Com a enxurrada de revelações, o governo se agarra às reformas trabalhista e previdenciária para sobreviver
Eliane Cantanhêde
Se há alguma tentativa de pacto no mundo político é para manter sangue frio e nervos de aço, enquanto todos afundam juntos sob o peso das delações dos donos e executivos da Odebrecht. A enxurrada de revelações continua, mas Planalto e Congresso querem se agarrar às votações consideradas fundamentais para o País, como se fossem uma boia de salvação, particularmente, para o presidente Michel Temer.
Na prática, esse pacto é para dividir a pauta do Brasil em dois: a da Lava Jato, com seus horrores, e a do “mundo real”, que convive com a expectativa de pífios 0,4% de crescimento neste ano e uma população de 13,5 milhões de desempregados. Assim, o STF, o STJ, as demais instâncias da Justiça, a PGR, a PF e a Receita continuam as investigações sobre corruptores e corruptos, enquanto o governo e o Congresso tentam manter o fôlego e a agenda.
Não é fácil, com todos tão embolados. O presidente da República é citado nas delações, os presidentes da Câmara e do Senado, oito ministros, quase 10% dos deputados e 30% dos senadores são investigados. Mais até do que nervos de aço, eles todos precisam ter também vontade, de um lado, e credibilidade, do outro, para tocar reformas que, apesar de realmente fundamentais, são questionadas por setores poderosos e muitas vezes mal compreendidas pela sociedade.
Foi por isso que Temer reuniu ministros e líderes em pleno domingo de Páscoa, para discutir a reforma da Previdência, criando grande expectativa sobre o que vai acontecer hoje no Congresso. A previsão é de que o parecer da reforma seja lido na Comissão Especial, mas numa semana espremida entre as delações na TV e um feriado na sexta-feira?
Hoje, portanto, será um grande teste sobre a capacidade do governo e dos seus líderes para tocar a reforma da Previdência, que o Planalto está louco para aprovar ainda em maio, mas também a reforma trabalhista e a renegociação das dívidas do Rio de Janeiro – onde, aliás, todos, exatamente todos, os governadores desses últimos 18 anos estão no turbilhão da Lava Jato.
O Planalto conta com dois fatores a seu favor, enquanto a popularidade de Temer não está apenas abaixo de índices minimamente confortáveis como continua caindo sob a pressão dos vídeos dos delatores da Odebrecht sobre os financiamentos das campanhas do PMDB, partido que presidiu durante muitos anos. Um desses fatores é o tempo, o outro é o tamanho do estrago.
Quanto ao tempo: depois de Emílio e Marcelo Odebrecht e dos principais executivos do grupo, os palacianos acham que o impacto das revelações tende a diminuir. Quanto ao tamanho do estrago: com essa multidão de delatados e investigados, em que não sobra quase ninguém, mais as responsabilidades e culpas se diluem e eles vão virando “apenas mais um”.
Somando os dois fatores, os atingidos imaginam que as votações vão se contrapor às manchetes negativas e manter alguma confiança no chamado mercado na fase aguda da crise, enquanto eles vão se aguentando até o processo entrar em fase de normalidade. Se o mensalão demorou tanto para produzir efeitos, imagine-se o petrolão, que envolve investigações muito mais complexas, um número muitíssimo maior de alvos e uma decantação imensa pelos 27 Estados, DF e provavelmente também Judiciário.
Governo e líderes do Legislativo argumentam que isso tudo pode levar dez, 15 anos, até a limpeza que é preciso fazer, levar à prisão quem tem de levar, recuperar valores que deve recuperar... Até lá, o País não pode parar. O problema maior, porém, é aqui e agora, porque nenhum pacto entre FHC, Lula e Temer nem nervos de aço vão salvar mandatos e peles. Falta o essencial, que é combinar com o adversário: a força-tarefa da Lava Jato.
Estadão
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