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segunda-feira, 1 de maio de 2017

Uma nova Constituinte seria uma boa ideia hoje?

Enquanto a grita por uma nova Constituinte era só coisa da esquerda radical, do PT, eu não ligava muito, apesar de ter gravado um vídeo alertando para o perigo da coisa. Mas quando começo a ver gente que considero séria levantando a mesma bandeira, aí fico mais preocupado.

Roberto Giannetti da Fonseca, por exemplo, escreveu esses dias um texto no Estadão em defesa de uma Constituinte já. Diz ele:

O mais que imperfeito está desfeito. Refiro-me à definitiva falência do sistema político brasileiro oriundo da Nova República e da Constituição de 1988. Diante da escalada alucinante das delações premiadas da Operação Lava Jato só nos resta mesmo concluir que falhamos de forma contundente na formulação política da nossa sociedade. Seria uma utopia supor que uma sociedade se possa organizar sem um sistema político que represente seus anseios de organização social e econômica. Portanto, diante da falência de um sistema político, urge substituí-lo por outro melhor e que represente legitimamente a sociedade que o gerou.

[…]

A permanecer o atual sistema político, imaginando que bastaria substituir a geração Lava Jato por outra ainda imune, estaríamos cometendo grave equívoco, pois subsistiriam os mesmos estímulos para o clientelismo da coalizão partidária, para o loteamento de cargos públicos com fins escusos, para as campanhas políticas milionárias financiadas pelo caixa 2 do setor privado e para tantos outros desvios de conduta já conhecidos. Não devemos permitir, por omissão ou inércia da sociedade civil, que agora se façam conchavos políticos diversionistas que resultem em meias reformas com aparente mudança do sistema político, mas que, na verdade, vão introduzir soluções inadequadas com o objetivo de preservar no poder as mesmas elites partidárias, já tão desgastadas na sua credibilidade e no seu sagrado foro privilegiado com ares de impunidade perpétua.

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A falência de um sistema político, assim como de uma empresa, pressupõe a imediata mudança de sua administração e a responsabilidade de seus acionistas. No caso do atual sistema político, significa a imediata convocação, ainda em 2017, de uma Assembleia Constituinte independente, com mandato parcial específico para promover a tão esperada reforma política e a correção de erros históricos que todos sabemos existirem de longa data, mas que até hoje fomos incapazes de corrigir. Torna-se imperativo, na atual conjuntura, que seja uma Constituinte independente, com os integrantes eleitos diretamente e impedidos de participar das eleições e de ocupar cargos públicos até 2022, para se evitarem conflitos de interesses.

[…]

Como cidadão e patriota, recuso-me a baixar a cabeça, envergonhado, diante disso a que assistimos; ao contrário, sinto redobrado ânimo para reagir mais uma vez, diante desta adversidade momentânea, e insistir no retorno do nosso país ao leito da normalidade democrática e institucional. A Constituinte independente parece ser o melhor, se não o único caminho possível, para legitimamente devolver o Brasil aos brasileiros, recuperar a confiança do povo nos seus líderes eleitos e a esperança no destino da Nação, que seja mais justa e mais próspera para nossos filhos e netos.

Que a voz das ruas imponha para já essa mudança de sistema político, ou seguiremos numa trajetória política viciada, cujas mazelas já nos causaram tanta tristeza e decepção.

Muda, Brasil!

O autor tem bons pontos, sem dúvida. O nosso sistema político está podre, é um convite ao clientelismo, é patrimonialista, tudo isso e muito mais. Precisamos de reformas estruturais, de mudanças para valer, de voto distrital, de menos poder concentrado em Brasília etc. Mas calma lá! É preciso muita cautela na hora de propor algo tão radical assim, e meu lado mais conservador fala mais alto, com medo do que pode vir em seu lugar.

Outro pensador que julgo bastante sério e que goza do meu respeito, o economista Ricardo Bergamini, também escreveu um texto com o sugestivo título “Brasil: uma nação órfã, refém do seu próprio estado”, propondo no final a nova Constituinte já. Diz ele:

A pátria é, etimologicamente, a “pátria terra”, terra dos pais, esse lugar da terra onde nascemos. A pátria é um valor, certamente. Mas é preciso não sacrificar a esse valor outros valores também preciosos. Não nos fiemos no nacionalismo, caricatura do verdadeiro patriotismo. Não exijamos em nome do patriotismo, que nossa pátria oprima injustamente os mais frágeis, sejam internos ou externos. Existem valores de justiça, de verdade, que são valores universais e que transcendem a todas as pátrias.

