Procurador-geral de Justiça do RS, Fabiano Dallazen, fez anuncio após Tribunal de Justiça (TJ) rejeitar, por 20 votos a dois, recurso que pedia fim da ação do promotor Ricardo Lozza contra Sérgio Silva e Flávio Silva
Por: Rodrigo Lopes
Cerca de 15 familiares de vítimas da Kiss protestaram durante audiência realizada no TJ, nesta segunda-feiraFoto: André Ávila / Agencia RBS
Em gesto acordado com os três promotores que acusam pais de vítimas da boate Kiss de calúnia e difamação, o Ministério Público Estadual (MP) recuou e pedirá, nesta terça-feira (27), a absolvição dos réus. O procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, tornou pública a decisão em entrevista na tarde desta segunda-feira (26), na sede do MP, em Porto Alegre. O anúncio ocorreu menos de uma hora depois do fim da audiência no Tribunal de Justiça do Estado (TJ), em que foi julgada a "exceção da verdade" no caso de Flávio Silva, pai de Andrielle, 22 anos, processado pelo promotor Ricardo Lozza, de Santa Maria. Por 20 a dois, os desembargadores entenderam que a ação deveria continuar.
— Os três promotores de Justiça de Santa Maria, Mauricio Trevisan, Joel Dutra e Ricardo Lozza, ao representarem ao MP, tinham dois objetivos: primeiro, procurar o Judiciário para fazer com que as agressões contra eles cessassem. O segundo, era demonstrar que a conduta e a forma como conduziram o processo (da Kiss) foram absolutamente dentro da legalidade. Ao atingirem os objetivos, não há nenhum interesse no resultado ou na sentença que vai ser prolatada nesses processos – disse Dallazen.
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O MP é o autor das duas ações contra os três pais porque os promotores são servidores do órgão. Com isso, a decisão não vale para a ação individual movida por Ricardo Luís Schultz Adede y Castro e o pai, o promotor aposentado João Marcos Adede y Castro, contra Irá Beuren, mãe de Sílvio, 31 anos
Dallazen explicou que, tecnicamente, o MP não pode suspender os processos, que têm de tramitar até o fim. O que haverá é um pedido de absolvição dos pais, a ser protocolado nesta terça na Justiça de Santa Maria pelo promotor Alexandre Salim. Além de Flávio e Irá, são réus Sérgio Silva, presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e pai de Augusto, 20 anos, e Paulo Carvalho, pai de Rafael, 32 anos.
— Não temos interesse na punição dos pais. É uma página virada — afirmou o procurador-geral ao reconhecer que a pressão da opinião pública pesou na decisão.
Os pais podem não aceitar o recuo. Em pronunciamentos, têm dito que podem provar que o MP sabia das irregularidades na boate Kiss e, mesmo assim, permitiu que continuasse funcionando.
— A gente quer saber o que vai nos custar. Temos de analisar o motivo de o MP recuar dessa forma. Nosso objetivo é esclarecer, provar que o MP tinha conhecimento das irregularidades. A luta vai continuar — afirmou Flávio, ao saber da decisão do MP, no caminho de volta a Santa Maria, após deixar a sessão no TJ.
Advogado dele e de Sérgio, Pedro Barcellos Jr. adotou cautela:
— Vou esperar amanhã (terça-feira) para ver qual a manifestação deles (promotores), qual o teor do texto. Entendo o Flávio e sei o quanto a família vem sofrendo, a cobrança de que é preciso dar uma resposta. Quero ver a nota do MP, porque não adianta pedir absolvição e o texto ter um teor de "pena" em relação aos pais.
À noite, a AVTSM divulgou nota na qual afirma que irá aguardar o conteúdo dos pedidos do MP, que serão encaminhados ao Judiciário. Mas o texto alerta que o caso de Irá deve ser contemplado:
"Importante que seja entendido que, dos quatro pais processados, uma mãe está sendo processada por um advogado particular, promotor aposentado, em Santa Maria e, portanto, ela tem de ser incluída nessa ação de não condenar qualquer pai".
O anúncio do MP surpreendeu até a defesa dos próprios promotores. José Antônio Boschi, advogado de Lozza, disse que ficou sabendo da decisão pela imprensa:
— Não recebi nenhuma manifestação da pessoa que represento. Não conversou comigo. Não consigo dizer o que passa pela cabeça do procurador-geral, porque essa é uma decisão anunciada por ele, em razão de avaliação que ele, como chefe do MP fez. Não teria parâmetro para fazer abordagem crítica, mas acho algo bastante surpreendente porque, na realidade, não é esse o padrão, quando ele (MP) propõe ações penais. O protocolo é ir até o fim e pedir a condenação.
