Estimativas de perdas anuais em arrecadação chegam a R$ 134 milhões apenas no Rio Grande do Sul
Por: Cleidi Pereira
Sob uma marquise em um dos pontos mais movimentados de Porto Alegre, seis vendedores ambulantes expõem cigarros de fabricação paraguaia. Maços falsificados e contrabandeados são negociados ao ar livre, em pleno centro da Capital, pela metade do preço mínimo estabelecido em lei. Enquanto no varejo uma carteira não pode ser vendida por menos de R$ 5,25, no comércio informal ela sai por R$ 2,50.
Maior produtor e exportador de tabaco do país, o Rio Grande do Sul acumula perdas milionárias devido ao contrabando de cigarros, que vem crescendo no Brasil. Estudo do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), que será divulgado nos próximos dias, indica que o Estado poderia aumentar em R$ 134 milhões a arrecadação anual de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Essa receita triplicaria sem o comércio ilegal, passando de R$ 65 milhões para R$ 199 milhões, conforme levantamento do instituto. Com a renda extra, o governo do Estado conseguiria bancar, por exemplo, o piso de mais de 4,4 mil professores durante um ano. No país, somando as perdas do mercado formal e a não tributação, o prejuízo é estimado em R$ 6,4 bilhões.
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Estimulado pela crise econômica e pelas altas taxas de desemprego nos últimos anos, o contrabando está prestes a se tornar o principal player do mercado brasileiro. Hoje, de cada 10 cigarros consumidos no país, 4,5 têm origem clandestina, principalmente do Paraguai. Historicamente, esse percentual vinha oscilando na faixa de 15% a 30%, segundo o presidente do Idesf, Luciano Barros.
— A raiz do problema é o preço. O imposto no Paraguai é 16%, enquanto que no Brasil varia de 72% a 80%, dependendo do Estado. O contrabando é o filho bastardo do tributo — afirma Barros.
As apreensões aumentam ano a ano, mas não são suficientes para coibir uma prática extremamente lucrativa, com margens que facilmente ultrapassam a casa dos 200%. No ano passado, conforme informações da Receita Federal, foram apreendidos R$ 926 milhões em cargas ilegais de cigarros, aumento de 547% em relação a 2010, em valores corrigidos pela inflação.
Vendedores ambulantes expõem cigarros de fabricação paraguaia em pleno Centro de Porto Alegre Foto: Félix Zucco / Agencia RBS
Somente no Rio Grande do Sul, foram R$ 29,4 milhões, alta de 116% no período. Porém, a evolução das apreensões no Estado caiu no ano passado. A queda foi de 46% em relação a 2015, e teria sido provocada pela greve dos auditores fiscais federais, que teve 100% de adesão no Estado, e recuo no orçamento. A Associação Brasileira de Combate à Falsificação estima que, para cada cigarro apreendido, 10 atravessam as fronteiras clandestinamente.
Na contramão do aumento do contrabando, indústria e agricultores veem sua produção encolher. A fabricação de cigarros caiu 45% entre 2010 e 2016. E a colheita na Região Sul diminuiu 24% no período, passando para 525 mil toneladas em 2016, o que também poderia ser explicado por políticas de estímulo à diversificação do cultivo.
Contrabando impacta nos empregos e na produção
De acordo com o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke, o descaminho é o principal problema enfrentado hoje pelo setor produtivo. Uma das "consequências nefastas" é o desemprego, pois, diante da competição desleal, fábricas estão fechando turnos e até encerrando atividades. O setor gera 40 mil empregos diretos no país, sendo 25 mil somente no Estado.
— O contrabando prejudica enormemente a economia e a produção nacional. Esse cigarro do Paraguai praticamente não leva tabaco nacional, a qualidade do produto é duvidosa e, certamente, fará muito mais mal à saúde, ficando com o governo mais esse custo — acrescenta o presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco, Romeu Schneider.
Com alta lucratividade e penas mais brandas, o contrabando atrai traficante de drogas. Esse é um fenômeno que vem crescendo nos últimos seis anos e alimenta a violência nos centros urbanos. Na região de Santa Cruz do Sul, polo fumageiro do Estado, traficantes estariam obrigando pequenos comerciantes a vender somente cigarros de uma marca específica, contrabandeada do Paraguai. Carros roubados são usados no transporte dessas cargas. Segundo o chefe de Comunicação Social da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Alessandro Castro, é a estratégia dos criminosos para minimizar perdas, já que a Receita apreende e leiloa os veículos que fazem contrabando.
— A liquidez do cigarro é maior do que a da maconha, se vende mais rápido. Esse é um motivo que tem de ser levado em consideração. Outra explicação é que a punição para o tráfico de drogas é muito mais pesada do que a do contrabando — opina Castro.
Mais de 80% das amostras apresentam contaminação
O consumo de cigarros contrabandeados pode potencializar os riscos à saúde dos fumantes. Essa tem sido a conclusão de diversos estudos feitos por universidades brasileiras nos últimos anos. Uma dessas pesquisas, feita pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em 2015, com as 30 marcas mais contrabandeadas, detectou elevados teores de elementos tóxicos, além de práticas de higiene inadequadas.
Sem o controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mais de 80% das amostras apresentaram algum tipo de contaminante por fungos, fragmentos de insetos, gramíneas ou ácaros acima do permitido. Além disso, em 65% das marcas pesquisadas, foram observadas elevadas concentrações de elementos químicos como níquel, cádmio, cromo e chumbo e o dobro da concentração média de arsênio encontrado em cigarros legais.
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Para os testes de qualidade, 50% das marcas apresentaram elevados teores de umidade, 96% apresentaram elevados teores de cinzas e 90% têm pH da fumaça alcalina.
Entidades defendem penas mais duras e maior fiscalização para frear o avanço do contrabando de cigarros no país. Hoje, a punição para quem é flagrado transportando maços do Paraguai varia de dois a cinco anos de reclusão, enquanto que a pena para os casos de tráfico de drogas é de cinco a 15 anos de prisão.
— É um retorno alto e risco de pena bem menor — explica o presidente do SindiTabaco, Iro Schünke.
Romeu Schneider, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Tabaco e diretor da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), também entende que deveria haver maior controle na região da fronteira. Quase 30% do território nacional está nesta faixa, que atravessa 11 Estados e tem pouco mais de 7 mil quilômetros na chamada linha seca.
— Temos consciência de que é um trabalho bastante difícil. Afinal, o país tem em torno de 17 mil quilômetros de fronteiras. Mas a polícia precisa estar melhor aparelhada e com disponibilidade de recursos para fazer as operações necessárias — avalia o dirigente da Afubra.
Nos últimos dois anos, o governo federal reduziu a verba do programa Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (Enafron). Em 2016, foram repassados R$ 91,8 milhões, uma queda de 43,2% em relação a 2015 (R$ 161,6 milhões, corrigidos) e de 50% se comparado a 2014 (R$ 183,9 milhões). O Ministério da Justiça foi procurado pela reportagem para comentar a diminuição do orçamento, mas não retornou aos contatos.
Além disso, o país ainda não aderiu ao protocolo para combater o mercado ilegal de tabaco, negociado na Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O acordo foi adotado em novembro de 2012, mas só terá validade jurídica quando mais de 40 países assinarem. Até o momento, apenas 25 aderiram, de um total de 180.
Zero Hora
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