[…]

Os Estados Unidos tomaram consciência de si mesmos e surgiram como nação na guerra de independência contra a Inglaterra.

Nação é imutável. Estado e governo são mutáveis.

Vamos aproveitar o momento de grave crise econômica, política, social e institucional que está vivendo o Brasil para iniciarmos um movimento para construção de uma nação brasileira. Para isso temos que abandonar definitivamente essa nossa visão míope de grupos, falanges, patotas, corporativismo e masturbação mental ideológica. Além de ser fundamental abandonarmos também nossa visão mesquinha apenas do pecuniário e de vaidades pessoais (títulos, cargos e patentes). Vamos doar nosso saber e conhecimento para esse movimento, sem nada pedir em troca.

No estágio atual de putrefação do Brasil trocar de governo seria o mesmo que trocar de mosca e as fezes continuarem as mesmas. O Brasil necessita, urgentemente, de uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

Constituinte já!

Entendo a angústia de Bergamini, aprecio seu chamado patriótico, mas tenho receio do método proposto para tão nobre fim. Estou lendo um livro fundamental, obrigatório para quem gosta de política, que a editora Record vai lançar no Brasil: O grande debate, de Yuval Levin. Trata-se de um precioso resumo do grande confronto intelectual entre Thomas Paine e Edmund Burke durante os agitados anos das revoluções Americana e Francesa.

Em suma, Paine adotava uma abordagem mais radical, calcada em direitos universais, fazendo tábula rasa da história e imaginando um “novo começo” do zero, com base apenas em abstrações sobre justiça. Já Burke era mais prudente, mais cauteloso, dava um peso muito maior ao acúmulo de experiência histórica e às instituições e tradições, para propor mudanças graduais que apontassem na direção certa.

Ainda vou escrever uma resenha do livro, mas a síntese é essa, com tudo aquilo que tais divergências essenciais de abordagem produzem. Basta lembrar que Paine foi um entusiasta da Revolução Francesa, que instaurou o Terror e levou a uma ditadura depois, enquanto Burke foi o grande crítico dos acontecimentos na França jacobina desde o começo. Creio que a história mostrou com quem estava a parcela maior de sabedoria. Em suas Reflexões, por exemplo, ele tinha escrito:

Não ignoro nem os erros, nem os defeitos do governo que foi deposto na França e nem a minha natureza nem a política me levam a fazer um inventário daquilo que é um objeto natural e justo de censura. […] Será verdadeiro, entretanto, que o governo da França estava em uma situação que não era possível fazer-se nenhuma reforma, a tal ponto que se tornou necessário destruir imediatamente todo o edifício e fazer tábua rasa do passado, pondo no seu lugar uma construção teórica nunca antes experimentada?

Olhando o Brasil que temos, dá muita vontade de lutar por um “recomeço”, por uma espécie de “boot” no sistema, apagando tudo o que existe em troca de um novo modelo mais racional e liberal. Mas a prática nem sempre funciona como a teoria, ou como nossas ilusões. E é nos detalhes que mora o diabo. Por isso eu desabafei esses dias na minha página do Facebook:

Vejo gente boa endossando esse papo de “nova constituinte”. Tenho MUITO receio disso. Não só pelo momento do país e por quem aprovaria o troço, como também – e principalmente – pelo que isso ajuda na narrativa cafajeste do PT de que o problema é o “sistema”, de que “são todos iguais”. Constituinte nada: eu quero é Lula na cadeia e o PT exterminado como partido, já que não passa de uma quadrilha!

Ou seja, cada coisa em seu tempo. O governo Temer é fraco, de transição, e covarde ao enfrentar os grupos organizados que querem perpetuar seus privilégios. Mas está fazendo alguma coisa, com reformas importantes, aquém do que necessitamos, sem dúvida, mas um primeiro passo possível no mundo de hoje. A pressão deve continuar, pois a “pinguela” sacode de acordo com os ventos, e o lado decente do Brasil não pode relaxar por um só minuto, caso contrário a turma reacionária de esquerda vencerá. Por isso aplaudo os críticos mais ferrenhos do governo de transição.

Mas por mais que seja tentador aproveitar esse momento para uma revolução completa do sistema, sempre tive muito medo de revoluções, pois a única que deu certo foi a Americana, e há muita gente que alega, com embasamento, que foi uma “revolução conservadora”, apesar da aparente contradição. O que seria dela só com a empolgação de Paine ou Thomas Jefferson, e sem a prudência de um John Adams da vida? Os americanos da colônia lutavam pela manutenção de valores vindos da Inglaterra, não por uma tábula rasa desconectada da tradição britânica.