ZH procurou o promotor Lozza, que não estava na audiência no TJ, mas ele não atendeu o celular.
Anúncio após vitória no TJ
Foram menos de 60 minutos entre a retomada do julgamento no Tribunal de Justiça do Estado (TJ) e, a uma quadra dali, em Porto Alegre, o anúncio do recuo do Ministério Público Estadual (MP) na ação contra três pais de vítimas da Kiss, processados pelos promotores de Santa Maria.
Às 14h10min de segunda-feira, o TJ retomou julgamento em que analisava a "exceção da verdade" solicitada pela defesa de Flávio Silva, processado por calúnia, ao lado de Sérgio Silva, pelo promotor Ricardo Lozza. A sessão havia sido interrompida em 22 de maio depois que o desembarcador Rui Portanova pediu vista. O placar contra os pais era quase irreversível: 20 a 0 pela continuidade da ação contra Sérgio e Flávio, presidente e vice-presidente da Associação de Familiares de Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).
Faltavam os votos de Portanova e do colega Gelson Rolim Stocker. A defesa contava com eles para, com quebra da unanimidade, recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Foi o que aconteceu: discordando da maioria dos colegas, Portanova e Stocker votaram a favor dos pais. Resultado final: 20 a dois para os promotores. Apesar da derrota, a defesa de Flávio avaliou a decisão com otimismo.
— Consideramos vitória – disse o advogado Pedro Barcellos Jr.
Ao ingressar com pedido de análise de "exceção da verdade" — instrumento específico para ações de crime contra honra — a defesa alegava que seu cliente não havia cometido calúnia, uma vez que, na versão dos pais, teria falado a verdade.
Sérgio e Flávio foram acusados após afixarem cartazes por Santa Maria com o rosto de Lozza e a inscrição: "O MP e seus promotores também sabiam que a boate estava funcionando de forma irregular". Antes da tragédia, o promotor descobriu, em inquérito sobre poluição sonora na Kiss, que faltava alvará e propôs termo de ajustamento.
Familiares Fizeram protesto na audiência
Cerca de 20 familiares de vítimas da Kiss acompanhavam a sessão, que terminou com aplausos. Emocionado, Flávio desabafou:
– Fomos injustiçados mais uma vez. A gente entende que houve uma "operação abafa" deflagrada pelo MP e chancelada pelo pleno do Tribunal de Justiça. Mas a gente vai à luta, até as últimas consequências. O MP sabia das irregularidades, mas as portas do tribunal foram fechadas para nós.
Em cartazes de protesto, pais lembraram a gravação na qual outro promotor, Joel Dutra, disse haver "mutretas" na prefeitura de Santa Maria:
"Sr. Promotor: a "treta" que o senhor não denunciou matou 242 jovens".
O áudio veio a público em reportagem do Fantástico, da TV Globo. Dutra acompanhava o julgamento em silêncio na plateia. Outro cartaz evocava trecho do Sermão da Montanha, de Jesus Cristo:
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça porque serão saciados. #SomostodosPaisKiss".
De Fora do acordo
Irá Beuren, conhecida como Marta e mãe de Sílvio, 31 anos, morto na tragédia, publicou em 6 de maio de 2015 artigo no Diário de Santa Maria no qual informou que Ricardo Luís Schultz Adede y Castro, filho do promotor aposentado João Marcos Adede y Castro, virou advogado da Kiss depois da aposentadoria do pai, que atuava na Promotoria quando a boate passou a ser investigada pelo MP por poluição sonora. Pai e filho entraram com ação indenizatória contra Irá por danos morais.
Irá Beuren, mãe alvo de ação de advogado e promotor aposentado, não será beneficiada pelo recuo do MP.Foto: André Ávila / Agencia RBS
Como está a situação:
O julgamento está nas mãos do juiz Carlos Alberto Ely Fontela, da 3ª Vara Cível de Santa Maria.
Ricardo Luís Schultz Adede y Castro (E) e João Marcos Adede Y Castro (D)Foto: Montagem sobre fotos / Agência RBS
Zero Hora
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