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segunda-feira, 26 de junho de 2017

YING-YANG, DINHEIRO PÚBLICO E PROTESTOS

Ctba Yi

* Texto de Leonardo Glass:

Dizem que, segundo a cultura/filosofia oriental, duas proposições antagônicas podem estar, ao mesmo tempo, certas. Isso tem relação com o conceito de ying-yang: se analisadas isoladamente, cada proposição é incompleta e verdadeira em si mesmo; porém, quando as posições são colocadas lado-a-lado, elas se complementam, formando um todo que é maior e mais coerente do que a soma de suas partes. A despeito da aparente “ilógica” desse sistema, o fato é que precisamos analisar as coisas em seu todo, se quisermos ter uma verdadeira compreensão dos fatos que nos cercam diariamente.

Foi recentemente noticiado a greve dos servidores da Prefeitura de Curitiba, contrários a um pacote de austeridade do governo. Em que pese a real crise que assola o país, esses servidores estão certos em protestar. E antes que o leitor me atire pedras morais (e quiçá, reais), afirmo: quem critica os servidores também está certo. Apesar da aparente contradição, o fato é que o todo é maior do que as proposições e argumentos de cada um dos lados dessa questão.

Os servidores estão certos em criticar o pacote, pois este tipo de solução “não mexe” onde realmente interessa: no bojo da crise, que é a malversação do dinheiro público. O poder público tende a gastar mal o seu dinheiro. A lei de licitações, por exemplo, é uma piada de mau gosto que, no melhor dos casos, engessa e atrasa a Administração Pública; no pior, não impede a corrupção e o desvio de dinheiro público. Além disso, ficar refém do “menor preço” quase sempre esbarra na péssima qualidade do produto adquirido, o que deságua em gastos extras o que, no médio prazo, representa mais gastos ao invés de economia aos cofres públicos.

E a deseducação financeira da Administração Pública não para por aí. Podemos citar diversas obras inacabadas, o excesso de cargos comissionados e funções gratificadas que não contribuem efetivamente com o serviço e funcionam meramente como guarda-chuva político. Isso sem falar nas diversas “migalhas” como a falta de cuidado com a “res publica“: luzes desnecessariamente acessas e ar-condicionados ligados à noite, fora do horário de expediente; uso de veículo oficial para saídas inúteis, além dos diversos “mimos” que a Administração Pública frequentemente se presenteia.

Por último – mas não menos importante – podemos citar o dinheiro público aplicado com viés político. O leitor, se pensar em sua cidade, certamente terá exemplos claros, mas citarei aqui o mais pungente de todos: A cidade do Rio de Janeiro que gastou bilhões nas Olimpíadas e hoje não tem dinheiro para pagar os seus servidores.

Nesse sentido, que culpa tem as enfermeiras das Unidades Básica de Saúde ou os professores municipais? É fácil apontar o dedo para um fiscal de tributos ou um procurador bem remunerados. Mas esses são exceções.  Esquecemo-nos frequentemente que o maior montante de servidores públicos são pessoas exercendo funções essenciais à sociedade, e cujos vencimentos, longe de serem nababescos, nem sempre condizem com a tão propalada “realidade do funcionalismo público”.

De outra monta, sim, os servidores tem privilégios que trabalhadores do setor privado sequer sonham: licença-prêmio, horários menos intensos, menor rigor no controle de sua produtividade. É preciso que os servidores reconheçam que, mesmo não sendo esse paraíso todo, na média, estão melhores do que seus pares da iniciativa privada.

E nem mesmo os contra-argumentos dos servidores justificam essas benesses. Se, por um lado não há como crescer no serviço público, por outro lado há a estabilidade que evita retrocesso; se não há FGTS quando o servidor se aposenta, por outro lado, os servidores tendem a se aposentar com vencimentos quase integrais e no pico do recebimento; se, por um lado, não há margem para negociar um aumento por produtividade, tampouco há punição pela não-produtividade. E quanto mais envelhecem – e mais conhecem os meandros de suas funções –  mais improdutivos tendem a ficar. Os vencimentos, em contrapartida, só aumentam.

Porém, como costumava dizer minha mãe: “dinheiro não dá em árvore.” A fonte dos recursos são os impostos, as taxas e as contribuições pagas pelos cidadãos. É dinheiro que deixa de ser usado em benefício de quem produziu e gerou a riqueza e vai para quem, nem sempre, cumpre com zelo seus afazeres. E é isso que causa desgosto na população que depende de servidores públicos.

E no tocante às contas públicas, os benefícios dos servidores públicos representam gasto de dinheiro público. Gostem os servidores ou não, dada a grande quantidade de pessoas empregadas pelo poder público, a soma no fim do mês tende a ser substancial. E como a Administração tem poder de definir aquilo que deve ser feito para resolver seus problemas de caixa, é natural que se mexa primeiro no bolso dos servidores. É mais fácil (e mais “possível”) do que mudar a lei licitações. Ademais, mexer no bolso dos servidores é boa mídia certa. Mostra que os “políticos” estão preocupados com a conta que – ironia – eles mesmo fizeram.

Daí a solução proposta lá no início do artigo: que os dois lados se entendam e reconheçam seus argumentos em comum. A população está certa em exigir mais austeridade com o dinheiro público, e os servidores estão certos em não quererem ser os primeiros a pagarem a conta de políticas populistas.

Cabe aqui uma importante ressalva: para o bem da moral dos servidores, e da coerência no modo de vida, é necessário que estes recusem ofertas populistas quando essas são direcionadas para eles: aumentos de vencimentos muito acima da inflação, por exemplo, deveriam ser rechaçados em assembleias de sindicato. Isso daria moral para que os servidores exigissem, quando de vacas magras, que não fossem os primeiros a pagar a conta pela não austeridade.

Isso leva a verdade óbvia e ululante (e como toda a verdade óbvia e ululante, ela precisa ser relembrada periodicamente): é preciso austeridade com dinheiro público sim, mas também é preciso mexer nas entranhas da Administração. Rever leis inúteis, diminuir burocracias, que os servidores dependam menos de agentes políticos para a tomada de decisões, e que os empreendedores dependam menos de servidores públicos para poder trabalhar e empreender, diminuir o desperdício de dinheiro… de outro lado, os funcionários públicos precisam entender que devem sim trabalhar com afinco e que, eventualmente, o sacrifício de algum de seus “direitos adquiridos” será necessário para salvar o todo.

Se a população de Curitiba fosse à Câmara e pressionasse os vereadores pela aprovação do pacote, porém, COM ADENDOS como os supracitados, certamente, população e servidores se entenderiam e uniriam forças contra a origem do problema – e não contra os seus sintomas. No fim das contas – e voltado à filosofia oriental – à sombra do que ensinou Sun-Tzu, o inimigo (o Estado Burocrático) quer apenas jogar suas vítimas umas contra as outras, para assim poder reinar em paz e tranquilidade.


Por um Brasil sem Populismo!

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