Quero mudar o Brasil, e quero mudá-lo de forma radical. Mas o processo é importante. Como chegaremos lá é fundamental, para que a coisa não descambe para algo ainda pior do que já temos, não saia de controle e vá parar em algum regime autoritário qualquer ou numa guerra civil. E mais importante: não podemos dar ao PT a oportunidade para essa narrativa canalha de que o problema maior está no “sistema”, não no DNA totalitário do próprio partido.

Bernardo Santoro, ex-presidente do Instituto Liberal, argumentou: “Nova constituinte é um completo absurdo. As únicas cláusulas pétreas são exatamente as liberais. Tudo o que queremos dá para mudar por PEC. Isso é munição para petista”. Tendo a concordar com ele. E aproveito para recomendar esse importantíssimo texto de Alexandre Borges na Gazeta, justamente sobre a narrativa criada pela esquerda para voltar ao poder em 2018. Diz ele:

A esquerda continua avançando na sua marcha para reconquistar o Palácio do Planalto em 2018 com a prestimosa ajuda de Michel Temer, um presidente fraco, vacilante e sem brilho, incapaz de liderar o país e que está pavimentando a volta das forças que criaram a maior recessão e os maiores escândalos de corrupção da história.

Como disse Roberto Campos, “fracasso para a esquerda é apenas um sucesso mal explicado”. A guerra mais importante a ser travada nos próximos meses é a de narrativas e até agora apenas um dos lados está lutando. Sem uma contra-narrativa e um investimento sério, competente e constante em comunicação, um esquerdista será empossado em janeiro de 2019 como presidente.

Para ter chances eleitorais no próximo ano, a esquerda entende a necessidade de convencer a opinião pública de que:

  1. Dilma foi vítima de um golpe
  2. Todos são corruptos, a culpa é do “sistema”
  3. Temer é “contra o povo”
  4. O governo quer retirar “direitos conquistados”
  5. Ao menos a esquerda tem “preocupação social”

Todas as cinco narrativas acima continuam sendo empurradas para a opinião pública diariamente, tanto pelos políticos de esquerda como pela imprensa, professores em sala de aula, sindicalistas, petistas de batina em igrejas, adolescentes doutrinados e todo tipo de idiota útil que o país com um dos piores índices mundiais de analfabetismo funcional consegue produzir.

Ou seja, não podemos dar mais munição para essa turma! Não podemos, de olho num sonho utópico de mudar tudo o que tem que ser mudado no país de uma só vez, esquecer de que o PT e o que ele representa são bem mais perigosos para nosso futuro do que alternativas existentes dentro do “sistema”. Não podemos jogar o bebê da democracia fora junto com a água suja do banho. Nossa narrativa não deveria estar focada em Constituinte para mudar todo o sistema, e sim em deixar bem claro o que quase destruiu o Brasil de vez: o petismo, a esquerda radical, o nacional-desenvolvimentismo, Lula e seus comparsas.

Ou alguém acha mesmo que Paulo Maluf é tão perigoso quanto José Dirceu, que Temer é tão ruim quanto Dilma, que até mesmo Sarney é tão nocivo quanto Lula, e que Aécio Neves representa uma ameaça tão grande quanto Luciana Genro? Alguém fica mesmo indiferente entre João Doria e Ciro Gomes? Alguém considera Ronaldo Caiado uma ameaça equivalente a Marina Silva? Alguém efetivamente pensa que o PT e suas linhas auxiliares (PSOL, PDT, Rede e PCdoB) são “farinha do mesmo saco” do PSDB, DEM e mesmo do fisiológico PMDB? Só quem acha que não há diferença entre Venezuela e Colômbia…

Sim, o Brasil precisa mudar muito, quase tudo, eu diria! Precisa de federalismo, descentralização de poder, menos recursos estatais, mais livre mercado, contas de capitalização individual no lugar desse esquema de pirâmide insustentável da Previdência Social, leis trabalhistas bem mais flexíveis etc. Nós, liberais, sabemos de tudo isso. Mas a questão-chave é: como vamos chegar lá? Acho que erra feio quem responde: com base numa nova Constituinte no momento atual de crise.

É tudo o que os petistas mais querem ouvir: que o maior problema não foi fruto do PT, mas do “sistema”.

Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal

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