cortando o cabelo e entrando na “corrida dos ratos”, mas venceram a guerra. As universidades, a mídia, Hollywood, as artes, o entretenimento, tudo passou a ecoar os valores de 1968 em vez daqueles que os precederam.

Agora, diz Hanson, estamos vivendo na quinta guerra revolucionária, que divide a nação. As consequências da globalização, o crescimento do “deep state” administrativo, as mudanças demográficas, as fronteiras abertas, o surgimento de um apartheid geográfico entre os estados “liberais” e conservadores, e a institucionalização de uma permanente elite cultural e política – e a reação a ela – estão destruindo o país. Apesar do verniz de novidade, a natureza da divisão remete a questões antigas da política e da sociedade.

Os avanços tecnológicos, a entrada de um bilhão de chineses na força de trabalho global e o enorme crescimento do estado dos “direitos” redefiniram a necessidade material. Os pobres de hoje têm acesso a conveniências que não eram sonhadas há apenas cinco décadas pelas classes mais altas: um ou dois carros decentes, televisores de tela grande, tênis e jeans de grife e uma variedade de aparelhos como ar condicionado e fornos de microondas. A desigualdade não significa inanição: a obesidade é agora uma epidemia nacional entre os pobres da nação.

Em termos políticos, o conflito depende de se os poderes do governo entrincheirado serão usados ​​para garantir uma igualdade de resultado, à custa da liberdade pessoal e do livre arbítrio. O velho argumento de que uma classe empreendedora rica, se deixada livre de restrições fiscais onerosas e desnecessárias para criar riqueza, enriquecerá todos os americanos, agora está em grande parte desacreditada. É mais estranho do que isso até. Os ricaços – um Jeff Bezos, Mark Zuckerberg ou Warren Buffett – por marketing brilhante e política oportunista estão na sua maioria imunes à auditoria do governo e à reação popular contra os “barões ladrões”, como no passado. Em vez disso, a ira redistributiva é voltada contra a classe média alta, que não tem a influência dos extremamente ricos e está diminuindo devido a maiores impostos, regulação cada vez maior e comércio globalizado.

Não importa que o modelo social europeu ossificado não funcione e leve ao declínio coletivo no padrão de vida. O mundo sabe disso, ao ver a implosão da Venezuela e de Cuba, ou o declínio gradual da União Europeia e os destroços de seus membros do Mediterrâneo, ou a situação de estados “liberais” como Illinois e Califórnia. Em vez disso, é a ideia quase religiosa do igualitarismo que conta. No cenário global, ela quase ganhou a guerra contra a liberdade. Nós somos todos criaturas da fazenda da “Revolução dos Bichos” agora.

Na verdade, se o aluno de hoje realmente lesse o breve romance alegórico de Orwell (talvez improvável porque foi escrito por um homem heterossexual branco), ele deixaria a mensagem escapar e, em vez disso, provavelmente aprovaria as várias maquinações do porco fanático Napoleão para fazer o que julgasse necessário para acabar com o antigo regime, mesmo que isso significasse recriá-lo sob um novo verniz “correto”.

O esforço conservador para reverter o estado de bem-estar social, burocrático e redistribucionista, até agora falhou. Um déficit anual de US$ 700 bilhões, em cima de uma dívida nacional de US$ 20 trilhões, passa basicamente ignorado. O governo necessário para garantir que tais empréstimos e gastos continuem são agora quase autônomos e transcendem a política – e estão ansiosos para usar seus formidáveis ​​poderes contra quem o ameaça.

Em uma segunda frente, há uma verdadeira guerra civil em relação à raça, etnia, gênero e identidade. A imigração maciça, o surgimento de políticas identitárias oportunistas e um novo tribalismo substituíram o antigo caldeirão da assimilação, integração e casamento mestiço. O único obstáculo para o estado tribal é que em breve haverá muitas vítimas com muitas reivindicações sobre poucos opressores. São muitos incentivos, da política aos processos de admissão das universidades, para que a pessoa se identifique com alguma tribo “vítima” qualquer em vez de simplesmente “americano”.

Quando o tribalismo supera o indivíduo, então todos os critérios de mérito, caráter e ética desparecem em troca da identidade: raça, gênero, eis tudo o que importa. Quando uma sociedade opera na base tribal, como vemos com frequência na África e no Oriente Médio, tudo passa a se tornar um luxo, até água: a desgraça é inevitável. Em suma: os Estados Unidos vão continuar sendo uma nação multirracial, unida por uma cultura comum na qual a aparência física se torna, em grande parte, irrelevante, ou vão adotar a rota tribal, como os Balcãs, a Ruanda, o Iraque, ou Ferguson, dentro da própria América?

Por fim, há uma crescente rejeição dos princípios fundadores dos Estados Unidos, seus valores tradicionais baseados no cristianismo e a velha ideia do excepcionalismo americano. O federalismo e a ideia de uma república, afinal, não conduzem necessariamente a um igualitarismo radical ou a uma sociedade de iguais absolutos. No entanto, a mente progressista moderna está vinculada a dois princípios: que 51% da população em qualquer momento deveria ter a palavra final em governança somente se refletir os princípios politicamente corretos; e se a população for “enganada” e votar incorretamente, uma elite no governo, nos tribunais e na mídia deverá intervir para fazer avançar adequadamente as agendas “corretas”.

Em termos práticos, as universidades ainda ensinarão o método indutivo e o conhecimento baseado em fatos, ou o ativismo social dedutivo? Nosso passado será visto como nobre e às vezes trágico, ou melodramaticamente como explorador? E os progressistas respeitarão os contratempos políticos ocasionais nas eleições, os tribunais e os referendos populares, ou procurarão subverter essas instituições como impedimentos inaceitáveis ​​para suas agendas radicalmente igualitárias?

Hanson pergunta, então: quem está vencendo o conflito? O progressismo, responde.

Ele tem um apelo insidioso à natureza humana, oferecendo contextos e argumentos para a dependência – que é definida como a consequência de algum tipo de exploração antiética prévia (em vez de acaso, má sorte ou patologia pessoal, talvez além da exploração) e, portanto, merecedora de recompensa adequada. O progressismo promete uma transcendência sobre as limitações da natureza através de uma educação superior, treinamento adequado e raciocínio “correto”, como se a pobreza, a doença e a desigualdade não fossem inatas à natureza humana, mas fossem resultados do egoísmo e da ignorância e, assim, bem mais facilmente remediados. Isso confunde o progresso tecnológico com um credo que a própria natureza humana evolui de formas previsivelmente progressivas, supostamente tornando instituições e protocolos obsoletos (desde a própria Constituição até ideias antigas), que antes eram honrados.

Nesta última arena da “guerra” civil, Donald Trump, o renegado “liberal” e o improvável tradicionalista, ataca a elite que despreza seu próprio ser, não só por razões de classe e cultura, mas principalmente por tentar restaurar um regime tradicional de cidadania, individualismo, assimilação, soberania territorial, fronteiras reconhecidas, defesa forte, dissuasão no exterior e capitalismo de livre mercado. Em suma, por trás das histerias diárias sobre conluios, recusas, obstruções e anulações, há uma guerra em curso, muitas vezes viciosa, sobre a própria natureza e o futuro da cultura ocidental em geral e da América em particular.

Será que os igualitários radicais vão realmente derrotar a ideia da liberdade, tão enraizada na criação da América?

Rodrigo Constantino

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